quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Saia do sufoco, abandone os cartões

"Cartão de crédito é uma invenção infeliz. Ele combina duas coisas que deveriam ser mantidas separadas: a facilidade de comprar e um empréstimo. Endividamento faz sentido para fins de investimento, para gerar riqueza, não para consumo."
(John Armstrong [1966 – ....], escritor e filósofo britânico)
Nossa! Mais uma postagem sobre utopias! Vocês concordam que em uma civilização (sic) fascinada pelo pagamento (ou seria endividamento?) por meio de cartões o retorno ao pagamento em dinheiro pode ser visto como uma autêntica utopia? Se continuar assim creio que será inevitável mudar o nome deste blog para Espalhando utopias. Ou será que tal mudança já está até atrasada? Afinal, considerando o que mais se vê nesta insana civilização (sic), creio que a maior parte das ideias espalhadas por este blog pode ser vista como uma autêntica coleção de utopias.
O texto apresentado a seguir foi publicado na edição de 21 de outubro de 2019 do jornal O Folha de S.Paulo na coluna de Marcia Dessen, Planejadora financeira CFP ("Certified Financial Planner"), autora de "Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro".
Saia do sufoco, abandone os cartões
O saudável hábito de pagar tudo em dinheiro, à moda antiga, pode salvar suas finanças
Elcio está exultante. Há tempos vinha lutando consigo mesmo para entender por que não conseguia fechar o mês com saldo positivo. Sabia que precisa controlar os gastos que estavam fora de controle, mas não sabia como. Depois de muitas tentativas, encontrou a fórmula, simples que o coloca no comando da situação.
O primeiro passo foi descobrir para onde estava indo o dinheiro e detectar onde estavam os excessos que o levavam, sistemática e inevitavelmente, a utilizar o limite do cheque especial e parcelar a fatura do cartão de crédito.
Começou a ter clareza dos gastos quando criou uma planilha para mapear as despesas pessoais, da casa e dos filhos. Antes, confiante de que havia recursos para custear todos os desejos e necessidades da família, não havia planejamento prévio nem controle após os gastos.
Não demorou para as evidências aparecerem. Os gastos com alimentação fora de casa, por exemplo, chamaram a atenção de Elcio. O montante despendido com as prazerosas e dispendiosas refeições em restaurantes, pizzarias, padarias e lanchonetes iam muito além do que ele imaginava.
Esse é um item fácil de corrigir. Decidiram por priorizar a saudável e mais econômica alimentação em casa e limitaram bastante as refeições fora de casa. A refeição no trabalho, por exemplo, foi substituída pela marmita, boa e barata.
Cerca de três meses após iniciar o controle das despesas, Elcio ainda não estava contente, tinha mais consciência de quanto e como gastavam o dinheiro, mas continuava financiando a fatura do cartão e, vez ou outra, avançava no limite do cheque especial.
Apesar da disciplina e do controle dos gastos, imperfeito, é verdade, não tinha conseguido se livrar das dívidas e começou a desconfiar da origem do problema: o uso descontrolado dos cartões de crédito.
Ele e os demais membros da família usavam os cartões como se dinheiro fosse. Entretanto, os cartões são um meio de pagamento muito perigoso, que estimula o consumo. Elcio começou a entender que o limite dos gastos não era o limite do cartão, muito superior ao seu limite pessoal. E decidiu cortar o mal pela raiz.
O sossego só veio quando Elcio decidiu trancar os cartões de crédito em uma gaveta e pagar tudo em dinheiro. Sem a artimanha do falso dinheiro de plástico, ele, esposa e filhos pagavam tudo em dinheiro. Como a quantidade da moeda de cada mês é finita, foram obrigados a planejar, priorizar, fazer escolhas. E aprenderam a parar quando o dinheiro acabava.
Pelo terceiro mês consecutivo, as contas da família fecham no azul, razão mais do que suficiente para justificar a alegria de todos. Incrível como uma simples mudança de hábito salvou a família das dívidas, trouxe maior consciência em relação ao consumo exagerado e ainda propagou a educação financeira na família.
Elcio está duplamente contente: no comando das despesas, se libertou das dívidas do caríssimo crédito rotativo e vê a esposa e os filhos mais comprometidos com hábitos mais saudáveis que certamente trarão muitos benefícios.
