"O primeiro passo para reverter nossa situação é reconhecer que ser humano é um esporte coletivo. Não podemos ser totalmente humanos sozinhos.", afirma Douglas Rushkoff em seu extraordinário livro Equipe Humana.
Sim, "Não
podemos ser totalmente humanos sozinhos.", até porque "totalmente
sozinhos" sequer sobreviveríamos nesta dimensão onde chegamos em um frágil
corpo de bebê. Como diz Joan Chittister em seu livro Bem-vindo à
sabedoria do mundo – O que as grandes religiões nos ensinam para viver melhor: "Viemos a este mundo, desde o
momento do nascimento, incapazes de agir sem a ajuda de outros.". E ela
acrescenta:
"Crescemos, então, nesse nosso propósito: cuidar daqueles que estão ao nosso redor, de forma que, cuidando uns dos outros, possamos todos viver seguros no conhecimento de que somos protegidos e queridos, necessários e amados."
"Incapazes
de agir sem a ajuda de outros e crescendo no propósito de cuidarmos uns dos outros",
ou seja, necessitando atuar como uma autêntica equipe; uma equipe humana. Atuarmos
como uma autêntica equipe humana, eis uma condição imprescindível para
conseguirmos o que é dito na primeira frase desta postagem: "dar o
primeiro passo para reverter nossa situação". Situação engendrada pela perda
de algo citado por Vladimir Maiakovski (1893-1930) na seguinte afirmação: "Cada
um, ao nascer, traz sua dose de amor. Mas os empregos, o dinheiro, tudo isso,
nos resseca o solo do coração".
E no "tudo
isso, nos resseca o solo do coração", citado por Maiakovski, eu incluo a "presunção
da inferioridade humana e sua irrelevância em relação à tecnologia,
principalmente às tecnologias digitais", algo citado por Rushkoff em seu
extraordinário texto, e inexistente no curto período que Maiakovski esteve nesta
dimensão.
"Em vez de engendrar novos relacionamentos entre as pessoas, as tecnologias digitais vieram para substituí-los por outra coisa. Vivemos com uma abundância de tecnologias de comunicação à nossa disposição. No entanto também estamos mais sozinhos e atomizados do que nunca. Elas estão substituindo e desvalorizando nossa humanidade, minando, de muitas maneiras, o respeito que temos uns pelos outros e por nós mesmos. Infelizmente, isso foi planejado. Mas também é por essa razão que isso pode ser revertido.", diz Rushkoff.
"Infelizmente,
isso foi planejado. Mas também é por essa razão que isso pode ser
revertido.", embora, também infelizmente, reverter seja algo dificílimo de
ser feito, pois uma condição sine qua non
para reverter uma situação é a percepção, dos nela envolvidos, de que ela não lhes
convém. Percepção essa inexistente na imensa maioria dos integrantes desta
sociedade. Afetada por um estonteante desenvolvimento tecnológico, a referida
maioria adere a toda e qualquer bugiganga tecnológica que lhe seja oferecida,
sem qualquer questionamento, acreditando que dessa forma está, simplesmente,
acompanhando uma coisa inevitável denominada progresso.
Em 1957,
ou seja, há 67 anos, o filósofo alemão Gunther Anders (1902 – 1992) fez a
seguinte afirmação: "O fascínio pelo progresso nos faz cegos para o apocalipse".
Troque-se "pelo progresso” por "pelas tecnologias" e, no meu
entender, a afirmação de Anders permanece válida. Até porque, em desacordo com
uma afirmação de Alexis Carrel
(1873-1944), cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo francês que, em 1912,
recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, que diz que - "A
civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do
homem."-, até hoje, o que se viu neste sinistro planeta foi o progresso das
máquinas, das tecnologias, não o do homem.
E ao
redigir o parágrafo anterior, o método das recordações sucessivas fez-me lembrar
dos dois trechos do livro O Ato da
Vontade, de Roberto Assagioli, publicado há 51 anos (em 1973), reproduzidos a seguir.
"Se um homem de uma civilização anterior à nossa – um grego da Antiguidade, digamos, ou um romano – aparecesse de súbito entre os seres humanos do presente, suas primeiras impressões o levariam a considerá-los uma raça de mágicos, de semideuses. Mas fosse um Platão ou um Marco Aurélio e se recusasse a ficar deslumbrado ante as maravilhas materiais criadas pela tecnologia avançada e examinasse a condição humana com mais cuidado, suas primeiras impressões dariam lugar a uma grande consternação.Notaria logo que o homem, não obstante o imponente grau de domínio sobre a natureza, possui um controle muito limitado sobre o seu interior. (...) Verificaria que esse pretenso semideus que controla grandes forças elétricas com o mover de um dedo e inunda o ar de sons e imagens para divertimento de milhões de pessoas – é incapaz de lidar com as próprias emoções, impulsos e desejos."
Ou seja, o que um homem de uma
civilização anterior à nossa - um grego da Antiguidade, digamos, ou um romano -
verificaria logo é que diante da necessidade de evoluir em várias dimensões, o
homem decidiu evoluir unicamente na dimensão tecnológica e deixar de lado a
humana.
"Engenheiros de nossas principais empresas de tecnologia e universidades tendem a ver as pessoas como o problema e a tecnologia como a solução. Quando eles não estão desenvolvendo interfaces para nos controlar, estão construindo inteligências para nos substituir. Qualquer uma dessas tecnologias poderia ser direcionada para ampliar as nossas capacidades humanas e o poder da coletividade. Em vez disso, elas são implantadas de acordo com as demandas de um mercado, uma esfera política e uma estrutura de poder que dependem do isolamento humano e da previsibilidade para operar.", diz Rushkoff.
"Ver
as pessoas como o problema e a tecnologia como a solução.", eis a visão de mundo "dos
engenheiros de nossas principais empresas de tecnologia e universidades" (a
serviço daqueles que se consideram donos deste planeta). E vendo-o assim, eles partem para o desenvolvimento de
interfaces para controlar as pessoas e para a construção de inteligências para substituí-las."
Desenvolvimento de interfaces que levem as pessoas a terem mais experiências
mediadas do que diretamente vividas; experiências que em vez de facilitarem a
formação de vínculos entre as pessoas, o que fazem e impedir a criação de
vínculos.
Embora seu
uso mais comum seja em relação à adultério, seu sentido foi ampliado para
várias outras situações, entre elas as interações humanas. Do que estou
falando? De um velho provérbio popular difundido em vários países, segundo o qual,
"O que os olhos não vêem o coração não sente." Criar vínculos entre
pessoas que só se vêem intermediadas por máquinas, eis algo praticamente
impossível, pois a criação de vínculos humanos
exige interações humanas, interações diretas
entre seres humanos. Portanto, "Impedir o contato social e explorar a
desorientação e o desespero decorrentes." (Usando palavras de Rushkoff), eis
o que talvez seja a forma de realizar o controle social escolhida por aqueles
que se consideram donos deste sinistro planeta.
Dando
continuidade às reflexões iniciadas nesta, a próxima postagem começa falando
sobre controle social.
Termina em algum dia da próxima semana
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