segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Reflexões provocadas por "Qual é o nosso papel?"

Se por um lado a condição de seres imperfeitos ainda nos impede de enxergar com nitidez qual seja o papel dos pais, por outro lado a relativa inteligência da qual somos dotados já nos possibilita perceber que algumas de nossas atitudes enquadram-se, exatamente, no que há de mais contraproducente no referido papel. E entre tais atitudes, creio que a mais perniciosa seja, exatamente, aquela citada por Ilka Dantas já no início do primeiro parágrafo de seu texto "Qual é o nosso papel?", apresentado na postagem anterior.
Vivendo em uma civilização fundamentada cada vez mais na cultura do dinheiro e na qual as vagas em empregos que possibilitem obtê-lo em maiores quantias sejam a cada dia mais disputadas, pois são cada vez mais escassas, segundo Ilka Dantas, a atitude dos pais é investir, a palavra certa é esta, investir nos estudos de seus filhos. Considerando que tal investimento é altíssimo (em reportagem publicada em 28 de março de 2004 no caderno Jornal da Família, que é parte integrante da edição dominical de O Globo, especialistas calculavam em R$ 1 milhão a despesa entre o parto e a formatura, para famílias de classe média) e querendo dar aos filhos tudo aquilo que não tiveram, na maioria das vezes, os pais com o sacrifício de trabalhar o dia inteiro acabam ficando sem tempo para conviver com os filhos e, consequentemente, sem oportunidades para lhes oferecer carinho, afeto e amor, na "dose" adequada a um desenvolvimento emocional sadio.
Por trabalharem durante o dia inteiro, o pouco tempo que, por ventura, lhes reste para interagir com os filhos acaba sendo gasto com cobranças de notas que justifiquem o altíssimo investimento feito em seus estudos. Afinal, conforme já foi dito na reportagem citada no parágrafo acima, é tudo muito caro. Em uma reportagem ainda mais antiga, publicada na edição de 24 de maio de 1999 do jornal Folha de S.Paulo, encontrei o seguinte título: Atenção: cada filho é um centro de custo. Vocês acreditam que, tratado como um centro de custo, um filho poderá ser alvo de carinho, afeto e amor?
"Em 12 de maio de 2012 foi notícia em algum jornal que uma menina de apenas quinze anos pulou do 8º andar. Ela acabara de almoçar, estava com o uniforme do colégio, o que indicava que iria para a aula. (...) Aí nos perguntamos: Por quê? Ela tinha apenas quinze anos. Que problemas uma menina de quinze anos pode ter? O que faltou? Hoje ouvimos médicos falarem de crianças com depressão, crianças que precisam de terapias com psicólogos, para ter com quem conversar, pois quando chegam às suas casas depois de um dia inteiro envolvidas em várias tarefas e cursos, não encontram o velho e bom colinho de seus pais lhes dizendo: que bom que você chegou em casa, como foi na escola hoje? Você me parece preocupado, aconteceu alguma coisa?"
O parágrafo acima foi copiado do texto de Ilka Dantas publicado na postagem anterior. O parágrafo abaixo foi copiado de uma reportagem de Clarissa Thomé e Heloisa Aruth Sturm publicada na edição de 2 de outubro de 2012 do jornal O Estado de S. Paulo.
"Aluno cai do 5º andar em colégio do Rio. A Polícia Civil do Rio abriu inquérito para investigar a queda de um aluno de 12 anos do 5º andar do Colégio São Bento, um dos mais tradicionais do País. (...) 'É cedo para afirmar o que houve. Vamos ouvir também o serviço de psicologia para entender como era a personalidade da criança, como se comportava.'"
E ainda na mesma linha, segue um parágrafo copiado do artigo de Lee Siegel (traduzido por Celso Paciornik) intitulado A face oculta do novo, publicado na edição de 9 de junho de 2013 do jornal O Estado de S. Paulo que foi apresentado em uma postagem homônima publicada neste blog em 3 de julho de 2013.
"A notícia causou frisson na minha cidade suburbana ao lado de Nova York. Um rapaz de 17 anos, a poucas semanas de concluir o ensino secundário, parou diante de um trem de subúrbio em movimento. Teve morte instantânea. Como sempre ocorre quando se noticia um suicídio, a questão de por que ele o fez torturou familiares e amigos do jovem. Atormentou estranhos, também, porque o suicídio é o mais íntimo dos tipos de violência. Ele nos faz perguntar não somente por que determinada pessoa o cometeu, mas por que alguém o faria, confrontando-nos assim com o aspecto mais despojado da existência."
Dito isto, recorrendo mais uma vez as palavras de Ilka Dantas apresentadas no 4º parágrafo desta postagem, repito aqui as seguintes indagações: Por quê? Ela tinha apenas quinze anos. Que problemas uma menina de quinze anos pode ter? O que faltou? E para responder a última indagação recorro a uma célebre frase de Robert Kennedy, pronunciada há mais de 40 anos: "Os jovens têm tudo, só lhes falta o essencial". E falar em essencial me faz lembrar uma famosa frase de Antoine de Saint-Exupéry: "É apenas com o coração que se pode ver direito; o essencial é invisível aos olhos". E é aqui que mora um grande problema, pois em uma sociedade onde a maioria de seus integrantes interessa-se apenas por si próprio são relativamente poucos os que vêem a vida com o coração e, consequentemente, também são relativamente poucos os que vêem direito.
E de lembrança em lembrança, o método das recordações sucessivas leva-me a mais uma frase de Antoine de Saint-Exupéry: "Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. Pena que sejam poucas as que se lembram disso". E entre essas poucas está o pai de Alfredo Diez. Diez é autor de um excelente livro intitulado "Líder interior - A inteligência e o coaching aplicados a sua vida". Livro no qual ele narra um episódio envolvendo seu pai, ele e seu irmão, e que é reproduzido a seguir.
"Um dia, quando eu tinha 12 anos e o meu irmão Alberto, nove, nosso pai nos prometeu que nos levaria ao circo que havia chegado na cidade por aqueles dias. Porém, na hora do almoço, o telefone tocou. Um assunto urgente o chamava. Já estávamos preparados para a decepção quando o escutamos dizer: 'Não, não vou. Esse assunto terá que esperar'. Quando voltou à mesa, minha mãe sorriu.
- O circo vem com bastante frequência, sabe?
E o meu pai respondeu:
Eu sei. Mas o mesmo não acontece com a infância.
Lembro-me daquilo, apesar do passar dos anos, pelo impacto que causou em mim a atitude do meu pai. Ele soube distinguir entre o importante e o trivial da vida e, com sua atitude, deu-nos uma clara e grande lição."
Vocês concordam com a inclusão do pai de Alfredo Diez no conjunto das pessoas grandes que se lembram de um dia ter sido criança?
E para terminar esta já longa postagem, recorro à frase de Adélia Prado que durante a semana passada esteve em cartaz como citação da semana, neste blog. "Minha mãe achava o estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento." Concordo com Adélia e creio que outro que concorda com ela seja o extraordinário filósofo indiano Jiddu Krishnamurti. Em seu livro intitulado Diálogos sobre a vida há uma passagem cujo título é: Sem bondade e amor não existe educação.

Nenhum comentário: