"Então, caíram-lhes bem as palavras de
Krishnamurti ou ocorreu alguma reação parecida com a minha? A pretensão desta postagem
é provocá-los a refletir sobre aquelas que, no meu entender, talvez sejam as palavras mais
contundentes. Os grifos são meus.
"Eu desejo ser
engenheiro famoso, superar todos os outros; assim, terei de trabalhar
esforçadamente e tratar de conhecer as pessoas que me convêm; terei de
planejar, calcular para o futuro. Tenho de abrir meu caminho pela vida.", diz o primeiro dos
quatro participantes da conversa com Krishnamurti.
"Isso, exatamente.
Cada um diz que tem de abrir caminho pela vida; cada um só quer cuidar de si,
mas em nome dos negócios, da religião ou da pátria. Desejais tornar-vos famoso,
e o mesmo deseja o vosso vizinho, e o vizinho dele; e a mesma coisa acontece
com todo o mundo, do mais alto ao mais baixo. E assim se constrói uma sociedade
baseada na ambição, na inveja, na aquisição, sociedade em que cada homem é
inimigo dos demais; e estais sendo 'educado' para vos ajustardes a
essa sociedade de desintegração, para vos adaptardes à sua viciosa estrutura.", responde Krishnamurti.
"Mas que podemos
fazer?", perguntou o segundo. "Parece-me que temos de submeter-nos à sociedade,
ou ser destruídos. Há alguma saída, senhor?"
"Sois atualmente
'educados' para vos ajustardes a esta sociedade; vossas capacidades
são desenvolvidas para que sejais capazes de ganhar a vida dentro de seu
padrão. Vossos pais, vossos educadores, vosso governo, dão toda a importância à
vossa eficiência e segurança financeira, não é verdade?" (...) "O governo vos quer eficientes burocratas, para administrar o
Estado, eficientes trabalhadores industriais, para preservar a economia,
eficientes soldados para matar 'o inimigo', não é assim?", responde
Krishnamurti.
"Parece que é
isso o que o Governo quer. Mas nossos pais são mais bondosos; só cuidam de
nosso bem-estar e querem que sejamos bons cidadãos.", diz o quarto
participante da conversa com Krishnamurti.
"Exatamente; eles
querem que sejais 'bons cidadãos', que sejais respeitavelmente
ambiciosos, insaciavelmente gananciosos, e prontos a exercer essa crueldade
socialmente aprovada que se chama 'concorrência',
'competição', e isso para que vós e eles vos conserveis em segurança.
Eis o que constitui um 'bom cidadão'; mas isso é bom, ou é uma coisa
muito má?", diz Krishnamurti.
Com o que foi dito até aqui, principalmente no parágrafo
imediatamente acima, faço uma inter-relação com algo dito na recente postagem
"Qual é o nosso papel?".
Nela, Ilka Dantas diz que a atitude dos pais é investir, a palavra certa é
esta, investir nos estudos de seus filhos. Será que tal investimento pode
ser interpretado como uma preparação para que os filhos tornem-se vencedores nessa crueldade socialmente aprovada que se
chama "concorrência", "competição"? Vivendo em uma sociedade onde há cada vez mais
candidatos para cada emprego, em vez de atuar em prol da ampliação da oferta de
oportunidades e, consequentemente, da melhoria desta sociedade onde predomina o
cada um por si, o que fazem os pais?
"Consideram
uma necessidade o filho ajustar-se à sociedade, ser respeitável, alcançar uma
situação de segurança. A isso chamam 'amor'. Mas é amor? Ou é medo,
encoberto pela palavra 'amor'"?, questiona Krishnamurti.
"Assim expresso,
não sei o que diga", respondeu o terceiro.
"Há outra maneira
de exprimi-lo? O que acabo de dizer poderá ser desagradável, mas é um fato. A
suposta educação que evidentemente estais recebendo agora não vos ajudará a
enfrentar o vasto complexo da vida; estais indo ao seu encontro despreparados,
e sereis por ela tragado", diz Krishnamurti.
