Que "a vida é uma caixinha de surpresas"
é algo que se pode aprender ao ouvir a história de Joseph Climber. Surpresas
que podem ser agradáveis ou desagradáveis e que quando agradáveis devem ser
espalhadas. Foi o que resolvi fazer ao encontrar na edição de 15 de maio de
2016 do jornal O Globo, uma
reportagem intitulada A filosofia de
Sandel no caldeirão da ética brasileira, assinada por Chico Otávio.
Tendo algum conhecimento sobre Michael Sandel
e sobre a ética (sic) brasileira, foi inevitável interessar-me pelo intrigante
titulo. Interesse que aumentou ao ler o subtítulo: Professor de Harvard conhece o 'jeitinho' em debate na TV e dá a receita para o país tirar o melhor proveito ético
da crise. Prossegui com a
leitura e na primeira frase do segundo parágrafo deparei com uma surpresa. "Michael
Sandel gravou para o Caldeirão do Huck na tarde de quinta-feira, no Rio, no
mesmo instante em que o presidente interino, Michel Temer, fazia o discurso de
posse em Brasília.", eis a frase.
Um filósofo no Caldeirão do Huck! É ou não é uma
surpresa?! Li a reportagem até o final e resolvi elaborar a partir dela uma
postagem para o blog Lendo e opinando.
Uma postagem a ser publicada sem demora devido à última frase nela apresentada:
"O Caldeirão com Michael Sandel vai ao ar no dia 4 de junho." Sim,
por mais incrível que possa parecer, a intenção é convidar as pessoas a
assistirem tal edição do referido programa, pois, no meu entender, assistir
Michael Sandel é algo que vale a pena, independentemente do lugar em que ele se
apresente.
Neste blog, para não interromper uma sequência
em andamento, deixei para este momento uma postagem focalizando a surpreendente
ida de Michael Sandel ao Caldeirão. A intenção de espalhar ideias de Sandel já é
antiga, mas algo que jamais imaginei é que a primeira postagem envolvendo o famoso filósofo contemporâneo fosse provocada por uma ida dele ao Caldeirão do
Huck. Não, não há como negar que "a vida é uma caixinha de
surpresas".
Michael Sandel é um filósofo americano,
titular do famoso curso "Justiça", da Universidade Harvard, professor
de tal Universidade e autor dos livros Justiça – o que
é fazer a coisa certa; O que o dinheiro não compra – Os limites morais do mercado; Contra a perfeição – Ética na era da engenharia genética, todos publicados em
português. Seguem alguns trechos extraídos da referida reportagem.
Convencido de que as escolhas éticas do dia a dia moldam o caráter dos cidadãos, o filósofo vê nos escândalos recentes que provocaram a mudança de comando no Brasil uma oportunidade de consolidação da democracia:- Uma das maneiras de se aprofundar a democracia é reduzir o poder corruptor do dinheiro em campanhas políticas por meio de leis mais fortes que regem financiamento de campanha, algo que não conseguimos fazer nos EUA. A outra é incentivar os movimentos da sociedade no sentido de permitir que as pessoas se façam ouvir, dotando os cidadãos de competências que as decisões democráticas exigem.Sandel também aposta no desenvolvimento de uma nova geração de líderes, "que não estejam contaminados pela associação com os partidos políticos desacreditados", e na busca de uma abordagem mais ética no debate das grandes questões, incluindo os valores. O filósofo defende ainda que a mídia mostre-se mais interessada no diálogo público sobre questões éticas e que o currículo escolar seja transformado para incluir a educação ética e cívica.
"Uma das maneiras de se aprofundar a
democracia é reduzir o poder corruptor do dinheiro em campanhas políticas (...),
algo que não conseguimos fazer nos EUA.", diz Michael Sandel. E ao falar
em "aprofundar a democracia", me faz lembrar uma afirmação que fiz em
várias das postagens mais recentes deste blog: "Nessa ideia de algo ainda
não consumado eu incluo coisas como civilização, sociedade, democracia e cidadania.". Sim,
democracia é algo ainda superficial, e consequentemente ainda não consumado, no
mundo em que vivemos. Algo que não se conseguiu aprofundar nem mesmo naquele
país que arvora-se em modelo de democracia, e de tudo que se possa imaginar.
Sandel "defende ainda que a mídia
mostre-se mais interessada no diálogo público sobre questões éticas e que o
currículo escolar seja transformado para incluir a educação ética e
cívica.". Realmente, Sandel defende coisas difíceis, hein! Em um mundo
onde as instituições escolares foram transformadas em formadoras de mão de obra
para um cada vez mais escasso mercado de trabalho, pretender que no currículo
escolar seja incluída a educação ética e cívica é algo pelo qual muito terá que
se lutar. E esperar que a minoria cada vez menor de bilionários donos das
megacorporações que controlam a mídia interesse-se pelo diálogo público sobre
questões éticas é algo que jamais caberá na minha imaginação, por mais ingênuo
que eu pudesse ser.
