Se por um lado a
condição de seres imperfeitos ainda nos impede de enxergar com nitidez qual
seja o papel dos pais, por outro lado a relativa inteligência da qual somos dotados já nos possibilita perceber que algumas de nossas atitudes enquadram-se, exatamente,
no que há de mais contraproducente no referido papel. E entre tais atitudes,
creio que a mais perniciosa seja, exatamente, aquela citada por Ilka
Dantas já no início do primeiro parágrafo de seu texto "Qual é o nosso papel?", apresentado na postagem anterior.
Vivendo em uma civilização fundamentada cada vez mais na
cultura do dinheiro e na qual as vagas em empregos que possibilitem obtê-lo em
maiores quantias sejam a cada dia mais disputadas, pois são cada vez mais
escassas, segundo Ilka Dantas, a atitude dos pais é investir, a palavra
certa é esta, investir nos estudos de seus filhos. Considerando que tal
investimento é altíssimo (em reportagem publicada em 28 de março de 2004 no
caderno Jornal da Família, que é
parte integrante da edição dominical de O
Globo, especialistas calculavam em R$ 1 milhão a despesa entre o parto e a
formatura, para famílias de classe média) e querendo dar aos filhos
tudo aquilo que não tiveram, na maioria das vezes, os pais com o sacrifício de
trabalhar o dia inteiro acabam ficando sem tempo para conviver com os
filhos e, consequentemente, sem oportunidades para lhes oferecer carinho,
afeto e amor, na "dose" adequada a um desenvolvimento emocional sadio.
Por trabalharem durante o dia inteiro, o
pouco tempo que, por ventura, lhes reste para interagir com os filhos acaba sendo gasto com cobranças de notas que justifiquem o altíssimo investimento feito em seus estudos. Afinal, conforme já foi dito na reportagem citada no parágrafo acima, é tudo muito caro. Em uma reportagem ainda mais antiga, publicada na edição de 24 de maio de
1999 do jornal Folha de S.Paulo, encontrei o
seguinte título: Atenção: cada filho é um
centro de custo. Vocês acreditam que, tratado como um centro de custo, um
filho poderá ser alvo de carinho, afeto e amor?
"Em 12 de maio de 2012 foi notícia em algum
jornal que uma menina de apenas quinze anos pulou do 8º andar. Ela acabara de
almoçar, estava com o uniforme do colégio, o que indicava que iria para a aula.
(...) Aí nos perguntamos: Por quê? Ela tinha apenas quinze anos. Que problemas
uma menina de quinze anos pode ter? O que faltou? Hoje ouvimos médicos falarem
de crianças com depressão, crianças que precisam de terapias com psicólogos,
para ter com quem conversar, pois quando chegam às suas casas depois de um dia
inteiro envolvidas em várias tarefas e cursos, não encontram o velho e bom
colinho de seus pais lhes dizendo: que bom que você chegou em casa, como foi na
escola hoje? Você me parece preocupado, aconteceu alguma coisa?"
O parágrafo acima foi copiado do texto de Ilka
Dantas publicado na postagem anterior. O parágrafo abaixo foi copiado de uma
reportagem de Clarissa Thomé e Heloisa Aruth Sturm publicada na edição de 2 de
outubro de 2012 do jornal O Estado de S.
Paulo.
"Aluno cai do 5º andar
em colégio do Rio. A Polícia Civil do Rio abriu inquérito para investigar a queda
de um aluno de 12 anos do 5º andar do Colégio São Bento, um dos mais
tradicionais do País. (...) 'É cedo para afirmar o que houve. Vamos ouvir
também o serviço de psicologia para entender como era a personalidade da
criança, como se comportava.'"
E ainda na mesma linha, segue um parágrafo copiado do artigo de
Lee Siegel (traduzido por Celso Paciornik) intitulado A face oculta do novo,
publicado na edição de 9 de junho de 2013 do jornal O Estado de S. Paulo que foi apresentado em uma postagem homônima
publicada neste blog em 3 de julho de 2013.
"A notícia causou frisson na minha cidade suburbana
ao lado de Nova York. Um rapaz de 17 anos, a poucas semanas de concluir o
ensino secundário, parou diante de um trem de subúrbio em movimento. Teve morte
instantânea. Como sempre ocorre quando se noticia um suicídio, a questão de por
que ele o fez torturou familiares e amigos do jovem. Atormentou estranhos,
também, porque o suicídio é o mais íntimo dos tipos de violência. Ele nos faz
perguntar não somente por que determinada pessoa o cometeu, mas por que alguém
o faria, confrontando-nos assim com o aspecto mais despojado da existência."
Dito isto, recorrendo mais uma vez as palavras
de Ilka Dantas apresentadas no 4º parágrafo desta postagem, repito aqui as
seguintes indagações: Por quê? Ela tinha apenas quinze anos. Que problemas
uma menina de quinze anos pode ter? O que faltou? E para responder a última
indagação recorro a uma célebre frase de Robert Kennedy, pronunciada há mais de
40 anos: "Os jovens têm tudo, só lhes falta o essencial". E falar em
essencial me faz lembrar uma famosa frase de Antoine de Saint-Exupéry: "É
apenas com o coração que se pode ver direito; o essencial é invisível aos
olhos". E é aqui que mora um grande problema, pois em uma sociedade onde a
maioria de seus integrantes interessa-se apenas por si próprio são relativamente
poucos os que vêem a vida com o coração e, consequentemente, também são
relativamente poucos os que vêem direito.
E de lembrança em lembrança, o método das
recordações sucessivas leva-me a mais uma frase de Antoine de Saint-Exupéry:
"Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. Pena que sejam poucas as
que se lembram disso". E entre essas poucas está o pai de Alfredo Diez.
Diez é autor de um excelente livro intitulado "Líder interior - A
inteligência e o coaching aplicados a sua vida". Livro no qual ele narra um
episódio envolvendo seu pai, ele e seu irmão, e que é reproduzido a seguir.
"Um dia, quando eu tinha 12 anos e o meu irmão Alberto, nove, nosso pai nos prometeu que nos levaria ao circo que havia chegado na cidade por aqueles dias. Porém, na hora do almoço, o telefone tocou. Um assunto urgente o chamava. Já estávamos preparados para a decepção quando o escutamos dizer: 'Não, não vou. Esse assunto terá que esperar'. Quando voltou à mesa, minha mãe sorriu.- O circo vem com bastante frequência, sabe?E o meu pai respondeu:Eu sei. Mas o mesmo não acontece com a infância.Lembro-me daquilo, apesar do passar dos anos, pelo impacto que causou em mim a atitude do meu pai. Ele soube distinguir entre o importante e o trivial da vida e, com sua atitude, deu-nos uma clara e grande lição."
Vocês concordam com a inclusão do pai de
Alfredo Diez no conjunto das pessoas
grandes que se lembram de um dia ter sido criança?
E para terminar esta já longa postagem, recorro
à frase de Adélia Prado que durante a semana passada esteve em cartaz como
citação da semana, neste blog. "Minha mãe achava o estudo a coisa mais
fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento."
Concordo com Adélia e creio que outro que concorda com ela seja o
extraordinário filósofo indiano Jiddu Krishnamurti. Em seu livro intitulado Diálogos
sobre a vida há uma passagem cujo título é: Sem bondade e amor não
existe educação.
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