"Quando as pessoas olham para o smartphone, não enxergam apenas um objeto, mas um portal para o mundo. (...) O aparelho se torna um modo de fazê-lo enxergar a si próprio e o mundo ao redor. É aí que as coisas começam a se complicar, porque embora a tecnologia pareça ser essencialmente amoral, apenas uma ferramenta que pode ser usada para o bem e para o mal, quando ela tem a capacidade de moldar como vemos o mundo, passa a ter implicações éticas intrínsecas, que é preciso reconhecer - e abordar. Neste sentido, demanda maior reflexão e pensamento crítico no seu uso - e é justamente aí que entra a filosofia, com seu papel de ajudar a pensar o mundo e a vida."
"Porque embora a tecnologia pareça ser
essencialmente amoral, apenas uma ferramenta que pode ser usada para o bem e
para o mal, quando ela tem a capacidade de moldar como vemos o mundo, passa a
ter implicações éticas intrínsecas, que é preciso reconhecer - e abordar.",
diz o professor de filosofia e pesquisador americano Nolan Gertz na excelente
reportagem de Claudia Penteado.
E "quando ela tem a capacidade de moldar como vemos
o mundo", no meu entender, ela passa a ter também a capacidade de impedir
que a maioria os integrantes da autodenominada espécie inteligente do universo consiga
perceber que, embora pareça ser correta, a usadíssima frase do renomado
escritor de ficção científica William Gibson é um verdadeiro engodo. Qual é a
frase? "A tecnologia não é boa nem má; depende de como a usamos.". Quando
a tecnologia tem a capacidade de moldar como vemos o mundo e de nos viciar no
seu uso, no meu entender, deixa de fazer qualquer sentido considerá-la algo amoral
- algo que pode ser usado para o bem e para o mal. É impressionante a
facilidade com que a maioria dos integrantes da referida espécie sai por aí
repetindo frases sobre as quais jamais refletiu, o que consequentemente a
impede de nelas enxergar sua não conformidade com a realidade.
"Em seu livro 'Nihilism and Technology' (Niilismo e Tecnologia, 2018), Gertz afirma que a tecnologia exacerba o niilismo do ser humano: ao usar a tecnologia para evitar o tédio, o ser humano evita questionar a razão do seu tédio, e com isso acaba por se afastar de questões muito maiores, como o significado e o propósito da vida.", diz Claudia Penteado."Usar a tecnologia para combater o tédio nos impede de enfrentar e entendê-lo. O tédio não é apenas uma falta de estímulo. É uma oportunidade para reflexão e questionamento sobre nossas vidas e valores. Estamos perdendo oportunidades de autoconhecimento e crescimento pessoal", diz Gertz.
E ao ler o que dizem Claudia e Gertz, me vem à mente a seguinte
afirmação do renomado sociólogo polonês Zigmunt Bauman (1925 - 2017):
"Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar
respostas para os problemas que a afligem." Afirmação cuja veracidade, no
meu entender, está plenamente confirmada nestes sinistros tempos.
"Gertz chama de niilismo a tentativa de escapar do confronto com a realidade, imaginando 'mundos melhores' que a tecnologia poderia tornar possível.O problema do modelo de design tecnológico 'lazer como libertação' é o defeito que o filósofo Friedrich Nietzsche identificou pela primeira vez há mais de 100 anos como a doença do niilismo. É o abraço do nada, de não se importar, a crença de que nada importa, diz Gertz ao Valor.Isso faz com que, diante dos problemas que se apresentam, muitas pessoas prefiram simplesmente não pensar a respeito, sentar diante de uma tela e assistir a uma nova temporada de sua série favorita."
"Imaginar 'mundos melhores' que a tecnologia poderia
tornar possível; escapar do confronto com a realidade; preferir simplesmente não
pensar a respeito dos problemas que se apresentam; sentar diante de uma tela e
assistir a uma nova temporada de sua série favorita.", eis um autêntico "combo"
de práticas para o qual muito contribui o fascínio por essa coisa,
equivocadamente, classificada como amoral - a tecnologia.
"Enquanto a tecnologia nos dá robôs para limpar as casas, drones para entregar pacotes, aplicativos que ajudam a encontrar empregos, carros que dirigem sozinhos e algoritmos que nos dizem o que gostamos e o que deveríamos fazer, nos dá também uma falsa sensação de liberdade, que nos leva a uma inércia, que faz com que não estejamos, como humanidade, pensando e agindo de maneira mais efetiva diante da iminente catástrofe climática, das crises de refugiados e das ameaças fascistas. É uma espécie de desumanização, embora se acredite exatamente no contrário.", diz Gertz.
Há uma expressão corriqueiramente usada por dez em cada
dez entrevistados que diz o seguinte: "isso é uma coisa que eu vou levar
para a minha vida"? Pois é! Tendo, durante a minha trajetória profissional
como analista de sistemas, interagido com profissionais da área contábil com
eles aprendi algumas coisas que levei para a minha vida. Uma delas é o Método
das Partidas Dobradas, no qual está fundamentada a Contabilidade. Método
que diz o seguinte: "Cada transação financeira é registrada na forma de
entradas em pelo menos duas contas nas quais o total de débitos deve ser igual
ao total de créditos". Por que cito-o aqui? Porque vejo-o como uma
daquelas coisas criadas com uma finalidade cujo uso pode ser estendido a inúmeras
aplicações.
Você concorda que todas as criações humanas podem ser
vistas como algo registrável em pelo menos "duas contas" nas quais o
total de benefícios deve ser comparado com o total de malefícios? Você consegue enxergar
o Método das Partidas Dobradas como algo aplicável à tecnologia? Eu
consigo. Será que o que é dito no segundo parágrafo acima pode caracterizar um
exemplo da aplicação de tal método? No meu entender, sim, eu explico.
"Enquanto a tecnologia nos dá robôs para limpar as casas, drones para entregar pacotes, aplicativos que ajudam a encontrar empregos, carros que dirigem sozinhos e algoritmos que nos dizem o que gostamos e o que deveríamos fazer.""Nos dá também uma falsa sensação de liberdade, que nos leva a uma inércia, que faz com que não estejamos, como humanidade, pensando e agindo de maneira mais efetiva diante da iminente catástrofe climática, das crises de refugiados e das ameaças fascistas. É uma espécie de desumanização, embora se acredite exatamente no contrário."
Você consegue enxergar que a praticidade que "a
tecnologia nos dá com robôs para limpar as casas, drones para entregar pacotes,
aplicativos que ajudam a encontrar empregos, carros que dirigem sozinhos e
algoritmos que nos dizem o que gostamos e o que deveríamos fazer" tem como
contrapartida "uma falsa sensação de liberdade, que nos leva a uma
inércia, que faz com que não estejamos, como humanidade, pensando e agindo de
maneira mais efetiva diante da iminente catástrofe climática, das crises de
refugiados e das ameaças fascistas. É uma espécie de desumanização, embora se
acredite exatamente no contrário."?
Continua ou termina em algum dia deste mês que não consegui definir
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