terça-feira, 17 de setembro de 2013

Reflexões provocadas por "Sem bondade e amor não existe educação"

"Então, caíram-lhes bem as palavras de Krishnamurti ou ocorreu alguma reação parecida com a minha? A pretensão desta postagem é provocá-los a refletir sobre aquelas que, no meu entender, talvez sejam as palavras mais contundentes. Os grifos são meus.
"Eu desejo ser engenheiro famoso, superar todos os outros; assim, terei de trabalhar esforçadamente e tratar de conhecer as pessoas que me convêm; terei de planejar, calcular para o futuro. Tenho de abrir meu caminho pela vida.", diz o primeiro dos quatro participantes da conversa com Krishnamurti.
"Isso, exatamente. Cada um diz que tem de abrir caminho pela vida; cada um só quer cuidar de si, mas em nome dos negócios, da religião ou da pátria. Desejais tornar-vos famoso, e o mesmo deseja o vosso vizinho, e o vizinho dele; e a mesma coisa acontece com todo o mundo, do mais alto ao mais baixo. E assim se constrói uma sociedade baseada na ambição, na inveja, na aquisição, sociedade em que cada homem é inimigo dos demais; e estais sendo 'educado' para vos ajustardes a essa sociedade de desintegração, para vos adaptardes à sua viciosa estrutura.", responde Krishnamurti.
"Mas que podemos fazer?", perguntou o segundo. "Parece-me que temos de submeter-nos à sociedade, ou ser destruídos. Há alguma saída, senhor?"
"Sois atualmente 'educados' para vos ajustardes a esta sociedade; vossas capacidades são desenvolvidas para que sejais capazes de ganhar a vida dentro de seu padrão. Vossos pais, vossos educadores, vosso governo, dão toda a importância à vossa eficiência e segurança financeira, não é verdade?" (...) "O governo vos quer eficientes burocratas, para administrar o Estado, eficientes trabalhadores industriais, para preservar a economia, eficientes soldados para matar 'o inimigo', não é assim?", responde Krishnamurti.
"Parece que é isso o que o Governo quer. Mas nossos pais são mais bondosos; só cuidam de nosso bem-estar e querem que sejamos bons cidadãos.", diz o quarto participante da conversa com Krishnamurti.
"Exatamente; eles querem que sejais 'bons cidadãos', que sejais respeitavelmente ambiciosos, insaciavelmente gananciosos, e prontos a exercer essa crueldade socialmente aprovada que se chama 'concorrência', 'competição', e isso para que vós e eles vos conserveis em segurança. Eis o que constitui um 'bom cidadão'; mas isso é bom, ou é uma coisa muito má?", diz Krishnamurti.
Com o que foi dito até aqui, principalmente no parágrafo imediatamente acima, faço uma inter-relação com algo dito na recente postagem "Qual é o nosso papel?". Nela, Ilka Dantas diz que a atitude dos pais é investir, a palavra certa é esta, investir nos estudos de seus filhos. Será que tal investimento pode ser interpretado como uma preparação para que os filhos tornem-se vencedores nessa crueldade socialmente aprovada que se chama "concorrência", "competição"? Vivendo em uma sociedade onde há cada vez mais candidatos para cada emprego, em vez de atuar em prol da ampliação da oferta de oportunidades e, consequentemente, da melhoria desta sociedade onde predomina o cada um por si, o que fazem os pais?
"Consideram uma necessidade o filho ajustar-se à sociedade, ser respeitável, alcançar uma situação de segurança. A isso chamam 'amor'. Mas é amor? Ou é medo, encoberto pela palavra 'amor'"?, questiona Krishnamurti.
"Assim expresso, não sei o que diga", respondeu o terceiro.
"Há outra maneira de exprimi-lo? O que acabo de dizer poderá ser desagradável, mas é um fato. A suposta educação que evidentemente estais recebendo agora não vos ajudará a enfrentar o vasto complexo da vida; estais indo ao seu encontro despreparados, e sereis por ela tragado", diz Krishnamurti.
