A atividade
profissional que desempenhei durante 3,5 décadas identificava-se perfeitamente
com o que Nathalie de Etievan defende em seu maravilhoso texto (A importância de buscar: não saber é
formidável) recentemente publicado neste blog. Como analista de sistemas,
minha função era interagir com usuários, aprender as tarefas desempenhadas por
eles, procurar melhorar a maneira de executá-las e desenvolver um sistema de
informações que os ajudasse a realizá-las de forma correta e confortável. Era
um verdadeiro show de não saber
e de buscar. Eu não sabia o que os usuários faziam, eles
não sabiam estruturar as informações que recebiam e as que forneciam, e juntos precisávamos buscar um sistema que armazenasse tais informações de modo a
possibilitar sua recuperação quando isso fosse necessário. Era esse o trabalho de um
verdadeiro analista de sistemas.
Era, pois após o surgimento de algo denominado
"as melhores práticas" tais profissionais passaram a fazer algo
totalmente diferente. Em vez de procurar descobrir o que os usuários precisam, perguntam
o que eles querem. E quando o sistema implantado não atende as necessidades dos
usuários (o que ocorre na maioria das vezes), com a maior desfaçatez, alegam
que a culpa é dos usuários, dizendo que eles não sabem o que querem. Tenho opinião completamente
diferente. Se existe alguém que não sabe alguma coisa nessa história esse alguém são os
analistas de sistemas. Eles não sabem qual é o seu papel. Comparo a
alegação que
o sistema não funciona porque o usuário não sabe o que quer com a
afirmação que o doente não ficou curado porque não sabia o tratamento
que queria. É uma
autêntica demonstração de não saber
que cabe ao profissional descobrir as necessidades de seus clientes (sejam usuários de
sistemas de informações ou pacientes) e buscar uma solução que supra tais necessidades. E esse não saber nada tem de formidável, e sim de lamentável
Lamentável sob mais de um aspecto. No longo período em que atuei como analista de sistemas, os usuários com
os quais trabalhei tornaram-se meus amigos. Cheguei a receber uma placa da qual constam
as seguintes palavras: "Guedes, Nós,
seus amigos e companheiros de trabalho gostaríamos de agradecer pelo
profissionalismo e amizade, sempre presentes em seu estilo de trabalho,
(...)". Mas após o advento das tais das "melhores
práticas" o que passei a presenciar foi uma crescente animosidade entre analistas de
sistemas e usuários. Como o uso das "melhores práticas" costuma
produzir os piores resultados, analistas e usuários tornam-se inimigos que
culpam uns aos outros pelo fracasso dos sistemas. Os analistas, conforme já
citado acima, alegam que os usuários não sabem o que querem e os usuários alegam
que os analistas não sabem o que fazem.
Por já possuir tempo suficiente para solicitar
a aposentadoria (apesar da perda financeira dela decorrente), o advento das
"melhores práticas" tornou mais fácil decidir solicitá-la. Para quem trabalhara durante longo tempo desenvolvendo sistemas que atendiam as
necessidades dos usuários, ficara cada vez mais insuportável trabalhar usando práticas que produzem coisas que lembram aquilo que gatos cobrem com areia ou com terra.
Para aqueles que atuaram como verdadeiros
analistas de sistemas e para usuários que interagiram com eles, creio que esta
postagem traz um pouco de nostalgia. Para os atuais analistas e respectivos usuários
ela serve para mostrar que a animosidade entre tais profissionais é algo que
nem sempre existiu. Para as vítimas dessa coisa chamada sistema (cada vez mais
há um sistema por trás de tudo o que ocorre nesta sociedade), esta postagem serve
para mostrar por que sistemas falham tanto. É por serem desenvolvidos por
profissionais que desconhecem a importância de não saber qual seja o sistema
que resolverá os problemas dos usuários, pois se conhecessem entenderiam que sistemas
que realmente atendem as necessidades dos usuários não podem ser desenvolvidos
a partir do que os usuários querem, nem por pacotes de software que os
fornecedores querem que os compradores acreditem que atenderão suas
necessidades. O êxito no desenvolvimento de sistemas de informações tem tudo a
ver com as seguintes palavras de Nathalie de Etievan, copiadas de seu
maravilhoso texto que originou as postagens mais recentes deste blog.
"Em nossas ideias sobre a educação, damos um lugar prioritário à busca, procurando interessar a criança, motivando-a, buscando junto com ela e compartilhando o entusiasmo dessa coisa extraordinária que é buscar. Às vezes, o resultado pode desconcertar, porque não é o que se esperava. Na busca, não se deve projetar o resultado: deve-se ir aberto. Do contrário não é uma busca."
Reescrevendo o parágrafo acima com o olhar de um
verdadeiro analista de sistemas, resulta a seguinte analogia:
"Em nossas ideias sobre desenvolvimento de sistemas de informações, devemos dar um lugar prioritário à busca, procurando interessar os usuários, motivando-os, buscando junto com eles e compartilhando o entusiasmo dessa coisa extraordinária que é buscar. Às vezes, o resultado pode desconcertar, porque não é o que se esperava. Na busca, não se deve projetar o resultado: deve-se ir aberto. Do contrário não é uma busca."
Do contrário não resultará um sistema de
informações que atende as necessidades dos usuários. Será mais um lamentável
exemplo de descaso com a importância de "não saber" e de
"buscar".
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