Continuação de sábado
"Felizmente, por ora muito pouco sabemos dessa
luta", continuou o primeiro, "mas o que nos dizeis dela já se encontra
potencialmente em nós. Eu desejo ser engenheiro famoso, superar todos os outros;
assim, terei de trabalhar esforçadamente e tratar de conhecer as pessoas que me
convêm; terei de planejar, calcular para o futuro. Tenho de abrir meu caminho
pela vida."
Isso, exatamente. Cada
um diz que tem de abrir caminho pela vida; cada um só quer cuidar de si, mas em
nome dos negócios, da religião ou da pátria. Desejais tornar-vos famoso, e o
mesmo deseja o vosso vizinho, e o vizinho dele;
e a mesma coisa acontece com todo o mundo, do mais alto ao mais baixo. E assim
se constrói uma sociedade baseada na ambição, na inveja, na aquisição,
sociedade em que cada homem é inimigo dos demais; e estais sendo "educado" para
vos ajustardes a essa sociedade de desintegração, para vos adaptardes à sua
viciosa estrutura.
"Mas que podemos
fazer?", perguntou o segundo. "Parece-me que temos de submeter-nos à sociedade,
ou ser destruídos. Há alguma saída, senhor?"
Sois atualmente
"educados" para vos ajustardes a esta sociedade; vossas capacidades são
desenvolvidas para que sejais capazes de ganhar a vida dentro de seu padrão.
Vossos pais, vossos educadores, vosso governo, dão toda a importância à vossa
eficiência e segurança financeira, não é verdade?
"Nada sei quanto ao
governo", atalhou o quarto, "mas nossos pais gastam seu dinheiro
trabalhosamente ganho para que tenhamos um diploma e possamos ganhar a vida.
Eles nos amam."
De fato? Vejamos. O
governo vos quer eficientes burocratas, para administrar o Estado, eficientes
trabalhadores industriais, para preservar a economia, eficientes soldados para
matar "o inimigo", não é assim?
"Parece que é isso o
que o Governo quer. Mas nossos pais são mais bondosos; só cuidam de nosso
bem-estar e querem que sejamos bons cidadãos."
Exatamente; eles querem
que sejais "bons cidadãos", que sejais respeitavelmente ambiciosos,
insaciavelmente gananciosos, e prontos a exercer essa crueldade socialmente
aprovada que se chama "concorrência", "competição", e isso para que vós e eles
vos conserveis em segurança. Eis o que constitui um "bom cidadão"; mas isso é
bom, ou é uma coisa muito má? Dizeis que vossos pais vos amam; mas isso é
exato? Não tenho intenção de criticar. O amor é uma coisa extraordinária; sem
ele, a vida é estéril. Podeis ter muitas posses e ocupar uma posição de mando,
mas sem a beleza e a grandeza do amor, a vida depressa se torna desgraçada e
confusa. O amor exige – não é verdade? – que os entes amados tenham plena
liberdade para alcançarem sua plenitude, se tornarem algo maior do que meras
máquinas sociais. O amor não compele, nem abertamente nem mediante sutis
ameaças, relativas a deveres e responsabilidades. Onde há compulsão ou o
exercício de autoridade, sob qualquer forma, não existe amor.
"Essa não parece a
espécie de amor a que meu amigo se referia", disse o terceiro. "Nossos pais nos
amam, mas não dessa maneira. Conheço um rapaz que deseja ser artista, mas o pai
quer fazer dele negociante, e ameaça deserdá-lo se não cumprir seu dever
filial."
O que os pais chamam
"dever" não é amor, é compulsão; e a sociedade aprovará sempre os pais, pois
estão procedendo de maneira muito respeitável. Têm os pais todo o empenho em
que os filhos achem empregos seguros e ganhem seu próprio dinheiro; mas, com
esta enorme população, há mais candidatos para cada emprego, e os pais acham
que um rapaz não poderá ganhar a vida pintando; e, assim, procuram forçá-lo a
abandonar o que consideram um capricho tolo. Consideram uma necessidade ele
ajustar-se à sociedade, ser respeitável, alcançar uma situação de segurança. A
isso chamam "amor". Mas é amor? Ou é medo, encoberto pela palavra "amor"?
"Assim expresso, não
sei o que diga", respondeu o terceiro.
Há outra maneira de
exprimi-lo? O que acabo de dizer poderá ser desagradável, mas é um fato. A
suposta educação que evidentemente estais recebendo agora não vos ajudará a
enfrentar o vasto complexo da vida; estais indo ao seu encontro despreparados,
e sereis por ela tragado.
"Mas quem vai
educar-nos para compreender a vida? Não temos tais instrutores, senhor."
O educador também tem
de ser educado. Os mais velhos vos dizem que a vós – a nova geração – cabe
criar um mundo diferente, mas a intenção deles não é esta, absolutamente. Pelo
contrário, com muita reflexão e cuidado se põem a "educar-vos" para ajustar-vos
ao velho padrão, com certas modificações. Embora usem palavras muito
diferentes, mestres e pais, apoiados pelo governo e a sociedade, estão cuidando
de treinar-vos para vos ajustardes à tradição, para aceitardes a ambição e a
inveja como a norma natural da vida. Pouco lhes importa uma nova norma de vida,
e por essa razão é que o próprio educador não está sendo corretamente educado.
A velha geração criou este mundo belicoso, este mundo de antagonismos e divisão
entre os homens; e a nova geração está lhe seguindo as pegadas muito
diligentemente.
"Mas desejamos ser
corretamente educados, senhor. Que devemos fazer?"
Em primeiro lugar,
vede bem claramente um fato muito simples: que nem o governo, nem vossos atuais
mestres, nem vossos pais, se importam com educar-vos corretamente; se se
importassem, este mundo seria muito diferente e não haveria guerras. Portanto
se desejais ser educados corretamente, vós mesmos tendes de cuidar disso; e,
depois de crescerdes, cuidareis de que vossos filhos sejam corretamente
educados.
"Mas, como nos
educarmos corretamente? Precisamos que alguém nos oriente."
Vós tendes
professores, que vos instruem na Matemática, na Literatura, etc.; mas a
educação é coisa mais profunda e mais ampla do que o mero acumular de
conhecimentos. Educação é cultivar a mente de maneira que a ação não seja
egocêntrica; é aprender, através da vida, a quebrar as muralhas que a mente
constrói para se conservar em segurança, do que resulta o medo com todas as
suas complexidades. Para vos educardes corretamente, tendes de estudar
aplicadamente, e não ser preguiçosos. Jogai bem, não para baterdes outros, mas,
sim, para divertir-vos. Tomai alimentos adequados e conservai-vos em bom estado
físico. Conservai a mente vigilante e capaz de atender aos problemas da vida,
não como hinduístas, comunistas ou cristãos, porém como entes humanos. Para vos
educardes corretamente, deveis compreender a vós mesmos; deveis continuar
sempre aprendendo alguma coisa a vosso respeito. Se pararmos de aprender, a
vida se torna feia e aflitiva. "Sem bondade e amor não há educação correta."
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