Continuação de domingo, 23 de junho
"O problema é grave e tende a piorar, uma vez que a interação humana com a tecnologia se tornará cada vez mais íntima e onipresente.", diz Claudia Penteado."'O futuro dessa interação dependerá em grande parte de como escolhemos moldá-la. Podemos projetar tecnologias que promovam a conexão genuína, o crescimento pessoal e o bem-estar coletivo ou podemos permitir que as tecnologias nos manipulem e nos isolem. O futuro da nossa interação com a tecnologia está nas nossas mãos, e é crucial que façamos escolhas conscientes sobre o tipo de futuro que queremos criar.', observa Nolan Gertz.""É preciso, na sua visão, que as pessoas em geral se levantem e rejeitem as 'inovações', para forçar as empresas de tecnologia a fazerem mudanças reais que beneficiem a humanidade, e não apenas a si mesmas – como ocorreu com o lançamento do Google Glass", exemplifica Gertz, diz Claudia Penteado em seu excelente artigo.
E ao ler que "É preciso que as pessoas em geral se
levantem e rejeitem as 'inovações', para forçar as empresas de tecnologia a
fazerem mudanças reais que beneficiem a humanidade, e não apenas a si
mesmas", me veem à mente as palavras extraídas de um texto de Douglas
Rushkoff espalhado recentemente em duas postagens intituladas Equipe Humana (I) e Equipe Humana (final) e reproduzidas nos três próximos parágrafos.
"As redes digitais são apenas a mídia mais recente a passar da promoção de vínculos sociais para a destruição deles - de promoção da humanidade para sua suplantação. No entanto, nossa mudança atual pode ser mais profunda e permanente, porque desta vez estamos habilitando tecnologias anti-humanas com a capacidade de se reformular. Nossos dispositivos inteligentes avançam e evoluem mais rápido do que nossa biologia.Entretanto a velocidade sem precedentes dessa última reversão do alcance social para a aniquilação social também nos oferece uma oportunidade de entender o processo pelo qual isso acontece. Assim que o fizermos, reconheceremos como isso ocorreu de inúmeras maneiras ao longo da história – da agricultura e da educação ao dinheiro e à democracia."Nós, humanos - em uma única geração - estamos passando por uma virada no ciclo em tempo real. Esta é a nossa chance. Podemos escolher não mais nos adaptar a ela, mas nos opor a ela."
"Rejeitar
'inovações', para forçar as empresas de tecnologia a fazerem mudanças que
beneficiem a humanidade, e não apenas a si mesmas.", exemplifica Nolan Gertz;
"Escolher não mais nos adaptar", recomenda Douglas Rushkoff. Ou seja,
dito de outra forma, a recomendação é trocar o comportamento passivo de "aceitar
as coisas que eu não posso mudar", recomendado pelo teólogo
norte-americano Reinhold Niebuhr (1892 – 1971) em uma prece conhecida como Prece da Serenidade, pelo comportamento ativo
de "mudar as coisas que eu não posso aceitar" recomendado pela
professora e filósofa norte-americana Angela Davis (1944).
É uma
troca difícil? Sim. É uma troca impossível? Não, pois como disse Bertolt
Brecht, "Nada deve parecer natural; nada deve parecer impossível de
mudar." É uma troca imprescindível? Sim, pois como diz Dumbledore, o mago
barbudo do filme Harry Potter e o Cálice
de Fogo: "Tempos difíceis estão por vir e,
em breve, teremos que escolher entre o que é certo e o que é fácil.". Escolha que
eu enxergo como sendo a escolha entre "mudar as coisas que eu não posso
aceitar" (o certo) ou "aceitar as coisas que eu não posso mudar"
(o fácil); a escolha entre as recomendações de Reinhold Niebuhr e de Angela
Davis.
Provocado
pela recomendação de Douglas Rushkoff de "Escolher não mais nos
adaptar" (citada no segundo parágrafo acima), o método das recordações
sucessivas foi buscar na minha memória algo que ouvi o extraordinário Sebastião
Salgado dizer em um antigo programa de entrevistas apresentado por uma emissora
de televisão, que é mais ou menos assim: "a capacidade do ser humano
adaptar-se a tudo é vista como uma vantagem, porém ela pode ser vista também
como uma desvantagem: a de adaptar-se a coisas contra as quais ele deveria se
rebelar." Concordo plenamente com ele.
Faz
sentido considerar a troca recomendada no terceiro parágrafo acima uma utopia?
Depende do que se entende por utopia. "Utopia hoje é acreditar que tudo
continuará como está.", eis uma afirmação que encontrei em uma sinopse de
um livro intitulado Como tudo pode
desmoronar, de autoria de Pablo Servigne e Raphael Stevens, lançado
recentemente. "Quando me dizem 'você
é um utópico', digo: 'a única utopia de fato é acreditar que as coisas podem
seguir indefinidamente seu curso atual'.",
eis uma afirmação que encontrei em um artigo do filósofo esloveno Slavoj Zizek
publicado na edição de 28 de maio de 2011 no jornal O Globo. Você considera a
referida troca uma utopia?
Considerando que o filme citado no
terceiro parágrafo acima é de 2005, será que o "em
breve" já pode ser retirado, pois os tempos difíceis que estavam por vir
já vieram?
Acreditar que seja impossível a ocorrência de uma determinada
tragédia, eis a primeira condição para torná-la possível, pois tal crença
implica em nada ser feito para evita-la nem para
preparar-se adequadamente para enfrenta-la. Você conhece a história do
Titanic, um navio que, por se acreditar que seria impossível afundar (devido à tecnologia
usada em sua construção), não foi preparado para enfrentar um naufrágio e,
consequentemente, deu no que deu? Pois é.
Acreditar,
equivocadamente, que a tecnologia seja algo amoral - algo que pode ser usado
para o bem e para o mal – e não algo - na maioria das vezes - desenvolvido com
a intenção de beneficiar apenas as empresas que a desenvolvem, eis a primeira
condição para tornar-nos "passageiros de um novo Titanic".
"Os filósofos são bons em fazer perguntas, especialmente quando se trata de tentar pensar em como os avanços tecnológicos podem dar errado ou pelo menos não acontecer como esperado.", diz o professor de filosofia e pesquisador americano Nolan Gertz.
Sim, "Tentar pensar em como os avanços tecnológicos
podem dar errado ou pelo menos não acontecer como esperado.", e não
levianamente acreditar que tudo o que a tecnologia nos oferece é para o nosso bem,
eis algo sobre o qual entendo que deveríamos refletir.
"Com seu trabalho de pesquisador, escritor e palestrante, Gertz tem procurado fazer provocações, na tentativa de inspirar e engajar as pessoas para que elas tentem fazer mais perguntas e não se contentem com as respostas que veem sendo dadas.", diz Claudia Penteado.
Com meu trabalho de espalhador de ideias, o que tenho
procurado fazer é algo semelhante ao que faz Nolan Gertz. E que, no meu
entender, todas as pessoas que ainda não desistiram de atuar na construção de
algo que algum dia possa fazer jus ao termo civilização, mesmo que já não
estejam nesta dimensão quando isso vier a ocorrer, também deveriam fazer.
Termina
em algum dia da próxima semana
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