"Mas quem vai
educar-nos para compreender a vida? Não temos tais instrutores, senhor.", acrescenta o terceiro.
O educador também tem
de ser educado. Os mais velhos vos dizem que a vós – a nova geração – cabe
criar um mundo diferente, mas a intenção deles não é esta, absolutamente. Pelo
contrário, com muita reflexão e cuidado se põem a "educar-vos" para
ajustar-vos ao velho padrão, com certas modificações. Embora usem palavras
muito diferentes, mestres e pais, apoiados pelo governo e a sociedade, estão
cuidando de treinar-vos para vos ajustardes à tradição, para aceitardes a
ambição e a inveja como a norma natural da vida. Pouco lhes importa uma nova
norma de vida, e por essa razão é que o próprio educador não está sendo
corretamente educado. A velha geração criou este mundo belicoso, este mundo de
antagonismos e divisão entre os homens; e a nova geração está lhe seguindo as
pegadas muito diligentemente.
"Mas desejamos
ser corretamente educados, senhor. Que devemos fazer?", pergunta o terceiro.
"Em primeiro lugar,
vede bem claramente um fato muito simples: que nem o governo, nem vossos atuais
mestres, nem vossos pais, se importam com educar-vos corretamente; se se
importassem, este mundo seria muito diferente e não haveria guerras. Portanto
se desejais ser educados corretamente, vós mesmos tendes de cuidar disso; e, depois
de crescerdes, cuidareis de que vossos filhos sejam corretamente educados.
A riqueza de ideias presente no texto de
Krishnamurti fez com que esta postagem do tipo "Reflexões provocadas por ..." ficasse repleta de trechos
do texto fonte e que até aqui apenas uma das costumeiras inter-relações com
outras ideias tenha sido apresentada. Porém, ela não terminará assim e inter-relações com os parágrafos finais do texto de Krishnamurti ainda serão apresentadas.
A primeira é entre a sugestão de Krishnamurti para vermos bem claramente um fato muito simples: que nem o governo, nem vossos atuais
mestres, nem vossos pais, se importam com educar-vos corretamente; se se
importassem, este mundo seria muito diferente e não haveria guerras. Portanto
se desejais ser educados corretamente, vós mesmos tendes de cuidar disso; e, depois
de crescerdes, cuidareis de que vossos filhos sejam corretamente educados. Tais palavras me fazem lembrar a seguinte afirmação
atribuída a Edward Gibbon: "O
homem recebe duas classes de educação. Uma que lhe dão os demais; outra a mais
importante, que ele dá a si mesmo". Tudo a ver com as palavras de Krishnamurti, não? E ainda na mesma linha, gosto muito da seguinte afirmação de Alex Periscinoto:
"Mais vale o que se aprende que o que te ensinam"
A segunda é entre é entre a mesma sugestão de Krishnamurti citada no parágrafo acima e a afirmação de Laurence G.
Boldt que está em cartaz aqui no blog, como Citação da Semana: "A tarefa de
criar um mundo melhor não começa com os programas de governo ou com movimentos
revolucionários; mas com os pensamentos, sentimentos e ações de cada um de
nós".
Dito isto, seguem as frases finais do texto de
Krishnamurti que, no meu entender, vale a pena ler de novo. Para vos
educardes corretamente, deveis compreender a vós mesmos; deveis continuar
sempre aprendendo alguma coisa a vosso respeito. Epa! Mais uma inter-relação! Desta vez entre Krishnamurti e um antigo
Oráculo. "Conhece-te a ti mesmo" é a inscrição que se via na
entrada do Oráculo de Delfos. Será que algum dia a incorporaremos à nossa vida?
Seria muito bom se o fizéssemos, pois se pararmos de aprender, a vida se
torna feia e aflitiva. "Sem bondade e amor não há educação correta."
Um comentário:
Expetacular! suas ideias sempre edificam minha vida!
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