"Mas quem vai educar-nos para compreender a vida? Não temos tais instrutores, senhor.", acrescenta o terceiro.
O educador também tem de ser educado. Os mais velhos vos dizem que a vós – a nova geração – cabe criar um mundo diferente, mas a intenção deles não é esta, absolutamente. Pelo contrário, com muita reflexão e cuidado se põem a "educar-vos" para ajustar-vos ao velho padrão, com certas modificações. Embora usem palavras muito diferentes, mestres e pais, apoiados pelo governo e a sociedade, estão cuidando de treinar-vos para vos ajustardes à tradição, para aceitardes a ambição e a inveja como a norma natural da vida. Pouco lhes importa uma nova norma de vida, e por essa razão é que o próprio educador não está sendo corretamente educado. A velha geração criou este mundo belicoso, este mundo de antagonismos e divisão entre os homens; e a nova geração está lhe seguindo as pegadas muito diligentemente.
"Mas desejamos ser corretamente educados, senhor. Que devemos fazer?", pergunta o terceiro.
"Em primeiro lugar, vede bem claramente um fato muito simples: que nem o governo, nem vossos atuais mestres, nem vossos pais, se importam com educar-vos corretamente; se se importassem, este mundo seria muito diferente e não haveria guerras. Portanto se desejais ser educados corretamente, vós mesmos tendes de cuidar disso; e, depois de crescerdes, cuidareis de que vossos filhos sejam corretamente educados.
A riqueza de ideias presente no texto de Krishnamurti fez com que esta postagem do tipo "Reflexões provocadas por ..." ficasse repleta de trechos do texto fonte e que até aqui apenas uma das costumeiras inter-relações com outras ideias tenha sido apresentada. Porém, ela não terminará assim e inter-relações com os parágrafos finais do texto de Krishnamurti ainda serão apresentadas.
A primeira é entre a sugestão de Krishnamurti para vermos bem claramente um fato muito simples: que nem o governo, nem vossos atuais mestres, nem vossos pais, se importam com educar-vos corretamente; se se importassem, este mundo seria muito diferente e não haveria guerras. Portanto se desejais ser educados corretamente, vós mesmos tendes de cuidar disso; e, depois de crescerdes, cuidareis de que vossos filhos sejam corretamente educados. Tais palavras me fazem lembrar a seguinte afirmação atribuída a Edward Gibbon: "O homem recebe duas classes de educação. Uma que lhe dão os demais; outra a mais importante, que ele dá a si mesmo". Tudo a ver com as palavras de Krishnamurti, não? E ainda na mesma linha, gosto muito da seguinte afirmação de Alex Periscinoto: "Mais vale o que se aprende que o que te ensinam"
A segunda é entre é entre a mesma sugestão de Krishnamurti citada no parágrafo acima e a afirmação de Laurence G. Boldt que está em cartaz aqui no blog, como Citação da Semana: "A tarefa de criar um mundo melhor não começa com os programas de governo ou com movimentos revolucionários; mas com os pensamentos, sentimentos e ações de cada um de nós".
Dito isto, seguem as frases finais do texto de Krishnamurti que, no meu entender, vale a pena ler de novo. Para vos educardes corretamente, deveis compreender a vós mesmos; deveis continuar sempre aprendendo alguma coisa a vosso respeito. Epa! Mais uma inter-relação! Desta vez entre Krishnamurti e um antigo Oráculo. "Conhece-te a ti mesmo" é a inscrição que se via na entrada do Oráculo de Delfos. Será que algum dia a incorporaremos à nossa vida? Seria muito bom se o fizéssemos, pois se pararmos de aprender, a vida se torna feia e aflitiva. "Sem bondade e amor não há educação correta."

Um comentário:

Lucimila disse...

Expetacular! suas ideias sempre edificam minha vida!