quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Reflexões provocadas por "Romanos usavam redes sociais há dois mil anos, diz livro"

 "Para Standage, sua obra reflete que o ser humano, independentemente da época em que vive, nutre o desejo profundo de se conectar e compartilhar ideias e impressões com outras pessoas. 'Este desejo é construído nos nossos cérebros. A tecnologia vai e vem, mas a natureza humana continua a mesma'."

Por que "o ser humano, independentemente da época em que vive, nutre o desejo profundo de se conectar e compartilhar ideias e impressões com outras pessoas"? Porque, por nenhum indivíduo dispor de todas as faculdades, a natureza humana leva os indivíduos a buscarem a conexão com outras pessoas. Assim sendo, como diz Vimala Takar, "Viver é relacionar-se". O problema é que relacionar-se de forma harmoniosa é algo que o ser humano, até hoje, ainda não conseguiu aprender. Não aprendizado que talvez seja explicável por uma afirmação atribuída a Confúcio que a teria feito há cerca de 2500 anos, ou seja, antes mesmo do uso de redes sociais pelos romanos. Qual é a afirmação? "O que nos distingue de outras espécies é o inacabamento, a incompletude."

Inacabamento, incompletude que talvez expliquem o modo como a imensa maioria comporta-se nas redes sociais. Adotadas por uma espécie cujo desenvolvimento emocional é incompatível com o desenvolvimento tecnológico por elas atingido, o que se vê é algo paradoxal: o uso das redes sociais para a disseminação de algo extremamente antissocial: o ódio.

"Na obra Writing on the Wall – Social Media, The first 2.000 Years, Tom Standage afirma que redes sociais como o Facebook, Twitter e Tumblr podem ser as últimas encarnações de uma prática que começou por volta do ano 51 a.C, na Roma Antiga. Segundo ele, Marco Túlio Cícero, filósofo e político romano, teria sido, junto com outros membros da elite romana, precursor do uso de redes sociais. O autor relata como Cícero usava um escravo, que posteriormente tornou-se seu escriba, para redigir mensagens em rolos de papiro que eram enviados a uma espécie de rede de contatos. Estas pessoas, por sua vez, copiavam seu texto, acrescentavam seus próprios comentários e repassavam adiante. 'Hoje temos computadores e banda larga, mas os romanos tinham escravos e escribas que transmitiam suas mensagens', disse Standage à BBC Brasil."

Ou seja, em termos de redes sociais, segundo Standage, na Roma Antiga o trabalho escravo estava presente na transmissão de mensagens. "Hoje, tendo computadores e banda larga" para transmissão de mensagens, no meu entender, o trabalho escravo está presente na ocupação das vinte e quatro horas do dia com tarefas provocadas por mensagens recebidas.

As referências a Roma Antiga e a tecnologia, e a afirmação de que, apesar da evolução tecnológica, a natureza humana continua a mesma, feitas por Tom Standage, fazem-me lembrar uma passagem do livro O Ato da Vontade, de Roberto Assagioli, publicado há 47 anos, na qual o autor cita a incapacidade de lidar com as próprias emoções, impulsos e desejos como outra coisa que continua a mesma desde a Roma Antiga. Segue o referido trecho.

"Se um homem de uma civilização anterior à nossa – um grego da Antiguidade, digamos, ou um romano – aparecesse de súbito entre os seres humanos do presente, suas primeiras impressões o levariam a considerá-los uma raça de mágicos, de semideuses. Mas fosse um Platão ou um Marco Aurélio e se recusasse a ficar deslumbrado ante as maravilhas materiais criadas pela tecnologia avançada e examinasse a condição humana com mais cuidado, suas primeiras impressões dariam lugar a uma grande consternação."

"Notaria logo que o homem, não obstante o imponente grau de domínio sobre a natureza, possui um controle muito limitado sobre o seu interior. (...) Verificaria que esse pretenso semideus que controla grandes forças elétricas com o mover de um dedo e inunda o ar de sons e imagens para divertimento de milhões de pessoas – é incapaz de lidar com as próprias emoções, impulsos e desejos."

