"Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem."
(Zygmunt Bauman [1925 - 2017], sociólogo e filósofo polonês)
Significado
de prático
Que tem o senso da realidade; que sabe tratar de negócios; pragmático: ter espírito prático.
De aplicação ou de uso fácil; cômodo: instrumento prático.
A finalidade do momento dicionário apresentado acima é
auxiliar na interpretação da entrevista concedida pelo filósofo Mario Sergio
Cortella à jornalista Silvia Balieiro, publicada na edição de dezembro de 2012
da revista Época Negócios. Por
considerá-la bastante atual, embora oito anos tenham transcorrido após sua
publicação, resolvi espalhá-la por meio deste blog. Até a publicação desta
postagem, ela estava disponível em http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2012/12/mario-sergio-cortella.html.
"O
pensamento prático escraviza"
O filósofo
Mario Sergio Cortella é um admirador de dicionários. Em um dos nichos da
estante atrás de sua mesa, há 18. Lê-los é um hobby, diz. Isso fica evidente em
poucos minutos de conversa: a origem das palavras o ajuda a expor suas ideias,
da robotização à felicidade, da necessidade de escutar aos problemas da
geração. Para falar de seu trabalho, por exemplo, ele cita a noção grega da
palavra obra, que é poiesis, de onde vem poesia, ou seja, o que se elabora. "Meu
trabalho é minha obra."
Que contribuição a filosofia
pode dar para as empresas?
"A
filosofia oferece um pensamento estruturante que ajuda a perguntar pelo sentido,
ajuda a ultrapassar o óbvio. Ela é capaz de enfrentar o que parece evidente,
colocar ponto de interrogação onde ele não está mais. Não pode ter só a
filosofia, porque senão perde o mundo prático. Mas o mundo prático sem a
indagação automatiza e robotiza. Robota, em sérvio, significa escravo.
Pensamento prático e contínuo escraviza o pensador. É preciso um pensamento que
indague.
A vida moderna dificulta a
filosofia?
Estamos
vivendo uma laborlatria [idolatria do trabalho] que é muito perigosa. É usar o
emprego como referência para todas as coisas. As pessoas dizem que não têm
tempo para fazer o que não está relacionado ao trabalho. Tempo é uma questão de
prioridade. Você já viu um infartado que não tem tempo? O médico manda
caminhar, conviver mais, mas ele diz que não tem tempo? Basta sobreviver a um
infarto para passar a conseguir. O tempo não mudou, o que mudou foi a
prioridade.
As pessoas estão
insatisfeitas?
Estar
feliz não é ganhar muito. Fico feliz com o que faço quando entendo que é
importante para mim e para os outros e tem reconhecimento das pessoas com as
quais trabalho. Hoje a obsessão está nos fazendo correr atrás somente do
urgente e deixar o importante de lado. A luz está piscando. Pare, olhe, escute.
É importante ter humildade para aprender o que não se sabe e, como dizia Rubem
Alves, não ficar muito grudado em curso de oratória, pegar alguns cursos de
escutatória também. A gente aprende muito ouvindo.
Faz diferença gostar do que
se faz?
Faço uma
distinção entre trabalho e emprego. Emprego é fonte de renda e trabalho é fonte
de vida. Meu trabalho é minha obra. A noção grega de obra é poiesis. De onde
vem poesia, que é o que você elabora. Eu gosto dessa ideia. Tanto que não há
estresse no meu trabalho, só cansaço. Cansaço resulta de um esforço intenso e
estresse resulta de um esforço para o qual você não vê sentido. Cansaço se cura
descansando. Estresse só se cura se houver mudança de rota. Você está cansado
quando na segunda-feira, ao acordar, quer dormir mais um pouco. Estressado você
está se não quiser nem levantar. É quando você fala 'liga lá e diz que eu morri'.
O senhor se considera um
workaholic?
Seria um
absurdo eu falar sobre trabalho e qualidade de vida e ser um workaholic. O que
eu não posso é tirar 30 dias de férias. Mas eu sei que no ano que vem eu vou
parar sete dias a cada 21. E isso já está programado. Eu sou metódico e tenho
noção daquilo que preciso fazer. Eu organizo a minha semana até para o taxista
que trabalha comigo.
O senhor não dirige?
Quando
tinha 17 anos, tomei duas decisões: vou tomar vinho de vez em quando e para
isso eu não posso dirigir. Ser metódico não é ser neurótico. É ser organizado.
Eu não dirijo. Eu ando de ônibus, de metrô, de táxi ou a pé. E quando eu estou
andando a pé eu falo comigo mesmo, porque vou tendo ideias e vou gravando.
O senhor anda com gravador?
Gravo no
celular. O livro Qual É a Tua Obra? foi falado inteirinho. Ele só foi escrito
depois.
O fato de ver seus livros na
prateleira de autoajuda o incomoda?
Eu escrevo
livros de autoajuda. Toda filosofia é autoajuda. O que mudou não foi o conceito
de filosofia. O que mudou foi o conceito de autoajuda. Hoje se entende a
autoajuda como a banalização da conduta do cotidiano. Mas você tem coisas de
alto nível. Há textos religiosos, filosóficos, de literatura, que fazem um bem
imenso. E há textos de autoajuda de má qualidade, como tem filosofia de má
qualidade.
Como estão os jovens de hoje?
O
[consultor] Pedro Mandelli, com quem eu escrevi o livro Vida e Carreira, diz
que o jovem da geração Y está chegando mal-educado às empresas. Não tem noção
de hierarquia, não tem compromisso com metas e acha que o gestor é o pai dele,
ou seja, tem de fazer as coisas por ele. Não é uma questão de maldade. Ele é
formado por famílias que estão criando personalidades frouxas, que não
valorizam o esforço. Esforço não é sofrimento. É a capacidade de depositar
energia vital em algo. Parte das famílias ainda facilita as coisas para os
filhos e assim, em vez de ajudar, prejudica.
O que fazer com esse jovem?
As
empresas terão de educar a geração Y. Terão de ensinar a respeitar hierarquia,
e mostrar que o esforço é necessário. Terão de mostrar o que é trabalhar com
metas. Ou seja, criar disciplina. Outro desafio é entender que mudou a relação
com o tempo. A adolescência foi alongada. A minha geração trabalhava com o
patamar 20-40-60. O tempo médio de vida era de 60 anos. Aos 20 anos a pessoa
tinha de estar pronta. Dos 20 aos 40 trabalhava e reproduzia. A partir dos 40
começava a se acalmar para se aposentar. Por isso a vida começava aos 40. Hoje
um cara de 30 anos viveu um terço da vida. O senso de urgência dele é muito
menor. Por outro lado, ele tem mais pressa de crescer. Senso de urgência é
habilidade. Pressa é inabilidade. Senso de urgência é a capacidade de saber que
isso tem de ser feito já. Fazer velozmente é perícia. Apressadamente é ruim.
Significa fazer mal.
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A mim essa antiga entrevista do
filósofo Mario Sergio Cortella ainda dá o que pensar.
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