A alimentação em casa trouxe resultados tão positivos que todos estão animados e comprometidos em manter o hábito; os benefícios foram muito além do financeiro.
O relacionamento familiar melhorou. A antiga e isolada preocupação de Elcio com as finanças, afetava seu espírito, seu ânimo, a maneira de se relacionar com esposa e filhos. Como agora todos compartilham da mesma percepção em relação ao dinheiro e dos benefícios colhidos com a mudança de hábitos, os atritos familiares foram eliminados.
Em conjunto, decidiram eliminar as comprinhas supérfluas e juntar dinheiro para realizarem a viagem dos sonhos, possível agora que se uniram em torno de um propósito maior.
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"Os cartões são um meio de pagamento muito perigoso, que estimula o consumo.", diz Marcia Dessen em seu excelente artigo reproduzido acima.
"Quando temos de pagar em dinheiro – em notas reais -, ficamos muito mais conscientes do que estamos gastando.", diz o filósofo John Armstrong em uma reportagem-entrevista de Carol Vaisman publicada na extinta revista Lola sob o título Não deixe a grana tirar seu sono.
"Possibilidade de usar o plástico e não apenas dinheiro aumenta a disposição para pagar mais por um produto.", diz o subtítulo de uma reportagem publicada na edição de 4 de abril de 2016 do jornal Folha de S.Paulo, com a indicação de ter sido publicada no The New York Times, sob o título Cartões de crédito estimulam gasto maior.
"Cartão de crédito é uma invenção infeliz. Ele combina duas coisas que deveriam ser mantidas separadas: a facilidade de comprar e um empréstimo. Endividamento faz sentido para fins de investimento, para gerar riqueza, não para consumo.", diz o filósofo John Armstrong.
"Cartão de crédito é uma invenção infeliz.". Uma invenção infeliz à luz (ou seria às trevas?) do endividamento provocado na maioria dos usuários, porém felicíssima à luz dos lucros estratosféricos obtidos pelas instituições financeiras que administram tais cartões. Uma invenção infeliz pela qual os infelicitados são fascinados. Impressiona-me demais a facilidade com que uma imensa quantidade de indivíduos fascina-se por invenções que lhes são nocivas. Invenções que a propaganda oferece apelando para duas coisas irresistíveis: modernidade e praticidade. Modernidade que leva o indivíduo a sentir-se alguém que consegue viver de acordo com seu tempo; alguém que não será visto como retrógrado. Praticidade que leva o indivíduo a considerar-se esperto; alguém que faz as coisas de um modo mais fácil do que os outros fazem.
Para evitar que alguém conclua equivocadamente que sou contra modernidade e praticidade, segue minha opinião sobre tais coisas. Vocês conhecem uma frase que diz: "Parente é igual colesterol, tem o bom e o ruim."? Pois é! Modernidade e praticidade também são iguais a colesterol, tem a boa e a ruim. Vocês conhecem a seguinte frase atribuída a Paulo de Tarso: "Tudo é lícito, mas nem tudo me convém."? Pois é! Modernidade e praticidade estão no "tudo" a que se refere Paulo de Tarso. Conclusão: Em relação à modernidade e praticidade tenhamos uma atitude bastante crítica e desprovida de fascínio. Por quê? Porque imaginar que determinadas modernidades e praticidades podem levá-lo a um sufoco é algo que jamais passará pela cabeça de alguém que seja fascinado por toda e qualquer modernidade e praticidade.
Para não repetir, nesta já longa postagem, coisas interessantes ditas em postagens anteriores, seguem os links para aqueles que quiserem ler mais sobre o assunto Cartões de crédito. A História Secreta do Cartão de Crédito [16 de setembro de 2011], Reflexões provocadas pela História Secreta do Cartão de Crédito [22 de setembro de 2011], O segundo do espanto [23 de setembro de 2011], Não deixe a grana tirar seu sono (I) [09 de novembro de 2018], Não deixe a grana tirar seu sono (final) [16 de novembro de 2018], Reflexões provocadas por "Não deixe a grana tirar seu sono" [23 de novembro de 2018], Cartões de crédito estimulam gasto maior [30 de abril de 2016] (publicada no blog Lendo e opinando).
Apresentados os links, segue uma recomendação que intitula uma ilustração do blog: Leia quem quiser... Compreenda quem puder... Aproveite quem souber.

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