Ou seja, se um romano da Antiguidade aparecesse de súbito nestes tempos, dependendo do grau evolutivo por ele atingido, em vez de deslumbramento ante as maravilhas materiais criadas pela tecnologia, sua reação seria de consternação diante da incapacidade de lidar com as próprias emoções, impulsos e desejos que esses pretensos semideuses teimam em apresentar. Notaria logo que o fascínio pela evolução tecnológica em detrimento da evolução humana tira do homem a possibilidade de alcançar o estágio evolutivo que Alexis Carrel (1873 – 1944) denomina civilização. "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem.", diz o cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo francês que, em 1912, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia.

"Para Standage, o advento e a popularização da comunicação de massa no século 19 — com jornais e livros — e no século 20 — cinema, rádio e TV — ofuscaram os modelos sociais de distribuição de informação que haviam prevalecido durante séculos. 'As pessoas passaram a obter informações das mídias de massa e não mais de seus amigos, em um processo de mão única, sem interação', diz o autor. Na última década, a internet abriu caminho para o renascimento das plataformas sociais de comunicação que, para o autor, se tornaram tão eficientes que passaram a competir com as mídias de massa. 'Agora o grande desafio das grandes organizações de mídia é gerar conteúdo de mão dupla, porque já sabem que o de mão única foi uma anomalia histórica que não funciona mais'.".

"Agora o grande desafio das grandes organizações de mídia é gerar conteúdo de mão dupla, porque já sabem que o de mão única foi uma anomalia histórica que não funciona mais", diz Tom Standage.

Agora o grande desafio da grande maioria dos integrantes da autodenominada espécie inteligente do universo é gerar fala e escuta de mão dupla, porque já deveriam saber que a de mão única nunca funcionou, ouso eu dizer. O que é fala e escuta de mão dupla? Vocês já ouviram falar em algo denominado conversa? Pois é. O grande desafio da espécie inteligente do universo é algum dia enxergar "A necessidade de conversar."

Entre falar, alucinadamente, para muitos ou ser, realmente, ouvido por poucos, qual das duas coisas caracteriza uma real necessidade dos integrantes da espécie humana? Para responder esta indagação, recorro a um exemplo extremo. Lembrando que estamos em pleno mês dedicado à prevenção do suicídio e considerando que, segundo a Organização Mundial de Saúde, "A cada 40 s, 1 pessoa tira a própria vida no mundo, diz OMS", minha resposta é "ser, realmente, ouvido por poucos". Encontrar alguém adepto da salutar prática de conversar, e não da nociva prática de apenas falar, é extremamente importante na vida de qualquer pessoa e uma verdadeira tábua de salvação para quem esteja pensando (sic) em realizar o ato extremo de cometer suicídio. 

"Romanos usavam redes sociais há dois mil anos, diz livro." Redes sociais serão usadas per omnia saecula saeculorum, digo eu. E algum dia a espécie humana enxergará as redes sociais como uma opção para satisfazer "A necessidade de conversar." em vez de enxergá-las como uma opção para satisfazer o desumano desejo de odiar. E ao falar em humano e desumano, para encerrar estas reflexões, segue um parágrafo cuja intenção é fazer uma exortação ao desejo de manter-se humano.

"Coisas terríveis estão acontecendo no mundo hoje. As pessoas não vão mudar. E a única coisa que podemos fazer por nós mesmos é estar atento, ler e compreender como se manter humano em tempos de horror e desespero. O livro ajuda nisso. É uma história terrível, mas nos ajuda a entender", finaliza Melcher de Wind."

Quem é Melcher de Wind? É um filho do médico Eddy de Wind. Qual é o livro a que sele se refere? "Última parada: Auschwitz", escrito por Eddy no campo nazista e descoberto agora. Onde encontrei o parágrafo acima? Em uma reportagem de Maria Fernanda Rodrigues publicada na edição de 11 de janeiro de 2020 do jornal O Estado de S. Paulo sob o título "O retrato do horror."

"Estar atento em tempos de desatenção, ler - coisas que prestem - em tempos de notícias falsas e compreender como se manter humano em tempos de horror e desespero.", eis as tarefas a serem desempenhadas por cada um (a) que não queira contribuir para "o retrato do horror" que surgirá ao fotografar as redes sociais de uma sociedade (sic) assolada pelo ódio.

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