quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Esperança na desesperança

"A desesperança não é o oposto de esperança: o oposto da esperança é o medo. A desesperança é livre de medo e bastante libertadora"
(Margaret Wheatley, escritora e consultora na área de comportamento organizacional, teoria da mudança e teoria do caos)
Além da Esperança ou do Medo, eis o título de um dos textos de um livro de Margaret J. Wheatley publicado pela editora Cultrix em 2007 sob o título "Liderança para Tempos de Incerteza – A Descoberta de um Novo Caminho". Texto que enviei para a minha lista de e-mails em 2010 (antes da criação deste blog) e que sempre tive em mente espalhar por este blog. Transcorrida uma década sem que o espalhamento tivesse acontecido, eis que uma ocorrência da afirmação de Joseph Climber de que a vida é uma caixinha de surpresas levou-me a quase conseguir espalhar o referido texto, e eu explico.
Abrindo a edição de MAI / JUN 2020 da revista Sophia, e nela encontrando na página 30 o instigante título emprestado a esta postagem, vi, na página seguinte, que ele é atribuído a Margaret Wheatley. Li o texto, e imediatamente reconheci trechos iguais ou muito parecidos com o daquele texto lido no referido livro. Ou seja, a surpresa que a vida me trouxe, dessa vez, foi colocar-me diante de uma versão revista daquele texto que jamais esqueci. A afirmação de quase ter conseguido espalhar o texto lido no livro (feita no final do parágrafo anterior) deve-se ao fato de ter optado pela publicação do texto revisto.
Esperança na desesperança
"A desesperança não é o oposto de esperança: o oposto da esperança é o medo. A desesperança é livre de medo e bastante libertadora"
À medida que o mundo mergulha cada vez mais na obscuridade, sinto-me compelida a pensar sobre a esperança. Observo, enquanto o mundo e as pessoas perto de mim experimentam mais dor e sofrimento, enquanto a agressão e a violência deslocam-se para todos os relacionamentos, pessoais e globais, e como as decisões são tomadas a partir da insegurança e do medo. Como é possível se sentir esperançoso, esperar um futuro positivo?
Não faço essa pergunta com tranquilidade. Estou lutando para compreender como eu poderia contribuir para reverter essa descida ao medo e à dor, e o que eu poderia fazer para restaurar a esperança no futuro. No passado era mais fácil acreditar em minha própria eficácia: se eu trabalhasse muito, com bons colegas e boas ideias, poderíamos fazer a diferença. Agora tenho minhas dúvidas. Contudo, sem esperança de que meu trabalho produzirá resultados, como posso continuar? Se eu não confio em que minha visão possa se tornar realidade, onde encontrarei a força para perseverar?
Para responder a essas perguntas, consultei algumas pessoas que passaram por tempos difíceis. Elas me conduziram a novos questionamentos, numa viagem que tirou o foco da ideia de esperança e me levou a pensar sobre o conceito de desesperança.
Minha viagem começou com um pequeno livro intitulado The Web of Hope (A Teia da Esperança), que lista os sinais de desespero e esperança em relação aos problemas mais prementes da Terra. O principal entre estes é a destruição ambiental que os seres humanos promovem. Contudo, a única coisa que o livro lista como esperançosa é que a Terra trabalha para criar e manter as condições que dão suporte à vida. Nós, seres humanos, seremos aniquilados rapidamente se não mudarmos nossa maneira de agir. O biólogo E. O. Wilson comenta que, com exceção dos animais de estimação e das plantas caseiras, todas as outras espécies do planeta seriam beneficiadas se o ser humano fosse extinto. O Dalai Lama tem afirmado a mesma coisa, em muitos ensinamentos recentes.
Isso não me fez sentir esperança. Mas, no mesmo livro, li uma citação de Rudolf Bahro que de fato ajudou: "Quando as formas de uma velha cultura estão morrendo, uma nova cultura é criada por algumas poucas pessoas que não têm medo de ser inseguras". Poderia a insegurança - a dúvida de si próprio – ser um dado importante? Acho difícil imaginar como eu poderia trabalhar para o futuro sem me sentir estabelecida na crença de que minhas ações farão diferença. Mas Bahro oferece uma nova perspectiva: a de que se sentir inseguro, mesmo sem base, poderia realmente aumentar minha habilidade para permanecer no trabalho. Li muita coisa a respeito de falta de base, especialmente no Budismo, e experimentei muito disso recentemente. Não gostei, absolutamente. À medida que minha cultura morre, será que eu poderia desistir de buscar uma base sobre a qual me situar?
