Nesta civilização onde os dias do ano são chamados
dia disto ou dia daquilo, vocês já ouviram falar em Dia do Silêncio? Como é que
é?! Dia do Silêncio?! Bom da cabeça o Guedes jamais deve ter sido, mas agora
ele parece ter pirado de vez! Como é que em plena era da comunicação, com as
pessoas falando cada vez mais, ele vem com essa ideia de Dia do Silêncio?! Onde
é que ele descobre essas coisas?! Eis algumas das espantadas perguntas que imagino
que tenham passado por várias cabeças boas após a leitura da primeira linha
desta postagem. Acertei?
Respondendo a última das
perguntas imaginárias, digo que a descoberta do Dia do Silêncio aconteceu ao
ler um texto publicado na edição de maio de 1996 de uma publicação intitulada Alvorecer que era distribuída em lojas de
produtos naturais. Tentei descobrir como e onde surgiu tal dia, mas nada
encontrei. Nem no "oráculo" dos internautas encontrei tais informações.
O máximo que consegui foi confirmar sua existência por intermédio de alguns sites
de datas comemorativas e nos quais ele aparece no dia 7 de maio. Sendo assim, considerando
que datas comemorativas devem ser criadas com a intenção de lembrar a
importância do que se deseja comemorar, seguem alguns argumentos que, no meu
entender, podem justificar a criação do Dia
do Silêncio.
"De todos os sentidos, o mais importante
para a aprendizagem do amor, da vida em conjunto e da cidadania é a audição. Disse
o escritor sagrado: 'No princípio era o verbo'. Eu acrescento:
'Antes do verbo, era o silêncio.' É do silêncio que nasce o ouvir. Só
posso ouvir a palavra se meus ruídos interiores forem silenciados. Só posso
ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Quem fala muito não
ouve."
O parágrafo acima foi copiado de um texto de
Rubem Alves intitulado Ouvir para aprender, publicado na edição de 21 de dezembro de 2004 da revista Sinapse,
uma extinta publicação mensal do jornal Folha de S. Paulo. Quem fala muito não ouve, diz Rubem
Alves, em uma afirmação incontestável, pois para quem fala muito não sobra
tempo para ouvir, e falar e ouvir simultaneamente é uma demonstração inequívoca
de desinteresse por aquilo que ouve, ou melhor, por aquilo que não ouve.
Falar muito e cada vez mais, e
consequentemente ouvir pouco e cada vez menos, eis um dos grandes males desta insana
civilização (sic) onde a cada dia são mais aplicáveis algumas afirmações feitas por
Rollo May, há 61 anos, em seu livro O
homem à procura de si mesmo e repetidas no parágrafo abaixo.
"Importante
não é o que se diz, e sim que haja sempre alguém falando. O silêncio é um
grande crime, pois significa solidão e medo. Não se deve aprofundar as
sensações, nem levar muito a sério o que se diz. Aparentemente as palavras
produzem mais efeito se a pessoa não tenta compreendê-las."
O silêncio é um grande
crime, pois significa solidão e medo, diz Rollo May. E nesta sociedade onde tantos
crimes reais são cometidos, é justamente diante desse crime figurado que as
pessoas não se sentem bem, conforme afirma Rubem Alves nos dois trechos de Ouvir para Aprender apresentados a seguir.
"Não nos sentimos em casa no silêncio.
Quando a conversa pára por não haver o que dizer, tratamos logo de falar
qualquer coisa, para pôr um fim ao silêncio. Vez por outra tenho vontade de
escrever um ensaio sobre a psicologia dos elevadores. Ali estamos, nós dois, fechados
naquele cubículo. Um diante do outro. Olhamos nos olhos um do outro? Ou olhamos
para o chão? Nada temos a falar. Esse silêncio é como se fosse uma ofensa. Aí
falamos sobre o tempo. Mas nós dois bem sabemos que se trata de uma farsa para
encher o tempo até que o elevador pare."
"Os orientais entendem melhor do que nós. Se
não me engano, o nome do filme em que vi esta cena é 'Aconteceu em
Tóquio'. Duas velhinhas se visitavam. Por horas ficavam juntas, sem dizer
uma única palavra. Nada diziam porque no seu silêncio morava um mundo. Faziam
silêncio não por não ter nada a dizer, mas porque o que tinham a dizer não
cabia em palavras. A filosofia ocidental é obcecada pela questão do ser. A
filosofia oriental, pela questão do vazio, do nada. É no vazio da jarra que se
colocam flores."
