sábado, 7 de setembro de 2013

Sem bondade e amor não existe educação (I)

Esta postagem apresenta a primeira de duas partes nas quais dividi uma passagem homônima do livro Diálogos sobre a vida, de Krishnamurti. Nascido na Índia, Jiddu Krishnamurti (1895 – 1986) foi um filósofo, educador e conferencista internacional. Durante sua vida, viajou por todo o mundo realizando palestras que eram seguidas por conversas com a plateia. Vários de seus livros são inspirados em tais palestras e conversas, e Diálogos sobre a vida é um deles. Na passagem que selecionei para esta postagem, Krishnamurti conversa com quatro estudantes. Mas antes de apresentá-la, creio que seja conveniente contar o que aconteceu comigo quando a li pela primeira vez.
Li Diálogos sobre a vida na época em que eu tinha uma filha com sete anos, deixara de ter um filho que desencarnara com quatro e minha esposa estava grávida. Considerando que eu me interessava em ser um bom pai, ler o que Krishnamurti diz sobre os pais naquela passagem incomodou-me demais. Então, o que fiz eu? Interrompi a leitura e guardei o livro. Não, não me livrei dele, pois alguma coisa me intuía que eu ainda viria a ter maturidade suficiente para deixar de melindrar-me com opiniões que me incomodassem e que quando isso viesse a acontecer eu iria não só reler aquela passagem, mas também ler o restante do livro. Aliás, existe nela uma frase que define bem a minha reação. "O que acabo de dizer poderá ser desagradável, mas é um fato", diz Krishnamurti.
Portanto, minha reação foi, simplesmente, dar as costas a algo que era desagradável, mas era um fato. E sendo um fato, hoje, aquela reação me faz lembrar uma inesquecível frase de um filme que minha filha me levou a assistir em sua adolescência. É de um filme intitulado A Praia, a seguinte frase: "É fácil dar as costas, mas não é tão fácil esquecer". Hoje, interpreto aquela minha atitude como dar as costas às palavras de Krishnamurti. Palavras que, por jamais tê-las esquecido, a postagem anterior me fez querer lhes repassar nesta e na próxima, pois postagens muito longas têm menor probabilidade de serem lidas. Será que algum de vocês terá uma reação semelhante à minha?
Sem bondade e amor não existe educação
Eram quatro rapazes, mais ou menos da mesma idade – entre dezesseis e dezoito anos. Um pouco acanhados, cumpria provocá-los, mas uma vez postos em movimento era-lhes difícil parar e ansiosas perguntas lhes saíam atropeladamente da boca. Via-se que já tinham discutido a matéria entre si, de antemão, e haviam preparado suas perguntas por escrito; mas depois de fazerem uma ou duas dessas perguntas, esqueceram-se do escrito e as palavras lhes fluíam, livremente, de seus próprios e espontâneos pensamentos. Embora não fossem de pais ricos, trajavam-se com asseio e propriedade.
"Senhor, quando nos falastes, a nós estudantes, há poucos dias", começou o que estava mais perto, "dissestes alguma coisa sobre a necessidade de educação correta, para que pudéssemos enfrentar a vida. Peço-vos explicar de novo o que entendeis por educação correta. Conversamos a esse respeito entre nós, mas não entendemos bem isso."
Que espécie de educação estais recebendo atualmente?
"Ora, estamos no Colégio, onde nos ensinam as matérias necessárias para uma dada profissão", respondeu. "Eu vou ser engenheiro; estes meus amigos estão respectivamente estudando Física, Literatura e Ciências Econômicas. Estamos fazendo os cursos prescritos e lendo os livros necessários, e quando nos sobra tempo lemos um ou outro romance; mas, com exceção dos jogos, estamos a maior parte do tempo aplicados aos nossos estudos."
Pensais que isso basta para estar-se corretamente educado para a vida?
