segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Não traz nada de novo

Pronunciar ou ouvir alguém pronunciar a frase que intitula esta postagem, diante de um texto ou de um vídeo que tenha sido mostrado, é uma situação pela qual acredito que todos já tenham passado. Entender que, apesar de não trazer nada de novo, um texto ou um vídeo pode trazer alguma "verdade antiga e básica" pela qual deveríamos nos interessar é um estágio evolutivo que a imensa maioria demonstra ainda não ter alcançado.
Feito este preâmbulo, nesta postagem intitulada "Não traz nada de novo", seguem os dois parágrafos finais do prefácio de um livro publicado nos Estados Unidos em 1948 (ano anterior ao meu nascimento). Intitulado "Como evitar preocupações e começar a viver", de autoria de Dale Carnegie (1888 - 1955), foi traduzido para vários idiomas, e o exemplar que tenho foi impresso pela Companhia Editora Nacional em 1983, com tradução de Brenno Silveira, em sua 24ª edição. Assinado pelo autor, o prefácio é intitulado "Como e por que este livro foi escrito".
"'A ciência, afirmou o filósofo francês Valéry, é uma coleção de receitas bem sucedidas'. Eis o que este livro é: uma coleção de receitas bem sucedidas, e experimentadas, para afastar as preocupações de nossa vida. Contudo, permita-me que o advirta: você não encontrará nele, nada de novo, mas encontrará coisa que não é geralmente aplicada. Mas, já que tocamos no assunto, você e eu não temos necessidades de que nos contem nada de novo. Já sabemos o suficiente para viver vidas perfeitas. Todos nós já lemos as regras de ouro e o Sermão da Montanha. Nosso mal não é a ignorância, mas a inércia. A finalidade deste livro é reafirmar, ilustrar, modernizar, arejar uma porção de verdades antigas e básicas - dar um pontapé em sua canela para você fazer qualquer coisa a fim de pô-las em prática."
"Você não tomou este livro para ler a respeito de como ele foi escrito. Você deseja ação. Pois bem, vamos a ela. Faça a fineza de ler as primeiras quarenta páginas - e se por essa altura, você não sentir que adquiriu novo poder e nova inspiração para pôr as preocupações de lado e gozar a vida, jogue então este livro fora. Não é um livro que sirva para você."
Fiz a fineza de ler as primeiras quarenta páginas, li todas as demais, marquei uma infinidade de trechos (alguns aos quais costumo voltar), e nestes tempos senti ser este um bom momento para elaborar uma postagem a partir do que é dito nos dois parágrafos acima reproduzidos.
"Você não encontrará nele, nada de novo, mas encontrará coisa que não é geralmente aplicada."
Ou seja, nesta civilização (sic) caracterizada por uma avidez por novidades que parece não ter limite, um equívoco cometido pela maioria é considerar "novo" apenas aquilo que nunca tinha sido visto ou ouvido, desconsiderando "coisa que não é geralmente aplicada". Será que o que ainda não foi aplicado deveria ser considerado "novo"? Será que a novidade também deveria ser vista em termos de aplicação? No meu entender, sim, e no de vocês?
"Não temos necessidades de que nos contem nada de novo."
Sim, a necessidade que temos não é de que nos contem nada de novo; é de fazermos algo de novo.
"Já sabemos o suficiente para viver vidas perfeitas. Todos nós já lemos as regras de ouro e o Sermão da Montanha."
Aqui, enxergo um equívoco cometido pelo autor do livro. Não, ter lido não é suficiente para saber; para saber alguma coisa é imprescindível colocar em prática o que se leu. Ou seja, o que sabemos é somente aquilo que praticamos como é explicado nos dois próximos parágrafos.
Ao término de qualquer curso de formação - ao longo do qual o indivíduo vê e ouve uma infinidade de coisas concernentes a uma determinada profissão - o estudante recebe um título que lhe dá o direito de começar a tornar-se um profissional que justifique o título recebido, mas que não o torna um profissional pronto. Vejamos um exemplo.
Tenho um título de engenheiro eletrônico concedido pela UFRJ, o que não significa que eu seja um engenheiro, pois não cheguei a atuar como tal; não cheguei a praticar o que vi e ouvi durante o curso de formação. Ou seja, eu não sei o que é ser engenheiro, embora tenha lido "as regras de ouro da engenharia eletrônica".
Portanto, em conformidade com o que é dito nos dois parágrafos acima, entendo que o fato de "já termos lido as regras de ouro e o Sermão da Montanha" não nos coloca na condição de já sabermos o suficiente para viver vidas perfeitas, pois o que sabemos é somente aquilo que praticamos.
"Todas as coisas que quereis que os homens vos façam, vós também tendes de fazer do mesmo modo a eles.", eis a regra de ouro cuja autoria é atribuída a Jesus.
"Não faças aos outros o que não queres que os outros façam a ti.", eis a regra de ouro cuja autoria é atribuída a Confúcio.
Considerando que as pessoas têm gostos diferentes e a afirmação "Não desejo isso ao meu pior inimigo.", entre as duas regras de ouro apresentadas acima prefiro a forma "negativa" atribuída a Confúcio. Quando chegarem os tempos em que não fizermos aos outros o que não queremos que os outros nos façam teremos atingido um estágio evolutivo que, enfim, fará jus ao termo civilização.
Sobre o Sermão da Montanha não poderia deixar de citar aqui a opinião de Mahatma Gandhi. "Se toda literatura espiritual da humanidade perecesse, e só se salvasse o Sermão da Montanha, nada estaria perdido."
"Contudo, permita-me que o advirta: (...) Nosso mal não é a ignorância, mas a inércia."
Há algumas décadas, li em um livro cujo título não lembro as seguintes palavras: "Leia quem quiser... Compreenda quem puder.... Aproveite quem souber.". Ou seja, considerando que sempre houve quem escrevesse coisas pelas quais deveríamos nos interessar, advertidos nós sempre fomos. Porém, considerando que Ler depende de querermos... Compreender depende de sermos capazes... Aproveitar depende de sabermos..., e Saber depende de praticarmos, o resultado é esse que aí está: "a inércia".
"A finalidade deste livro é reafirmar, ilustrar, modernizar, arejar uma porção de verdades antigas e básicas - dar um pontapé em sua canela para você fazer qualquer coisa a fim de pô-las em prática."
De certa forma, a finalidade deste blog é semelhante a do livro de Dale Carnegie.
Será que o que é dito nesta postagem será capaz de fazer alguém perceber que mais importante do que alegar que algo que lhe é mostrado "Não traz nada de novo" é colocar em prática "verdades antigas e básicas" sem as quais a autodenominada espécie inteligente do universo jamais atingirá um estágio evolutivo que faça jus ao termo civilização?

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