Comecei citando Rubem Alves que diz que "quem
fala muito não ouve". Prossegui citando Rollo May que diz que "importante não é
o que se diz, e sim que haja sempre alguém falando". E torno a citar Rubem
Alves para repetir algo dito na primeira citação: "De todos os sentidos, o
mais importante para a aprendizagem do amor, da vida em conjunto e da cidadania
é a audição. (...) É do silêncio que nasce o ouvir."
É do silêncio que
nasce o ouvir. E é o ouvir que propicia a
aprendizagem do amor, da vida em conjunto e da cidadania, ou seja, o
aprendizado dos mais nobres valores. Os valores imprescindíveis à construção de
uma civilização que faça jus a esta denominação.
Silêncio cuja obtenção torna-se cada vez mais
difícil devido ao nosso fascínio pela estonteante evolução tecnológica que
vivenciamos. Evolução que possibilita às empresas de telefonia (espicaçadas
pela maximização de seus lucros) estimular os incautos a falarem cada vez mais,
embora tenham cada vez menos o que dizer, se considerarmos a relevância daquilo
que se fala.
Fale Mais / Fale
Ilimitado, eis o nome de dois planos lançados por empresas de telefonia.
Planos cujo contraponto pode ser Faça Menos Silêncio / Faça Silêncio Limitado.
E se é do silêncio que nasce o ouvir, o contraponto também pode ser Ouça Menos
/ Ouça Limitado. E se é o ouvir que propicia a aprendizagem do amor, da vida em
conjunto e da cidadania, a consequência da adesão ao Fale Mais / Fale Ilimitado é a não aprendizagem de tais valores,
não é mesmo? Não aprendizagem da qual resulta um mundo cada vez mais violento e
que impede a construção de uma civilização que fazendo jus a esta denominação
possibilite-nos, finalmente, conseguir viver em conjunto, com amor e com
cidadania.
Considerando que não
falar demais em blogs e assemelhados é uma forma de propiciar aos seguidores e
leitores o silêncio necessário para refletirem sobre o que lerem (não só aqui,
mas também em outros lugares), encerro esta postagem prometendo-lhes não
publicar outra antes do próximo domingo (outra data comemorativa), pois postar
freneticamente é outra maneira de prejudicar o silêncio de seguidores e
leitores.
Na esperança de ter conseguido justificar a existência
do Dia do Silêncio, deixo aqui o
meu desejo de que tenham um ótimo dia. E considerando que a finalidade de datas
comemorativas é lembrar a importância do que se comemora, a intenção desta
postagem é lembrá-los da importância de desfrutarem de momentos de silêncio em
todos os dias do ano. Quanto
a tentar convencê-los de que ainda não pirei de vez é algo que não passa pela
minha cabeça. Até porque tentar convencer alguém de algo que nós mesmos não
estejamos convencidos é algo que não se deve fazer, não é mesmo?
2 comentários:
Olá Guedes, embora não tenha lido todas as suas postagens, as que li gostei, e em especial esta última do silencio. Há muito tempo ouvi uma definição da palavra INTIMIDADE como sendo "a possibilidade de arrumar um armário na presença do outro em silencio". Infelizmente não me lembro a fonte para citá-la. Quando penso a respeito, imagino que muitas vezes a necessidade frenética de falar seja para suprir a lacuna de uma natural intimidade que dispensa palavras desnecessárias.Grata
Olá Rosangela,
É uma enorme satisfação receber o primeiro comentário de uma seguidora do blog, e agradeço pela atenção dada a ele. Gostei muito da definição de INTIMIDADE citada por você. INTIMIDADE é "a possibilidade de arrumar um armário na presença do outro em silencio". Interessante é que, no meu entender, tanto tal definição quanto o que você pensa a respeito dela têm muito a ver com algo dito por Rubem Alves e citado na postagem. "Duas velhinhas se visitavam. Por horas ficavam juntas, sem dizer uma única palavra. Nada diziam porque no seu silêncio morava um mundo. Faziam silêncio não por não ter nada a dizer, mas porque o que tinham a dizer não cabia em palavras". Você concorda?
Espero que continue encontrando postagens que lhe agradem e que volte a comentar alguma que julgue merecer um comentário.
Abraços,
Guedes
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