"Cartão de crédito é uma invenção infeliz. Ele combina duas coisas
que deveriam ser mantidas separadas: a facilidade de comprar e um empréstimo.
Endividamento faz sentido para fins de investimento, para gerar riqueza, não
para consumo."
(John Armstrong [1966 – ....], escritor e filósofo britânico)
Nossa!
Mais uma postagem sobre utopias! Vocês concordam que em uma civilização (sic)
fascinada pelo pagamento (ou seria endividamento?) por meio de cartões o
retorno ao pagamento em dinheiro pode ser visto como uma autêntica utopia? Se
continuar assim creio que será inevitável mudar o nome deste blog para Espalhando utopias. Ou será que tal
mudança já está até atrasada? Afinal, considerando o que mais se vê nesta
insana civilização (sic), creio que a maior parte das ideias espalhadas por este
blog pode ser vista como uma autêntica coleção de utopias.
O texto
apresentado a seguir foi publicado na edição de 21 de outubro de 2019 do jornal
O Folha de S.Paulo na coluna de Marcia
Dessen, Planejadora financeira CFP ("Certified Financial Planner"),
autora de "Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro".
Saia do sufoco, abandone os cartões
O saudável hábito de pagar tudo em dinheiro, à moda antiga, pode
salvar suas finanças
Elcio está
exultante. Há tempos vinha lutando consigo mesmo para entender por que não
conseguia fechar o mês com saldo positivo. Sabia que precisa controlar os
gastos que estavam fora de controle, mas não sabia como. Depois de muitas
tentativas, encontrou a fórmula, simples que o coloca no comando da situação.
O primeiro
passo foi descobrir para onde estava indo o dinheiro e detectar onde estavam os
excessos que o levavam, sistemática e inevitavelmente, a utilizar o limite do
cheque especial e parcelar a fatura do cartão de crédito.
Começou a
ter clareza dos gastos quando criou uma planilha para mapear as despesas
pessoais, da casa e dos filhos. Antes, confiante de que havia recursos para custear
todos os desejos e necessidades da família, não havia planejamento prévio nem
controle após os gastos.
Não demorou
para as evidências aparecerem. Os gastos com alimentação fora de casa, por
exemplo, chamaram a atenção de Elcio. O montante despendido com as prazerosas e
dispendiosas refeições em restaurantes, pizzarias, padarias e lanchonetes iam muito
além do que ele imaginava.
Esse é um
item fácil de corrigir. Decidiram por priorizar a saudável e mais econômica
alimentação em casa e limitaram bastante as refeições fora de casa. A refeição
no trabalho, por exemplo, foi substituída pela marmita, boa e barata.
Cerca de
três meses após iniciar o controle das despesas, Elcio ainda não estava
contente, tinha mais consciência de quanto e como gastavam o dinheiro, mas
continuava financiando a fatura do cartão e, vez ou outra, avançava no limite
do cheque especial.
Apesar da
disciplina e do controle dos gastos, imperfeito, é verdade, não tinha
conseguido se livrar das dívidas e começou a desconfiar da origem do problema:
o uso descontrolado dos cartões de crédito.
Ele e os
demais membros da família usavam os cartões como se dinheiro fosse. Entretanto,
os cartões são um meio de pagamento muito perigoso, que estimula o consumo.
Elcio começou a entender que o limite dos gastos não era o limite do cartão,
muito superior ao seu limite pessoal. E decidiu cortar o mal pela raiz.
O sossego
só veio quando Elcio decidiu trancar os cartões de crédito em uma gaveta e
pagar tudo em dinheiro. Sem a artimanha do falso dinheiro de plástico, ele,
esposa e filhos pagavam tudo em dinheiro. Como a quantidade da moeda de cada
mês é finita, foram obrigados a planejar, priorizar, fazer escolhas. E
aprenderam a parar quando o dinheiro acabava.
Pelo
terceiro mês consecutivo, as contas da família fecham no azul, razão mais do
que suficiente para justificar a alegria de todos. Incrível como uma simples mudança
de hábito salvou a família das dívidas, trouxe maior consciência em relação ao
consumo exagerado e ainda propagou a educação financeira na família.
Elcio está
duplamente contente: no comando das despesas, se libertou das dívidas do
caríssimo crédito rotativo e vê a esposa e os filhos mais comprometidos com
hábitos mais saudáveis que certamente trarão muitos benefícios.
