"A desesperança não é o oposto de
esperança: o oposto da esperança é o medo. A desesperança é livre de medo e
bastante libertadora"
(Margaret Wheatley, escritora e consultora na área de comportamento organizacional, teoria
da mudança e teoria do caos)
Além da Esperança ou do Medo, eis o
título de um dos textos de um livro de Margaret
J. Wheatley publicado pela editora Cultrix em 2007 sob o título "Liderança para Tempos de Incerteza – A
Descoberta de um Novo Caminho". Texto que enviei para a minha lista
de e-mails em 2010 (antes da criação deste blog) e que sempre tive em mente
espalhar por este blog. Transcorrida uma década sem que o espalhamento tivesse acontecido,
eis que uma ocorrência da afirmação de Joseph Climber de que a vida é uma
caixinha de surpresas levou-me
a quase conseguir espalhar o referido texto, e eu explico.
Abrindo
a edição de MAI / JUN 2020 da revista Sophia, e nela encontrando na página 30 o instigante título emprestado a esta
postagem, vi, na página seguinte, que ele é atribuído a Margaret
Wheatley. Li o texto, e imediatamente reconheci trechos iguais ou muito
parecidos com o daquele texto lido no referido livro. Ou seja, a surpresa que a
vida me trouxe, dessa vez, foi colocar-me diante de uma versão revista daquele texto
que jamais esqueci. A afirmação de quase ter conseguido espalhar o texto lido
no livro (feita no final do parágrafo anterior) deve-se ao fato de ter optado pela
publicação do texto revisto.
Esperança na desesperança
"A desesperança
não é o oposto de esperança: o oposto da esperança é o medo. A desesperança é
livre de medo e bastante libertadora"
À medida que o
mundo mergulha cada vez mais na obscuridade, sinto-me compelida a pensar sobre
a esperança. Observo, enquanto o mundo e as pessoas perto de mim experimentam
mais dor e sofrimento, enquanto a agressão e a violência deslocam-se para todos
os relacionamentos, pessoais e globais, e como as decisões são tomadas a partir
da insegurança e do medo. Como é possível se sentir esperançoso, esperar um
futuro positivo?
Não faço essa
pergunta com tranquilidade. Estou lutando para compreender como eu poderia
contribuir para reverter essa descida ao medo e à dor, e o que eu poderia fazer
para restaurar a esperança no futuro. No passado era mais fácil acreditar em
minha própria eficácia: se eu trabalhasse muito, com bons colegas e boas
ideias, poderíamos fazer a diferença. Agora tenho minhas dúvidas. Contudo, sem
esperança de que meu trabalho produzirá resultados, como posso continuar? Se eu
não confio em que minha visão possa se tornar realidade, onde encontrarei a
força para perseverar?
Para responder
a essas perguntas, consultei algumas pessoas que passaram por tempos difíceis.
Elas me conduziram a novos questionamentos, numa viagem que tirou o foco da ideia
de esperança e me levou a pensar sobre o conceito de desesperança.
Minha viagem
começou com um pequeno livro intitulado The
Web of Hope (A Teia da Esperança), que lista os sinais de desespero e
esperança em relação aos problemas mais prementes da Terra. O principal entre estes
é a destruição ambiental que os seres humanos promovem. Contudo, a única coisa
que o livro lista como esperançosa é que a Terra trabalha para criar e manter as
condições que dão suporte à vida. Nós, seres humanos, seremos aniquilados
rapidamente se não mudarmos nossa maneira de agir. O biólogo E. O. Wilson
comenta que, com exceção dos animais de estimação e das plantas caseiras, todas
as outras espécies do planeta seriam beneficiadas se o ser humano fosse
extinto. O Dalai Lama tem afirmado a mesma coisa, em muitos ensinamentos
recentes.
Isso não me
fez sentir esperança. Mas, no mesmo livro, li uma citação de Rudolf Bahro que de
fato ajudou: "Quando as formas de uma velha cultura estão morrendo, uma
nova cultura é criada por algumas poucas pessoas que não têm medo de ser
inseguras". Poderia a insegurança - a dúvida de si próprio – ser um
dado importante? Acho difícil imaginar como eu poderia trabalhar para o futuro
sem me sentir estabelecida na crença de que minhas ações farão diferença. Mas
Bahro oferece uma nova perspectiva: a de que se sentir inseguro, mesmo sem
base, poderia realmente aumentar minha habilidade para permanecer no trabalho. Li
muita coisa a respeito de falta de base, especialmente no Budismo, e
experimentei muito disso recentemente. Não gostei, absolutamente. À medida que
minha cultura morre, será que eu poderia desistir de buscar uma base sobre a
qual me situar?
