segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Olhe para trás

"A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente".
(Søren Kierkegaard [1813 – 1855], filósofo, teólogo, poeta, crítico social dinamarquês)
Para quem acredita que a compreensão propiciada pelo "olhar para trás" seja imprescindível para desenvolver um "olhar apurado para frente", encontrar na edição de 25 de outubro de 2019 do jornal Folha de S.Paulo uma reportagem intitulada Olhe para trás foi um convite irrecusável de leitura. Uma leitura da qual surgiu uma vontade irrefreável de espalhar algumas ideias interessantes nela encontradas. Feito este preâmbulo, segue uma compilação da excelente reportagem de Gustavo Fioratti.
Olhe para trás
Espetáculo que marcou os anos 2000, 'Os Sete Afluentes do Rio Ota', de Robert Lepage, volta aos palcos e torna a debater questões humanitárias, mas agora sob o fantasma de retrocessos em vários países, segundo diretora
Com uma história toda recortada, que atravessa décadas em que aparecem dezenas de personagens em diferentes países – Japão, Estados Unidos, Holanda, entre eles – "Os Sete Afluentes do Rio Ota" tem cinco horas tão intensas que elas parecem se passar em cinco minutos. "O espectador que for assistir à peça vai ter que encarar como se fosse uma maratona de série", diz a diretora Monique Gardenberg. Há um intervalo de 20 minutos no meio da sessão.
A peça crava no entrelaçamento de suas histórias os debates humanitários que haviam ganhado terreno desde as bombas de Hiroshima e Nagazaki, o Holocausto e outros horrores da Segunda Guerra.
A estrutura do espetáculo praticamente não tem mudanças em relação à usada no início dos anos 2000. Sobre o palco o cenário de três cubos vazados criados por Hélio Eichbauer vai se transformando em diversos ambientes. O que mudou mesmo é o contexto político em que a peça será apresentada. "Estreamos em 2002 e, embora já tivesse acontecido o 11 de Setembro, ainda festejávamos diversos avanços e conquistas no campo da evolução civilizatória", diz Gardenberg. "Agora apresentaremos a peça em um momento de retrocesso político em diversos países do mundo, e voltam a ser importantes lutas contra o preconceito, contra o totalitarismo, a luta pela democracia", prossegue a diretora.
No momento em que Lepage criou a peça, em 1994, havia o sentimento "de que a barbárie estava cada vez mais remota e tomava distância com o passar do tempo", diz. "E, de repente, tudo o que parecia remoto, as coisas que pareciam ter sido aprendidas pela humanidade, passam a conviver de novo com a gente como fantasmas", continua. "Estamos à beira de reproduzir tragédias humanas daquelas proporções, se é que já não estamos reproduzindo".
Foram esses argumentos que Gardenberg usou para convencer Lepage a conceder novamente os direitos. O diretor resistiu, porque ele mesmo queria resgatar a peça de seu repertório. A montagem tocada pelo próprio canadense reestreou em julho na Rússia, com sete horas de duração, como no texto original.
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Olhe para trás, diz o titulo da reportagem de Gustavo Fioratti. Olhe para trás, pois só assim a vida pode ser compreendida, diz Søren Kierkegaard. Compreenda a vida, pois só assim pode ser desenvolvido o olhar para frente. Olhe para frente, pois só assim a vida pode ser vivida.
"No momento em que Lepage criou a peça, em 1994, havia o sentimento 'de que a barbárie estava cada vez mais remota e tomava distância com o passar do tempo', diz a diretora Gardenberg. (...) 'Estreamos em 2002 e, (...) ainda festejávamos diversos avanços e conquistas no campo da evolução civilizatória', diz Gardenberg. 'Agora apresentaremos a peça em um momento de retrocesso político em diversos países do mundo, e voltam a ser importantes lutas contra o preconceito, contra o totalitarismo, a luta pela democracia', prossegue a diretora. (...) 'E, de repente, tudo o que parecia remoto, as coisas que pareciam ter sido aprendidas pela humanidade, passam a conviver de novo com a gente como fantasmas', continua. 'Estamos à beira de reproduzir tragédias humanas daquelas proporções, se é que já não estamos reproduzindo'".
"Foram esses argumentos que Gardenberg usou para convencer Lepage a conceder novamente os direitos."
E ao dizer que "Agora (...) em diversos países do mundo voltam a ser importantes lutas contra o preconceito, contra o totalitarismo, a luta pela democracia", a diretora Monique Gardenberg faz-me antecipar aqui uma afirmação que constará da próxima postagem: "Temos que defender ativamente nossa democracia, sempre. Não podemos acreditar que ela está garantida.".
"E, de repente, coisas que pareciam ter sido aprendidas pela humanidade, passam a conviver de novo com a gente como fantasmas", diz Gardenberg. Parecer ter sido aprendido, eis um dos enormes equívocos cometidos com assustadora frequência nesta civilização (sic) fundamentada no que parece, e não no que realmente seja. Um enorme equívoco de consequências muito bem expressas na seguinte afirmação da diretora: "Estamos à beira de reproduzir tragédias humanas daquelas proporções, se é que já não estamos reproduzindo". Vocês concordam que reproduzir tragédias tem tudo a ver com parecer ter aprendido? Parecer ter aprendido com tragédias anteriores?
"Muita gente parece não reconhecer que somos como somos hoje por causa do que aconteceu antes.", eis mais uma afirmação antecipada da próxima postagem. Vocês concordam que ela tem tudo a ver com a imprescindibilidade de olhar para trás defendida nesta?
Foram esses argumentos que usei para convencer-me a espalhar a compilação da reportagem de Gustavo Fioratti apresentada nesta postagem.

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