A
alimentação em casa trouxe resultados tão positivos que todos estão animados e
comprometidos em manter o hábito; os benefícios foram muito além do financeiro.
O
relacionamento familiar melhorou. A antiga e isolada preocupação de Elcio com
as finanças, afetava seu espírito, seu ânimo, a maneira de se relacionar com
esposa e filhos. Como agora todos compartilham da mesma percepção em relação ao
dinheiro e dos benefícios colhidos com a mudança de hábitos, os atritos
familiares foram eliminados.
Em
conjunto, decidiram eliminar as comprinhas supérfluas e juntar dinheiro para
realizarem a viagem dos sonhos, possível agora que se uniram em torno de um
propósito maior.
*************
"Os cartões são um meio de pagamento
muito perigoso, que estimula o consumo.", diz Marcia Dessen em seu excelente
artigo reproduzido acima.
"Quando temos de pagar em dinheiro – em
notas reais -, ficamos muito mais conscientes do que estamos gastando.",
diz o filósofo John Armstrong em uma reportagem-entrevista de Carol Vaisman
publicada na extinta revista Lola sob
o título Não deixe a grana tirar seu sono.
"Possibilidade de usar o plástico e não apenas dinheiro
aumenta a disposição para pagar mais por um produto.", diz o subtítulo de
uma reportagem publicada na edição de 4 de abril de 2016 do jornal Folha de
S.Paulo, com a indicação de ter sido publicada no The New York Times,
sob o título Cartões
de crédito estimulam gasto maior.
"Cartão de crédito é uma invenção infeliz. Ele combina
duas coisas que deveriam ser mantidas separadas: a facilidade de comprar e um
empréstimo. Endividamento faz sentido para fins de investimento, para gerar
riqueza, não para consumo.", diz
o filósofo John Armstrong.
"Cartão de crédito é uma invenção infeliz.". Uma invenção infeliz à luz (ou seria
às trevas?) do endividamento provocado na maioria dos usuários, porém
felicíssima à luz dos lucros estratosféricos obtidos pelas instituições
financeiras que administram tais cartões. Uma invenção infeliz pela qual os
infelicitados são fascinados. Impressiona-me demais a facilidade com que uma
imensa quantidade de indivíduos fascina-se por invenções que lhes são nocivas. Invenções
que a propaganda oferece apelando para duas coisas irresistíveis: modernidade e
praticidade. Modernidade que leva o indivíduo a sentir-se alguém que consegue viver
de acordo com seu tempo; alguém que não será visto como retrógrado. Praticidade
que leva o indivíduo a considerar-se esperto; alguém que faz as coisas de um
modo mais fácil do que os outros fazem.
Para evitar que alguém conclua
equivocadamente que sou contra modernidade e praticidade, segue minha opinião
sobre tais coisas. Vocês conhecem uma frase que diz: "Parente é
igual colesterol, tem o bom e o ruim."? Pois é! Modernidade e praticidade
também são iguais a colesterol, tem a boa e a ruim. Vocês conhecem a seguinte
frase atribuída a Paulo de Tarso: "Tudo é lícito, mas nem tudo me convém."? Pois é! Modernidade e praticidade
estão no "tudo" a que se refere Paulo de Tarso. Conclusão: Em relação
à modernidade e praticidade tenhamos uma atitude bastante crítica e desprovida
de fascínio. Por quê? Porque imaginar
que determinadas modernidades e praticidades podem levá-lo a um sufoco é algo
que jamais passará pela cabeça de alguém que seja fascinado por toda e qualquer
modernidade e praticidade.
Para não repetir, nesta já longa postagem, coisas
interessantes ditas em postagens anteriores, seguem os links para aqueles que
quiserem ler mais sobre o assunto Cartões
de crédito. A
História Secreta do Cartão de Crédito [16 de setembro de 2011],
Reflexões
provocadas pela História Secreta do Cartão de Crédito [22 de setembro
de 2011], O
segundo do espanto [23 de setembro de 2011], Não
deixe a grana tirar seu sono (I) [09 de novembro de 2018], Não
deixe a grana tirar seu sono (final) [16 de novembro de 2018], Reflexões provocadas por "Não
deixe a grana tirar seu sono" [23
de novembro de 2018], Cartões
de crédito estimulam gasto maior [30 de abril de 2016] (publicada no
blog Lendo e opinando).
Apresentados os links, segue uma recomendação que intitula uma ilustração do blog: Leia quem quiser... Compreenda quem puder...
Aproveite quem souber.
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