"A 'explosão da informação', sobre a qual muito se comenta e escreve, é
também, em grande medida, a explosão da informação errada e mal organizada
(...) A revolução digital apenas agravou os problemas."
(Murrray Gell-Mann [1929 – 2019], físico norte-americano laureado
com o Nobel de Física em 1969)
"A
internet prometeu, e entregou, mais acesso a informação – mas separar o joio do
trigo passou a ser um desafio muito maior.", eis uma instigante afirmação
de Tatiana Prazeres em seu excelente artigo publicado na edição de 03 de
janeiro de 2020 do jornal Folha de S.Paulo sob o título A era da desinformação. Quem é Tatiana
Prazeres? Segundo a qualificação apresentada abaixo de seu nome no artigo,
Tatiana é senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais de Economia,
em Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheira senior do
diretor-geral.
Sim, com a 'explosão da
informação' prometida, e entregue, pela internet, "separar o joio do trigo
passou a ser um desafio muito maior", pois as quantidades de joio e de
trigo produzidas aumentaram estupidamente. E quando a quantidade de qualquer
coisa aumenta estupidamente, seja ela o que for, lidar com tal coisa passa a
ser um imenso desafio. Por quê? Porque, no estágio evolutivo em que se encontra
a imensa maioria dos integrantes da dita espécie inteligente do universo,
quanto maior for a quantidade de alguma coisa que lhe seja oferecida, maior
será também a probabilidade de ela lidar equivocadamente com tal coisa.
Aplicada à 'explosão da
informação' provocada pela internet, a frase anterior leva-me a ousar fazer a
seguinte afirmação: quanto maiores forem as quantidades de joio (desinformação)
e de trigo (informação) que lhes sejam oferecidas, maior será a probabilidade
de a imensa maioria dos integrantes da referida espécie queimar o trigo e ficar
com o joio. Ou seja, de queimar a informação e ficar com a desinformação.
A era da desinformação
Legislação anti-fake news não resolverá o
problema
"O Facebook está
juridicamente obrigado a informá-lo de que o governo de Singapura afirma que
este post contém informação falsa". Esta mensagem aparece junto a um post
sobre a atuação do governo nas eleições locais. Trata-se de um dos primeiros
casos de aplicação da nova lei de Singapura sobre notícias falsas, em vigor
desde outubro de 2019.
Empresas de mídia social podem
sofrer multas que chegam a US$ 1 milhão. Quem for condenado por deliberadamente
espalhar mentiras pode pegar até dez anos de prisão.
Os anos 2010 foram da
desinformação. A internet prometeu, e entregou, mais acesso a informação – mas
separar o joio do trigo passou a ser um desafio muito maior.
Singapura não está sozinha ao
adotar lei específica para tentar conter fake news. Nos últimos anos, França,
Alemanha, Malásia, Rússia e Austrália também o fizeram. Vários países,
incluindo o Brasil, pretendem apertar a legislação para conter notícias falsas,
como sugeriu o Tribunal Superior Eleitoral nesta semana.
O problema é sério, e sua
extensão, ampla. Fake news afetam desde o clima dos encontros de família até o
resultado de eleições presidenciais.
Com o avanço do "deep fake",
os danos devem ser ainda maiores. Em 2019, um vídeo "deep fake"
mostrou Mark Zuckerberg, do Facebook, dizendo coisas que ele nunca disse – e
nada convenientes para ele sobre a concentração de dados de mais de 1 bilhão de
pessoas nas mãos de uma empresa.
Também em 2019, a congressista
americana Nancy Pelosi foi vítima de um vídeo cuja velocidade foi reduzida para
que ela parecesse embriagada. Trump tuitou o vídeo adulterado.
Não há solução mágica. Para
piorar, é notória a dificuldade de governos em regular o uso de tecnologias. É
também conhecida e universal a tentação de querer mudar a realidade com leis ou
com uma canetada.
A legislação de Singapura
produziu o feito raro de unir defensores de direitos humanos e empresas de
tecnologia. Muitos se preocupam com os riscos para a liberdade de expressão.
Vários se incomodam com a idéia de que o Estado detenha o monopólio da verdade,
tenha a palavra final sobre o que é verdadeiro e falso.
Para tentar resolver problemas
criados pela tecnologia, mais tecnologia será empregada. Na China, a empresa
Tencent está usando inteligência artificial para identificar imagens de rosto
falsas, ajudando a conter o "deep fake".
Resultados efetivos no combate
à desinformação online dependem de educação, mesmo que regulação adequada e
tecnologia ajudem. Para conter os efeitos de fake news, é necessário capacidade
de pensamento crítico, habilidade de duvidar de maneira inteligente e julgar de
forma fundamentada.
Por isso, é grave o resultado
do último exame Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na
sigla em inglês) no quesito leitura. O teste mediu a capacidade de alunos de 15
anos distinguirem fatos de opiniões, com base em dicas implícitas relacionadas
ao conteúdo ou à fonte de informações. Pois menos de 1 em 10 alunos tem nível
de leitura suficiente para poder separar fatos e opiniões ao ler um texto. E
isso entre os alunos dos países da OCDE, o dito clube dos ricos. Cerca de 2%
dos estudantes brasileiros atingem esse nível.
Como concluiu a OCDE, a
educação precisa ajudar as pessoas a desenvolver uma bússola confiável para um
mundo incerto, volátil, ambíguo e – acrescentaria – repleto de fake news. Sem
isso, não há lei que dê conta de desinformação online.
O problema não vai desaparecer.
Espere mais desmentidos publicados no Facebook em Singapura ou mundo afora.
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"Para conter os efeitos de
fake news, é necessário capacidade de pensamento crítico, habilidade de duvidar
de maneira inteligente e julgar de forma fundamentada.", diz Tatiana
Prazeres em seu excelente texto. Será que refletir sobre textos como o dela pode
nos ajudar a desenvolver as habilidades por ela citadas?
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