Para evitar novas infecções, as visitas presenciais foram proibidas. Na enfermaria do HC, uma das tarefas dos estudantes era acompanhar visitas virtuais do paciente com as famílias do lado de fora. Por isso, em muitos casos, os alunos assistiram aos últimos encontros entre familiares e pacientes que morreriam logo depois.", relata Leandro Machado, autor da excelente reportagem publicada originalmente pela BBC News Brasil.
Ou seja, nesta
civilização (sic) em que a fragilização dos relacionamentos pessoais já havia
dado margem a que tais relacionamentos passassem a ser desfeitos por intermédio
de simples mensagens SMS, a fragilidade imunológica diante de uma pandemia veio
dar margem a que despedidas finais de familiares passassem a ser intermediadas
por profissionais da área de saúde (seria
mais correto usar a expressão área de doença?).
Feito este
preâmbulo, seguem alguns relatos instigantes feitos pelos intermediários
citados na reportagem de Leandro Machado. Relatos que, no meu entender, deveriam
provocar reflexões em quem leu a reportagem. A apresentação dos relatos foi
reunida por intermediário e começa com Gabrielle Cordeiro Trofa.
Gabrielle Cordeiro Trofa, de 24 anos,
aluna do 5º ano de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
"Inicialmente, os estudantes iriam participar de um projeto de comunicação com os pacientes de covid-19 por meio de robôs. (...) Porém, a rede de wi-fi não funcionou bem em todos os pontos e os robôs ficaram em segundo plano. Foi então que o grupo de estudantes precisou participar mais ativamente da rotina da enfermaria. "Começamos a aprender práticas de cuidados paliativos. Muitos de nós descobriram esses procedimentos ali mesmo, pois esse assunto não é tratado na faculdade".
E os robôs ficaram
em segundo plano. Ou seja, embora sejam de extrema utilidade, os robôs ficaram no
plano em que devem ficar. Afinal, quando se trata de relacionamentos humanos,
no meu entender, o protagonismo deverá caber sempre a seres humanos. Sim, há muitos
assuntos importantes que não são tratados em faculdade alguma e com os quais é
preciso aprender a lidar conforme eles forem surgindo durante a vida.
"Convivemos com a morte diariamente. Foi uma experiência muito intensa e impactante. Vivemos momentos que vamos nos lembrar para o resto da vida. Também foi um período muito importante para nossa formação como profissionais de saúde".
Conviver com a
morte e viver momentos para lembrar para o resto da vida! Realmente, deve ter
sido uma experiência muito intensa e impactante!
"Uma paciente com graves sintomas de covid-19, uma mulher de 50 anos, não podia receber visitas do filho adolescente na enfermaria de cuidados paliativos. Havia reuniões virtuais, quando o jovem poderia ver a mãe, mas ele temia esse encontro. Quando o estado dela piorou, o rapaz enviou uma carta de despedida.""Eu li a carta para ela, e foi bastante difícil para mim também. Foi muito triste. Ele se despedia da mãe, dizia o quanto ela era importante e pedia desculpas por coisas que ele tinha feito. Ela estava de olhos fechados, mas, quando terminei de ler, ela abriu os olhos. Foi um daqueles momentos que a gente não consegue explicar".
"Havia
reuniões virtuais, quando o jovem poderia ver a mãe, mas ele temia esse
encontro.", diz Gabrielle. Temor que atribuo ao despreparo para lidar com
a única certeza que há nesta vida: que todos morrerão. Temor que associo a algo
dito na postagem A ilusão da imortalidade
e reproduzido a seguir.
"É aí
que ele surge. O sentimento mais
comum nesse vazio deixado por quem vai embora: o arrependimento. Por não ter
feito isto ou aquilo. Por não ter valorizado. Por não ter agradecido. Por não
ter estado lá. Por não ter tentado."
Mas o arrependimento também pode ser por ter feito isto ou aquilo.
Reparem que, na carta para a mãe, o filho pede desculpas por coisas que ele
tinha feito. Sim, há momentos na vida que a gente não consegue explicar, embora
haja quem consiga explicá-los.
"Esses momentos marcaram minha experiência. 'Um dos casos era de um senhor idoso, já inconsciente. Todos os dias, a gente levava o celular pra perto e a esposa dele cantava uma música religiosa para ele. Foi um processo muito bonito, apesar da piora progressiva dele. Não eram momentos de despedida, mas de amor, de agradecimento'".
Transformar momentos de despedida em momentos
de amor, de agradecimento, eis algo que poucas pessoas sabem fazer.
"Os profissionais de saúde precisam saber quando podem usar os cuidados paliativos, como se comunicar com os pacientes, como dar uma notícia ruim para a família. Saber reconhecer quando o processo de morte é inevitável e que prolongar o tratamento só vai gerar mais sofrimento. O papel do médico é evitar justamente o sofrimento".
Saber
reconhecer quando o processo de morte é inevitável e que prolongar o tratamento
vai gerar não só mais sofrimento, mas também mais endividamento, pois,
infelizmente, há na medicina um lado sombrio cujo único interesse está no
aspecto financeiro como evidencia, por exemplo, uma "pérola"
apresentada a partir do final do 18º minuto do episódio do programa GREG NEWS intitulado Desvio
na Saúde (https://www.youtube.com/watch?v=B2XqF3aWobA&t=1s), exibido em 29 de maio de 2020.
"Os hospitais estão quase quebrando
porque eles perderam no seu movimento normal as cirurgias eletivas, aquelas que
não são emergenciais, os acidentes de trânsito caíram muito, também eram um
motivo de faturamento dos hospitais e a covid não está ocupando na maioria do
país os leitos. Então, nós estamos ainda quebrando todo o nosso sistema
hospitalar financeiramente porque eles não podem fazer o seu trabalho normal e
também não tem clientes covid em todo o país pra ocupar os leitos."
Que mundo é esse em que há quem lamente a
queda na quantidade de acidentes de trânsito porque eles são um motivo de
faturamento dos hospitais!? Quem é o deplorável lamentador? Ricardo Barros. Quem
é ele? Segundo a Wikipédia, é um engenheiro civil, empresário e político
brasileiro que foi ministro da saúde no governo Temer, está no sexto mandato
consecutivo como deputado federal e é líder do governo na Câmara.
E ao questionar que mundo é esse em que o faturamento
dos hospitais é colocado acima da vida, eu lembro a aqui a seguinte afirmação de
Nuccio Ordine, feita em 2014: "Reduzir o valor da vida ao dinheiro mata
toda possibilidade de idealizar um mundo melhor."
Intitulada Partir com elegância, a postagem publicada em 02 de novembro de
2018 focaliza o assunto processo de morte inevitável e prolongamento do
sofrimento.
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Termina
na próxima quarta-feira
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