"Existem
apenas duas coisas infinitas - o universo e a estupidez humana. E não tenho
tanta certeza quanto ao universo."
(Albert Einstein [1879 – 1955], físico alemão naturalizado
norte-americano)
"Nora Krug cita Hannah
Arendt (1906 – 1975) - 'Onde todos são culpados, ninguém é' – para explicar
como essa sensação causou uma espécie de paralisia em relação à história de sua
própria família, que cuidadosamente não debatia o assunto em casa", diz
Alessandro Giannini em sua resenha sobre o livro "Heimat: Ponderações de uma alemã sobre sua terra e história",
espalhada pela postagem anterior. Citação que levou-me a epigrafar esta
postagem com a sinistra afirmação do gênio alemão. Por quê? Porque enxergo na
prática descrita por Arendt uma validação da afirmação de Einstein. Vocês
concordam que considerar algo que pertence a todos como pertencente a ninguém é
uma tremenda demonstração de estupidez? Pertencimento, eis a palavra usada por
Giannini numa tradução livre do título recebido pela edição norte-americana do
livro de Nora Krug, conforme suas próprias palavras reproduzidas no próximo
parágrafo.
"Nos Estados Unidos, (...) o volume de 288 páginas ganhou outro título, 'Belonging', que numa tradução livre para o português seria 'pertencimento'. A palavra explica um pouco melhor o que moveu a artista de 42 anos a garimpar os baús de sua família e os arquivos públicos de sua cidade natal, Karlsruhe, em busca de respostas sobre o envolvimento de seus parentes no regime nazista e na política racista que levou aos horrores do Holocausto."
Se no
entender de Giannini, "A palavra 'pertencimento' explica um pouco melhor o
que moveu a artista de 42 anos a (...) buscar respostas sobre o envolvimento de
seus parentes no regime nazista e na política racista que levou aos horrores do
Holocausto.", no meu entender, a palavra 'pertencimento' explica também o que
deve mover todos nós a buscar respostas sobre o envolvimento da imensa maioria
dos pertencentes à autodenominada espécie inteligente do universo na produção
de todos os demais horrores produzidos neste planeta.
Enxergo todos
os horrores produzidos neste planeta como produzidos pelo comportamento equivocado
da imensa maioria dos indivíduos em relação ao 'pertencimento'. Qual é o
comportamento? Querer pertencer a grupos aos quais sejam concedidas benesses e
privilégios e jamais querer pertencer a grupos que se disponham a atuar em prol
do bem comum por entender que cuidar do ambiente em que se esteja situado é
tarefa que pertence a todos que pertencem ao grupo dos situados.
Soa-lhes
estranho o final da frase anterior – que pertence a todos que pertencem? É
muito pertencimento? Não, não é. Será que enrolei-me com as palavras? Creio que
não. Qual a intenção ao escrever dessa forma? Ressaltar que pertencimento é
algo que abrange dois sentidos: um de pertencimento do indivíduo ao grupo;
outro de pertencimento do grupo ao indivíduo. Um pertencimento em que o grupo acolhe
o indivíduo; outro em que o indivíduo cuida do grupo e o preserva.
Compreendido?
"Nora Krug cita Hannah Arendt (1906 – 1975) - 'Onde todos são culpados, ninguém é' – para explicar como essa sensação causou uma espécie de paralisia em relação à história de sua própria família, que cuidadosamente não debatia o assunto em casa. (...) – 'As narrativas de família são ensinadas, mas ninguém as questiona', diz Nora."
"As narrativas de família são ensinadas, mas ninguém
as questiona.", diz Nora. E ao dizê-lo faz-me lembrar uma inesquecível
afirmação de Zygmunt Bauman
[1925 – 2017], sociólogo e filósofo polonês. "Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar
respostas para os problemas que a afligem".
Hannah Arendt diz que 'Onde todos são culpados, ninguém
é' em uma afirmação que leva-me a elaborar as duas seguintes. Onde todos são responsáveis,
ninguém se responsabiliza. Onde a todos compete cuidar, ninguém cuida. É muita
falta de noção sobre pertencimento! É muita falta de consciência! É muita sobra
de estupidez!
"Para Nora, fazer 'Heimat' foi um aprendizado. Ela espera que sua história pessoal possa ensinar sobre o presente e evitar que antigos erros se repitam. Esse desejo tem origem na ascensão de partidos de extrema-direita na Alemanha, especialmente o Alternativefür Deutschland, que se posiciona contra o sentimento de culpa que está na origem do livro.", diz Alessandro Giannini.
"Ensinar
sobre o presente e evitar que antigos erros se repitam.", eis o que espera
Nora Krug diante da ascensão de partidos de extrema-direita na Alemanha. Será
que isso lhes diz alguma coisa? Será que o que é dito por ela no brilhante
parágrafo final da resenha de Alessandro Giannini lhes dirá alguma coisa?
"- Espero que as pessoas entendam que meu livro não é apenas sobre minha família ou a Alemanha, mas sobre qualquer pessoa em qualquer país – defende. Muita gente parece não reconhecer que somos como somos hoje por causa do que aconteceu antes. Criações que envolvem emoção, como filmes, livros ilustrados, arte e música, são importantes para que o público compreenda isso. Temos que defender ativamente nossa democracia, sempre. Não podemos acreditar que ela está garantida.".
Percebem no
parágrafo anterior alguma coisa que lhes seja "familiar"? Concordam
que não há na vida qualquer coisa que "podemos acreditar que esteja
garantida"? Concordam que "defender ativamente nossa democracia,
sempre", é algo que requer a participação de todos que a ela pertencem? Entendem
que considerar-se pertencente a alguma coisa implica em aceitar que pertence-lhe
a tarefa de dela cuidar e de a preservar?
Diante de
tudo o que é dito acima, enxergo pertencimento como uma palavra chave para
explicar a insana civilização (sic) na qual sobrevivemos, e como algo sem o
qual jamais será possível construir algo que faça jus ao termo civilização.
Sobre "não
reconhecer que somos como somos hoje por causa do que aconteceu antes",
creio que a leitura da postagem publicada em 24 de outubro de 2018 sob o título
O cortador de pedras pode lhes dar o
que pensar.
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