segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Darín

"Ser apenas você mesmo, em um mundo que se esforça ao máximo para torná-lo igual a todos os outros - significa enfrentar a mais árdua batalha que um ser humano pode enfrentar, sem jamais poder abandoná-la."
(e. e. cummings [1894 - 1962], citado em 1958)
Para quem usa a citação acima como ilustração em seu blog, encontrar na edição de 10 de novembro de 2019 da Revista Ela um texto de Martha Medeiros falando sobre Ricardo Darín foi uma coincidência significativa que não deveria ser desperdiçada. Sendo assim, eis minha colaboração para o espalhamento de um texto em que Martha "presta reverência" a alguém que classifica "não apenas como um grande ator, mas também como um grande ser humano".
Darín
Qual o segredo de Ricardo Darín? É a pergunta clássica feita aos que atingem uma rara unanimidade. Se há quem o despreze, é por desconhecer seu currículo ou por insolência boba – esnobar alguém que todo mundo gosta é um meio de se diferenciar. Eu sou do time que presta reverência a esse argentino que emenda um filme no outro sem medo de cansar a plateia – em vez de saturada, ela quer mais e mais e mais de Darín, extasiada com sua presença na tela e na vida.
Temos aí um ponto. Darín não é apenas um grande ator, mas um grande ser humano. E essa junção faz diferença, sim. Sucesso e inteireza se cumprimentam e até dormem juntas.
Se você já assistiu a alguma entrevista com ele, sabe que espécie de homem ele é (falo em assistir, e não ler uma entrevista, pois o olhar, a voz e os gestos de um entrevistado traduzem sua alma mais do que palavras impressas). Viralizou um depoimento que ele deu certa vez a um programa de tevê, em que afirma não ficar tentado a fazer carreira em Hollywood. "Para quê? Para interpretar um narcotraficante mexicano?" Darín não se interessa em promover estereótipos e não objetiva ter mais dinheiro do que tem. "Tomo dois banhos quentes por dia. Tenho uma família fenomenal. Recebo abraços das pessoas na rua. Preciso mais de quê?".
O ingênuo entrevistador comete a insensatez de sugerir jatinhos. Darín ri e não comenta, nem precisa. Jatinhos? Hangar, manutenção, combustível, funcionários. Jatinhos garantem um deslocamento fácil, mas e o deslocamento da realidade que vem embutido? Isolar-se não conecta pessoas.
Em vez de focar em ter fortuna, que induz ao excesso de consumismo, mil vezes trabalhar menos, voltar pra casa mais cedo e pedir uma pizza. Desculpe aí o provincianismo, sei que pode soar chocante.
Ricardo Darín esbanja integridade e retidão de caráter, e não apenas por interpretar homens de boa índole, como no excelente "A odisseia dos tontos", que está em cartaz – ele também já adicionou alguns vilões em sua filmografia. Darín é íntegro porque não se vende, não se deslumbra, não cai na esparrela de se comportar como um astro. Tem luz própria suficiente, consciência social, compreende a importância da moralidade e o seu talento dispensa caras e bocas. É másculo e sensível, o combo dos sonhos. Um sujeito confiável, que mantém o ego sob controle. Quantos desse tipo você conhece?
O autoendeusamento é não só ridículo, como entediante: a indústria do entretenimento produz semideuses em série, todos com o rótulo de "inatingível" grudado na testa. Darín poderia ser o vizinho da porta ao lado.
Mas não é, então vá ao cinema, nem que seja pra ter a sensação de que ele entraria no elevador e daria bom dia pra você.
Ricardo Darín esbanja integridade e retidão de caráter, e não apenas por interpretar homens de boa índole, como no excelente "A odisseia dos tontos", em cartaz
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"Falo em assistir, e não ler uma entrevista, pois o olhar, a voz e os gestos de um entrevistado traduzem sua alma mais do que palavras impressas.", diz Martha Medeiros em uma opinião com a qual concordo plenamente. Sendo assim, seguem dois endereços onde o imperdível "depoimento que Ricardo Darín deu certa vez a um programa de tevê" pode ser assistido.
Feita a sugestão, assisti-lo ou não passa a ser algo cuja decisão compete a cada um de vocês. Compreendido?

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