Segundo a reportagem, "Ao topar a ida ao
Caldeirão, onde repetiu o modelo de palestras levado mundo afora, no qual
interage com o público o tempo todo, Sandel disse que o objetivo era debater os
aspectos positivos do jeitinho - "criatividade, encontrando um caminho
através da burocracia ou ajudando um dos amigos" – e os negativos -
"tirar vantagem dos outros ou desrespeitar a lei". Ele percebeu que o
brasileiro, em geral, lida com duas éticas: a pública, que não se importa em
jogar lixo na rua ou comprar um produto ilegal, e a doméstica, na qual o mesmo
cidadão faz questão de manter a casa limpa e reclama quando vê um corrupto
exibido na tela da TV."
Sim, "a vida é uma caixinha de
surpresas", e no momento em que percebeu que o brasileiro lida com duas
éticas, foi para Sandel que a caixinha de surpresas abriu-se. Duas éticas que
podem ser sintetizadas em um estúpido lema seguido por uma estupenda quantidade
de residentes neste país: "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".
Sobre o objetivo de Sandel ao participar de palestras nas quais interage com o
público o tempo todo, ressalto aqui a menção feita na reportagem sobre a participação
de Sandel em um evento realizado na véspera da gravação para o Caldeirão. Em um
debate com jovens no Complexo do alemão, promovido pelas ONGs Mapa e Instituto PDR,
ele disse não ver problemas em popularizar o ensino da filosofia, pondo a
disciplina em contato com as camadas mais populares, como fez na TV.
- Alguns dos meus colegas acadêmicos escrevem sobre filosofia de uma forma altamente abstrata, técnica. Há um papel importante para o trabalho acadêmico especializado deste tipo. Mas eu também acho que é importante conectar a filosofia com o mundo, para nos ajudar a refletir sobre os dilemas éticos que enfrentamos em nossas vidas diárias. Eu acho que há espaço para ambas as abordagens para a filosofia. Para mim, a filosofia não reside nas nuvens, mas na cidade, onde os cidadãos se reúnem.
"Conectar a filosofia com o mundo, para
nos ajudar a refletir sobre os dilemas éticos que enfrentamos em nossas vidas
diárias. (...) Popularizar o ensino da filosofia, pondo-a em contato com as
camadas mais populares, pois para ele a filosofia não reside nas nuvens, mas na
cidade, onde os cidadãos se reúnem". Ao ler essas palavras de Sandel, lembrei
do seguinte episódio atribuído a Confúcio.
Confúcio certa vez mostrou vontade de entrar em contato com algumas tribos selvagens. E lhe perguntaram:
"- Por que este desejo? Eles são selvagens!"
"- Mas se um tipo de homem mais adiantado não for até eles, como poderão sair do estado de selvagens?"
Guardadas as devidas proporções, o episódio
acima leva-me ao seguinte questionamento. Se ninguém se dispuser a ir a
ambientes onde a filosofia esteja ausente, como poderão os indivíduos que os
frequentam aprender alguma coisa que seja capaz de torná-los aptos para "refletir
sobre os dilemas éticos que enfrentam em suas vidas diárias"? Sendo assim,
embora creia que não será assistindo regularmente ao Caldeirão que as pessoas
tornar-se-ão eticamente melhores, creio, porém, que assistir a essa edição que
conta com a presença do famoso filósofo contemporâneo seja uma oportunidade
para nelas despertar algum interesse pela filosofia.
A deplorável condição moral em que está imerso
este planeta tem tudo a ver com o desprezo que foi dado aos saberes humanísticos
e a exagerada importância dada aos conhecimentos profissionalizantes. Saberes humanísticos
cuja reabilitação é condição imprescindível para começarmos a mudar, para
melhor, a triste condição em que nos encontramos, pois como afirmou Alexis
Carrel "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas;
mas, sim o do homem". É em função desse progresso que aprecio o trabalho
de divulgação da filosofia realizado por Michael Sandel. "A humanidade não
é ruim está apenas desinformada", diz uma frase usada na propaganda do
primeiro filme da série X-MEN. Enxergo a atitude de Sandel como uma contribuição para informá-la
sobre algo imprescindível ao progresso pelo qual ela deveria, verdadeiramente, interessar-se,
o do homem.
A título de esclarecimento, comunico que esta
postagem é muito diferente da publicada no blog Lendo e opinando. Aquela tem inclusive outro título, pois é homônima
da reportagem: A filosofia de Sandel
no caldeirão da ética brasileira.
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