Vaclav Havel me
ajudou no sentido de me tornar mais atraída pela insegurança e o não saber. "A esperança", afirma ele, "é uma dimensão da alma, uma
orientação do espírito, uma orientação do coração. Transcende o mundo que é
imediatamente experimentado e está ancorada em algum lugar além do horizonte. Não
é a convicção de que algo vai sair bem, mas a certeza de que algo faz sentido, independentemente
do que ocorra".
"A esperança é
uma orientação do coração e está ancorada em algum lugar além do horizonte. Não
é a convicção de que algo vai sair bem, mas a certeza de que algo faz sentido,
independentemente do que ocorra".
Havel parece descrever
não a esperança, mas a desesperança: libertar-se dos resultados, desistir das
consequências, fazer o que se acha certo e não o que se acha eficaz. Ele me
ajudou a recordar um ensinamento budista: a desesperança não é o oposto de
esperança; o oposto da esperança é o medo. Esperança e medo são parceiros dos
quais não se consegue escapar. Em qualquer momento que esperamos por um certo
resultado, e trabalhamos para que ele aconteça, temos também o medo de falhar,
o medo da perda. A desesperança é livre de medo e bastante libertadora.
Ouvi outras
pessoas descreverem esse estado. Livres de fortes emoções, elas falam de um miraculoso
surgimento de clareza e energia.
O místico católico Thomas Merton também falou sobre a jornada
rumo à desesperança. Numa carta a um amigo, ele aconselhou "Não dependa da esperança dos resultados. Você pode ter que enfrentar o
fato de que seu trabalho será aparentemente inútil e até mesmo não obter
qualquer resultado, ou obter um resultado oposto ao que você espera. À medida
que você se acostumar com essa ideia, começará a focar cada vez menos nos
resultados, e cada vez mais no valor, na retidão e na verdade do trabalho em
si. Gradualmente você lutará cada vez menos por uma ideia e cada vez mais por
pessoas específicas. No final, é a realidade do relacionamento pessoal que
salva tudo."
Eu sei que
isso é verdade. Estive trabalhando com colegas no Zimbábue quando o país
mergulhou na violência e na inanição por causa das ações de um ditador. Contudo,
à medida que meus colegas e eu trocávamos e-mails e fazíamos visitas
ocasionais, aprendemos que a alegria ainda estava disponível, não a partir das
circunstâncias, mas dos nossos relacionamentos. Enquanto estivermos juntos,
enquanto sentirmos outras pessoas nos apoiando, nós podemos seguir em frente.
Alguns de meus
melhores instrutores a esse respeito foram jovens líderes. Uma jovem líder, com
vinte e poucos anos, disse: "O modo como vamos é importante, e não
aonde vamos. Eu quero ir acompanhada e com fé". Outra jovem disse: "Sinto que estamos de mãos dadas enquanto caminhamos para o interior de
bosques profundos e sombrios". Uma mulher do Zimbábue, num
momento muito difícil, escreveu: "Na minha dor eu me vi sendo amparada,
todos nós amparando uns aos outros nessa teia amorosa. Dor e amor no mesmo
lugar. Senti como se meu coração fosse explodir com todo aquele amparo".
"Uma jovem
líder, com vinte e poucos anos, disse: 'O modo como
vamos é importante, e não aonde vamos. Eu quero ir acompanhada e com fé'."
Thomas Merton
estava certo: somos consolados e fortalecidos quando estamos desesperançosos,
mas juntos. Não precisamos de resultados; precisamos uns dos outros.
A desesperança
me surpreendeu com a chegada da paciência. Quando abandono a busca da eficácia
e observo a minha ansiedade desvanecer, a paciência vem. Dois líderes
visionários, Moisés e Abrahão, levaram adiante promessas feitas pelo seu Deus,
mas tiveram que abandonar a esperança de ver essas promessas se cumprirem enquanto ainda
vivessem. Eles lideraram com fé, não com esperança, a partir de um
relacionamento com algo além de sua compreensão.
T. S. Eliot descreve
isto melhor do que ninguém, em Four
Quartets: "Eu disse à minha alma: fique calma, e espere sem
esperança / Pois a esperança seria esperança pela coisa errada; espere sem
amor, / Pois o amor seria amor pela coisa errada; ainda há fé / Mas a fé, o
amor e a esperança ainda estão todos à espera."
É assim que eu
quero viajar neste tempo de incerteza: sem base, sem esperança, insegura,
paciente, com clareza e acompanhada.
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Dá o que
pensar, não?! Principalmente para quem leu as duas versões do instigante texto
de Margaret Wheatley.
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