segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Premiações individuais (I)

  "Ninguém é excepcional o bastante para fazer sozinho o que deve ser feito em equipe."
  (Bernardinho, em seu livro Transformando suor em ouro)
"Mas, com o tempo, a gente percebeu que o trabalho da equipe era muito bem feito, o que passou muita segurança para nós", disse Alice de Paula Baer, 23, aluna do 5º ano de Medicina, em seu relato apresentado na reportagem de Leandro Machado intitulada "Li a carta de despedida do filho para a mãe': os relatos dos alunos de Medicina que cuidaram de pacientes terminais de covid-19", encontrável, até o momento da publicação desta postagem, em https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/01/24/li-a-carta-de-despedida-do-filho-para-a-mae-os-relatos-dos-alunos-de-medicina-que-cuidaram-de-pacientes-terminais-de-covid-19.ghtml.
"Sim, 'perceber que o trabalho da equipe é muito bem feito, sempre passará muita segurança para os integrantes da equipe'. Perceber que a maior parte dos trabalhos que se faz na vida requer a participação de uma equipe, eis um aprendizado imprescindível. Até porque a própria vida é um trabalho em equipe.", disse eu na postagem anterior onde destaquei alguns relatos apresentados na referida reportagem.
Diante do que é dito acima, será que faz algum sentido a usual prática de Escolhas e premiações de destaques individuais? Minha resposta a tal indagação começa com o relato de algumas situações em que me vi envolvido com essa prática durante o longo período em que atuei no teatro corporativo.
Em janeiro de 2006, após 31 anos de atuação como analista de sistemas de informações que me propiciaram o entendimento de que para obter êxito em tal atividade é imprescindível realizar um bom trabalho em equipe, fui surpreendido por uma sinistra "invenção" na área em que atuava. Em uma empresa que, com o título "DE" (Desenvolvimento de Equipes), realizava encontros de funcionários com a intenção de desenvolver o espírito de equipe, algum iluminado teve a infeliz ideia de "inventar" algo denominado Escolha de destaques individuais da TI, onde TI significava área de Tecnologia da Informação. Ou seja, a tal da espécie inteligente do universo é pródiga em contradições! Diante da sinistra "invenção", enviei ao chefe do setor em que estava lotado um e-mail com o seguinte texto:
"Não vejo sentido em escolher destaques individuais quando o êxito depende da capacidade de trabalhar em equipe. É este o nosso caso. Em TI, como na maior parte de tudo que se faz na vida, poucas são as atividades cujo êxito depende apenas da pessoa que a pratica. A vida é um trabalho em equipe."
"Por uma questão de princípios sou contra qualquer coisa que prejudique o desenvolvimento do espírito de equipe e participar de algo que incentive a escolha de destaques individuais vai contra tais princípios. Por este motivo, solicito que me dispense de participar da reunião com essa finalidade."
E-mail que provocou a seguinte resposta:
"A reunião foi marcada pelos próprios empregados, pois o processo de escolha do destaque individual não será conduzido pelos gerentes. Seria interessante você responder à convocação da reunião manifestando a sua posição para os demais empregados, para que eles avaliem suas colocações e discutam o encaminhamento adequado."
Aceitando a sugestão do chefe, enviei para os demais empregados do setor um e-mail com o seguinte texto:
"Enviei para o chefe o e-mail anexado no final deste com a finalidade de explicar a solicitação de dispensa de tal reunião."
"Conforme sugestão do chefe estou repassando a vocês a minha opinião sobre o assunto em questão."
  A única resposta que recebi tem o seguinte conteúdo:
"Endosso a posição do Guedes."
"O futuro de premiações individuais é a desagregação de qualquer equipe, a longo prazo."
Não participei da reunião para realizar a escolha do destaque individual do setor em que trabalhava, não soube quem foi o escolhido, pois não me interessava saber, porém, alguns meses depois (não lembro quantos), durante uma conversa com uma colega que participara da reunião ela disse-me algo mais ou menos assim: Pela sua opinião sobre a escolha de destaques individuais, você quase foi o escolhido como o destaque do nosso setor. Só não foi, porque, alegando que só poderia ser escolhido alguém que tivesse participado da reunião de escolha, o chefe impediu que você fosse o escolhido. Se o motivo alegado pelo chefe era uma regra já existente ou teria sido repentinamente criada por ele para evitar o vexame de premiar alguém que discordava da sinistra premiação era mais uma coisa que não me interessava saber.
O ano passou e em janeiro de 2007 lá estava eu diante de um novo convite para participar da reunião de escolha do destaque individual do setor e, consequentemente, da necessidade de enviar mais um e-mail para o chefe. Um e-mail onde repeti o que dissera no ano anterior e acrescentei a informação que conseguira a opinião de alguém de peso para reforçar minha opinião sobre a sinistra prática. O acréscimo feito ao e-mail do ano anterior é reproduzido a seguir.
Este ano consegui alguém de peso para reforçar a minha opinião. Trata-se de Bernardinho, o técnico da seleção brasileira masculina de voleibol, que em 21 torneios disputados, incluindo Liga Mundial e Olimpíadas, apresenta os seguintes números:
17 títulos;
3 vice-campeonatos;
1 terceiro lugar.
Dá pra discutir?
Ele publicou um livro intitulado "Transformando suor em ouro" do qual retirei os seguintes trechos:
....ninguém é excepcional o bastante para fazer sozinho o que deve ser feito em equipe.
(página 93)
"Enquanto o sucesso é um conceito muito pessoal, de múltiplas definições, a excelência significa realizar da melhor maneira possível aquilo que se pretende". Para que essa busca seja bem sucedida é preciso, antes de tudo, saber trabalhar em equipe. Trata-se de uma verdade que vale tanto para o mundo esportivo quanto para o corporativo. Posso assegurar que o voleibol é um dos esportes em que o sentido coletivo está mais presente. Nele, a única ação que se faz isoladamente é o saque. Todas as outras resultam de interações entre duas ou mais pessoas.
Pensando nesse caráter coletivista, não concordo com a Federação Internacional e sua política de instituir prêmios individuais. Meu argumento é simples: como posso ter o melhor atacante sem o melhor levantador? De que serve o melhor levantador sem um bom passador? Como posso ter o melhor time sem a soma desses talentos e sem as lideranças que os façam atuar juntos, integrados, uns em função dos outros?
Da mesma maneira, nas empresas surge a questão: por que premiar apenas o melhor vendedor? A lógica é a mesma do vôlei: as pessoas da área comercial atuam como atacantes, pois são elas que concluem a venda e fecham os contratos. Mas como marcar esse ponto sem a preparação efetuada pelos outros jogadores – sem uma boa levantada ou mesmo uma boa recepção? A resposta é simples: não dá. São as áreas de produção, de marketing, de logística e de administração, entre outras, que preparam a jogada para que a área comercial possa finalizar a venda.
(páginas 111, 112)
A Federação Internacional comunicara os valores dos prêmios em dinheiro para os destaques individuais, que muitos consideram um estímulo para que o jogador brilhe, mas eu entendo como um incentivo à vaidade, ao ego, podendo até criar desequilíbrio dentro do grupo.
(pagina 129).
Diante destes argumentos solicito que você consiga que eu seja dispensado de ter que aceitar o convite para participar de tal evento.
Termina na próxima segunda-feira

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