sexta-feira, 14 de maio de 2021

Reflexões provocadas por "O silêncio é o irmão do divino"

"Do mesmo modo que o ar limpo possibilita a respiração, o silêncio possibilita o pensamento."

  (Matthew B. Crawford)
"Uma das razões pelas quais tantas pessoas estão sofrendo de estresse não é porque estejam fazendo coisas estressantes, mas porque concedem tão pouco tempo ao silêncio."
Eis uma afirmação de John O'Donohue que deveria dar o que pensar aos estressados integrantes desta ruidosa civilização (sic). Ou seja, as coisas estressantes que fazemos são estressores de segundo grau decorrentes do estressor primário que é o pouco (ou nenhum) tempo concedido ao silêncio.
"Todos os problemas da humanidade decorrem da incapacidade humana de se sentar em um quarto sozinho e em silêncio", disse o filósofo e matemático francês Blaise Pascal em meados do século 17.
Eis uma afirmação que a velha prática das recordações sucessivas trouxe-me à mente ao ler a passagem do texto de John O'Donohue reproduzida no próximo parágrafo.
"Um certo irmão foi até o abade Moses em Scete, em busca de uma palavra sua. E o velho disse-lhe: 'Vai e senta-te na tua cela, e a tua cela ensinar-te-á todas as coisas.'". No mundo celta, sempre houve o reconhecimento do silêncio e do desconhecido como as companhias mais próximas da viagem humana.
A afirmação de Pascal foi feita em meados do século 17, a do abade Moses não sei quando foi feita, mas algo que sei é que as duas têm muito a ver. Alguém discorda?
"O silêncio é uma das grandes vítimas da cultura moderna. Vivemos em uma época intensa e visualmente agressiva. Tudo é atraído para fora, em direção à sensação da imagem. (...) Existe uma indústria moderna de desarticulação, inacreditavelmente sutil e poderosamente astuta, onde o que é profundo e vive no silêncio dentro de nós é completamente ignorado."
"Na cultura moderna, a conversa é uma das vítimas. Em geral, quando se fala com as pessoas, tudo o que se ouve é uma narrativa superficial ou uma lista de novidades terapêuticas."
Eis mais duas passagens do texto de John O'Donohue que deveriam nos dar o que pensar. O silêncio e a conversa, eis duas grandes vítimas da cultura moderna. Até porque a primeira vitimização implica na segunda. Será que é difícil entender que conversar é algo que envolve falar e escutar? Será que é difícil entender que sem o silêncio de um dos interlocutores é impossível, realmente, escutar o que o outro fala? Será que é difícil entender que sem escuta é, simplesmente, impossível haver uma verdadeira conversa? O pior é que conversar é uma necessidade como é explicado na postagem de 31 de maio de 2011.
Ao ler que - "Em geral, quando se fala com as pessoas, tudo o que se ouve é uma narrativa superficial ou uma lista de novidades terapêuticas." – a velha prática das recordações sucessivas foi novamente acionada e trouxe-me à mente algo compartilhado pelo ex-colega de empresa e eterno amigo Rodrigo Leão, em um comentário sobre a postagem A fábula do gato vegetariano, enviado por e-mail.
"Falando nisso li este trecho do Alex Castro e achei interessante compartilhar aqui.
'Hoje em dia, temos mil amigos no Facebook e vinte amigos de bar, com quem só falamos de trivialidades, futebol & sexo, política & fofocas — pois qualquer menção a intimidades profundas é imediatamente ridicularizada.
Por isso, às vezes passamos meses, anos, a vida inteira, sem nunca ouvir ninguém de forma intensa e concentrada, sem nunca ter realmente acesso à subjetividade de qualquer outra pessoa.'"
"Passar meses, anos, a vida inteira, sem nunca ouvir ninguém de forma intensa e concentrada, sem nunca ter realmente acesso à subjetividade de qualquer outra pessoa.". Será que isso pode ser interpretado como sem nunca ter realmente conversado com alguém?
E para encerrar estas reflexões provocadas por "O silêncio é o irmão do divino" segue uma passagem do texto de John O'Donohue que merece ser lida e relida, pois ela estabelece uma relação entre o silêncio e algo imprescindível a uma proveitosa caminhada por esse percurso que a gente chama de vida: a amizade.
"Uma das tarefas da verdadeira amizade é prestar atenção compassiva e criativamente aos silêncios ocultos. Frequentemente, os segredos não se revelam em palavras, eles se acham escondidos no silêncio entre as palavras, ou na profundidade do que é indizível entre duas pessoas. Na vida moderna existe um imenso ímpeto para a expressão. Às vezes, o que é expresso é superficial e imensamente repetitivo. É conveniente uma tolerância maior para com o silêncio, esse silêncio fecundo que é a fonte da nossa linguagem mais vibrante. A profundidade e a substância de uma amizade espelham-se na qualidade e no abrigo do silêncio entre duas pessoas."

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