Vaclav Havel me ajudou no sentido de me tornar mais atraída pela insegurança e o não saber. "A esperança", afirma ele, "é uma dimensão da alma, uma orientação do espírito, uma orientação do coração. Transcende o mundo que é imediatamente experimentado e está ancorada em algum lugar além do horizonte. Não é a convicção de que algo vai sair bem, mas a certeza de que algo faz sentido, independentemente do que ocorra".
"A esperança é uma orientação do coração e está ancorada em algum lugar além do horizonte. Não é a convicção de que algo vai sair bem, mas a certeza de que algo faz sentido, independentemente do que ocorra".
Havel parece descrever não a esperança, mas a desesperança: libertar-se dos resultados, desistir das consequências, fazer o que se acha certo e não o que se acha eficaz. Ele me ajudou a recordar um ensinamento budista: a desesperança não é o oposto de esperança; o oposto da esperança é o medo. Esperança e medo são parceiros dos quais não se consegue escapar. Em qualquer momento que esperamos por um certo resultado, e trabalhamos para que ele aconteça, temos também o medo de falhar, o medo da perda. A desesperança é livre de medo e bastante libertadora.
Ouvi outras pessoas descreverem esse estado. Livres de fortes emoções, elas falam de um miraculoso surgimento de clareza e energia.
O místico católico Thomas Merton também falou sobre a jornada rumo à desesperança. Numa carta a um amigo, ele aconselhou "Não dependa da esperança dos resultados. Você pode ter que enfrentar o fato de que seu trabalho será aparentemente inútil e até mesmo não obter qualquer resultado, ou obter um resultado oposto ao que você espera. À medida que você se acostumar com essa ideia, começará a focar cada vez menos nos resultados, e cada vez mais no valor, na retidão e na verdade do trabalho em si. Gradualmente você lutará cada vez menos por uma ideia e cada vez mais por pessoas específicas. No final, é a realidade do relacionamento pessoal que salva tudo."
Eu sei que isso é verdade. Estive trabalhando com colegas no Zimbábue quando o país mergulhou na violência e na inanição por causa das ações de um ditador. Contudo, à medida que meus colegas e eu trocávamos e-mails e fazíamos visitas ocasionais, aprendemos que a alegria ainda estava disponível, não a partir das circunstâncias, mas dos nossos relacionamentos. Enquanto estivermos juntos, enquanto sentirmos outras pessoas nos apoiando, nós podemos seguir em frente.
Alguns de meus melhores instrutores a esse respeito foram jovens líderes. Uma jovem líder, com vinte e poucos anos, disse: "O modo como vamos é importante, e não aonde vamos. Eu quero ir acompanhada e com fé". Outra jovem disse: "Sinto que estamos de mãos dadas enquanto caminhamos para o interior de bosques profundos e sombrios". Uma mulher do Zimbábue, num momento muito difícil, escreveu: "Na minha dor eu me vi sendo amparada, todos nós amparando uns aos outros nessa teia amorosa. Dor e amor no mesmo lugar. Senti como se meu coração fosse explodir com todo aquele amparo".
"Uma jovem líder, com vinte e poucos anos, disse: 'O modo como vamos é importante, e não aonde vamos. Eu quero ir acompanhada e com fé'."
Thomas Merton estava certo: somos consolados e fortalecidos quando estamos desesperançosos, mas juntos. Não precisamos de resultados; precisamos uns dos outros.
A desesperança me surpreendeu com a chegada da paciência. Quando abandono a busca da eficácia e observo a minha ansiedade desvanecer, a paciência vem. Dois líderes visionários, Moisés e Abrahão, levaram adiante promessas feitas pelo seu Deus, mas tiveram que abandonar a esperança de ver essas promessas se cumprirem enquanto ainda vivessem. Eles lideraram com fé, não com esperança, a partir de um relacionamento com algo além de sua compreensão.
T. S. Eliot descreve isto melhor do que ninguém, em Four Quartets: "Eu disse à minha alma: fique calma, e espere sem esperança / Pois a esperança seria esperança pela coisa errada; espere sem amor, / Pois o amor seria amor pela coisa errada; ainda há fé / Mas a fé, o amor e a esperança ainda estão todos à espera."
É assim que eu quero viajar neste tempo de incerteza: sem base, sem esperança, insegura, paciente, com clareza e acompanhada.
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Dá o que pensar, não?! Principalmente para quem leu as duas versões do instigante texto de Margaret Wheatley.

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