"Do que dissestes, se vê que isso não é suficiente", respondeu o segundo. "Mas é só isso que nos dão, e em geral pensamos que estamos sendo educados."
Só aprender a ler e escrever, a desenvolver a memória e preparar-se para os exames, adquirir certas capacidades ou técnicas para obtenção de emprego – isso é educação?
"Mas não é necessário tudo isso?"
Decerto, é essencial preparo para se ter um meio de vida adequado, mas a vida não é só isso. Há o sexo, a ambição, a inveja, o patriotismo, a violência, a guerra, o amor, a morte, Deus, as relações humanas, que constituem a sociedade – e tantas outras coisas. Estais sendo educados para enfrentardes esta coisa vastíssima que se chama a vida?
"Mas, quem irá educar-nos assim?", perguntou o terceiro. "Nossos mestres e professores parecem tão indiferentes. Alguns deles são homens brilhantes e muito lidos, mas nenhum deles pensa sequer em tal coisa. Somos impelidos através dos cursos, e já teremos muita sorte se tirarmos os nossos diplomas; tudo se está tornando tão difícil."
"Com exceção de nossas paixões sexuais, que são bastante positivas", disse o primeiro, "nada sabemos acerca da vida; tudo o mais parece tão vago e remoto. Ouvimos nossos pais resmungarem sobre a falta de dinheiro, e compreendemos que eles estão aprisionados em certas rotinas para o resto da vida. Assim, quem pode instruir-nos sobre a vida?"
Ninguém pode instruir-vos, mas vós podeis aprender. Há vasta diferença entre aprender e ser instruído. O aprender prossegue durante toda a vida, ao passo que só se é instruído durante apenas algumas horas ou anos – e, depois, fica-se o resto da vida a repetir o que se aprendeu. O que foi ensinado logo se torna cinzas frias; e a vida, uma coisa viva, se torna um campo de batalha, de vãos esforços. Sois jogados na vida, sem se vos dar oportunidade ou tempo para a compreenderdes; antes de saberdes qualquer coisa acerca da vida, vos vedes no meio dela, casado, preso a um emprego, rodeado de uma sociedade exigente e inexorável. Cada um deve começar a aprender o que é a vida desde a primeira infância, e não no último momento; quando já estamos adultos, quase já é tarde demais.
Sabeis o que é a vida? Ela se estende do momento de nascerdes ao momento de morrerdes – e talvez além. A vida é um todo muito vasto e complexo. É como uma casa onde todas as coisas possíveis acontecem simultaneamente. Amais e odiais, sois ávido, invejoso, e ao mesmo tempo sentis que não o deveis ser. Sois ambicioso, e encontrais a frustração ou o bom êxito, em seguida a toda uma série de ansiedades, temores e crueldades; e mais cedo ou mais tarde manifesta-se o sentimento da futilidade desse bom êxito. E há também os horrores e a brutalidade da guerra, e a paz mantida pelo terror; e há nacionalismo, e a soberania nacional, responsáveis pela guerra; e a morte, no fim da estrada da vida ou a meio do caminho. E a busca de Deus, com suas crenças antagônicas e as disputas entre religiões organizadas.
E a luta para se obter e conservar um emprego; e o casamento, os filhos, a doença e o jogo da sociedade e do Estado. A vida é tudo isso e muito mais; e no meio dessa confusão sois lançado. Em geral, nela soçobrais, desditoso, destruído; e se conseguis sobreviver, galgando até o alto da massa amontoada, sois ainda uma parte da confusão. Isso é o que se chama "a vida": luta e sofrimentos perpétuos, e um pouquinho de alegria ocasional. Quem irá instruir-vos a respeito de tudo isso? Ou, melhor, como ireis aprender acerca de tudo isso? Ainda que sejais dotados de capacidades e talentos, sois pressionados pela ambição, pelo desejo de fama, com suas frustrações e sofrimentos. Tudo isso é a vida, não? E transcender tudo isso é também vida.
Continua na próxima quarta-feira

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