"A vida só pode ser compreendida olhando-se
para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente".
(Søren Kierkegaard [1813 – 1855], filósofo,
teólogo, poeta, crítico social dinamarquês)
Para quem acredita
que a compreensão propiciada pelo "olhar para trás" seja imprescindível
para desenvolver um "olhar apurado para frente", encontrar na edição
de 25 de outubro de 2019 do jornal Folha
de S.Paulo uma reportagem intitulada
Olhe para trás foi um convite irrecusável de leitura. Uma leitura da qual
surgiu uma vontade irrefreável de espalhar algumas ideias interessantes nela
encontradas. Feito este preâmbulo, segue uma compilação da excelente reportagem
de Gustavo Fioratti.
Olhe
para trás
Espetáculo
que marcou os anos 2000, 'Os Sete Afluentes do Rio Ota', de Robert Lepage, volta aos palcos e
torna a debater questões humanitárias, mas agora sob o fantasma de retrocessos
em vários países, segundo diretora
Com uma história toda
recortada, que atravessa décadas em que aparecem dezenas de personagens em
diferentes países – Japão, Estados Unidos, Holanda, entre eles – "Os Sete
Afluentes do Rio Ota" tem cinco horas tão intensas que elas parecem se
passar em cinco minutos. "O espectador que for assistir à peça vai ter que
encarar como se fosse uma maratona de série", diz a diretora Monique
Gardenberg. Há um intervalo de 20 minutos no meio da sessão.
A peça crava no entrelaçamento
de suas histórias os debates humanitários que haviam ganhado terreno desde as
bombas de Hiroshima e Nagazaki, o Holocausto e outros horrores da Segunda
Guerra.
A estrutura do espetáculo
praticamente não tem mudanças em relação à usada no início dos anos 2000. Sobre
o palco o cenário de três cubos vazados criados por Hélio Eichbauer vai se
transformando em diversos ambientes. O que mudou mesmo é o contexto político em
que a peça será apresentada. "Estreamos em 2002 e, embora já tivesse
acontecido o 11 de Setembro, ainda festejávamos diversos avanços e conquistas
no campo da evolução civilizatória", diz Gardenberg. "Agora
apresentaremos a peça em um momento de retrocesso político em diversos países
do mundo, e voltam a ser importantes lutas contra o preconceito, contra o
totalitarismo, a luta pela democracia", prossegue a diretora.
No momento em que Lepage criou
a peça, em 1994, havia o sentimento "de que a barbárie estava cada vez
mais remota e tomava distância com o passar do tempo", diz. "E, de
repente, tudo o que parecia remoto, as coisas que pareciam ter sido aprendidas
pela humanidade, passam a conviver de novo com a gente como fantasmas", continua.
"Estamos à beira de reproduzir tragédias humanas daquelas proporções, se é
que já não estamos reproduzindo".
Foram
esses argumentos que Gardenberg usou para convencer Lepage a conceder novamente
os direitos. O diretor resistiu, porque ele mesmo queria resgatar a peça de seu
repertório. A montagem tocada pelo próprio canadense reestreou em julho na Rússia,
com sete horas de duração, como no texto original.
*************
Olhe para
trás, diz o titulo da reportagem de Gustavo Fioratti. Olhe para trás, pois só
assim a vida pode ser compreendida, diz Søren
Kierkegaard. Compreenda a vida, pois só assim pode ser desenvolvido o olhar
para frente. Olhe para frente, pois só assim a vida pode ser vivida.
"No momento em que Lepage criou a peça, em 1994, havia o sentimento 'de que a barbárie estava cada vez mais remota e tomava distância com o passar do tempo', diz a diretora Gardenberg. (...) 'Estreamos em 2002 e, (...) ainda festejávamos diversos avanços e conquistas no campo da evolução civilizatória', diz Gardenberg. 'Agora apresentaremos a peça em um momento de retrocesso político em diversos países do mundo, e voltam a ser importantes lutas contra o preconceito, contra o totalitarismo, a luta pela democracia', prossegue a diretora. (...) 'E, de repente, tudo o que parecia remoto, as coisas que pareciam ter sido aprendidas pela humanidade, passam a conviver de novo com a gente como fantasmas', continua. 'Estamos à beira de reproduzir tragédias humanas daquelas proporções, se é que já não estamos reproduzindo'".
"Foram esses argumentos que Gardenberg usou para convencer Lepage a conceder novamente os direitos."
E ao dizer
que "Agora (...) em diversos países do mundo voltam a ser importantes
lutas contra o preconceito, contra o totalitarismo, a luta pela
democracia", a diretora Monique Gardenberg faz-me antecipar aqui uma
afirmação que constará da próxima postagem: "Temos que defender ativamente
nossa democracia, sempre. Não podemos acreditar que ela está garantida.".
"E, de repente, coisas que
pareciam ter sido aprendidas pela humanidade, passam a conviver de novo com a
gente como fantasmas", diz Gardenberg. Parecer ter sido aprendido, eis um
dos enormes equívocos cometidos com assustadora frequência nesta civilização (sic)
fundamentada no que parece, e não no que realmente seja. Um enorme equívoco de consequências
muito bem expressas na seguinte afirmação da diretora: "Estamos à beira de
reproduzir tragédias humanas daquelas proporções, se é que já não estamos
reproduzindo". Vocês concordam que reproduzir tragédias tem tudo a ver com
parecer ter aprendido? Parecer ter aprendido com tragédias anteriores?
"Muita
gente parece não reconhecer que somos como somos hoje por causa do que
aconteceu antes.", eis mais uma afirmação antecipada da próxima postagem.
Vocês concordam que ela tem tudo a ver com a imprescindibilidade de olhar para
trás defendida nesta?
Foram
esses argumentos que usei para convencer-me a espalhar a compilação da
reportagem de Gustavo Fioratti apresentada nesta postagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário