Continuação
de terça-feira - 21 de maio
"O controle social busca impedir o contato social e explorar a desorientação e o desespero decorrentes. Os seres humanos evoluíram com a capacidade de engendrar um número maior de conexões sociais. Pessoas realizadas sob o ponto de vista social precisam de menos dinheiro, sentem menos vergonha, comportam-se de forma menos previsível e agem de maneira mais autônoma.Pessoas que pensam, sentem e estão conectadas enfraquecem as instituições que tentam controlá-las. Isso sempre foi assim. É por isso que novos mecanismos para criar laços e estabelecer a cooperação entre as pessoas são, quase inevitavelmente, voltados contra esses fins. As redes digitais são apenas a mídia mais recente a passar da promoção de vínculos sociais para a destruição deles - de promoção da humanidade para sua suplantação.Nossos dispositivos inteligentes avançam e evoluem mais rápido do que nossa biologia. Nossas instituições e tecnologias não são projetadas para estender nossa natureza humana, mas para refreá-la ou reprimi-la. Uma vez que nossa humanidade é vista como uma desvantagem em vez de uma força, o impulso cultural e a busca espiritual que resultam dessa impressão buscam transcender nossa personalidade: uma jornada fora do corpo, afastada de nossa humanidade, além da matéria e em qualquer substrato - seja éter, ondas elétricas, realidade virtual ou IA - que transformamos em fetiche naquele momento.Dependemos cada vez mais de tecnologias construídas com a presunção da inferioridade humana e sua irrelevância. Também estamos vinculando nossos mercados e nossa segurança ao crescimento contínuo e à capacidade de expansão de nossas máquinas. Isso é autodestrutivo."
Compostos por trechos do primeiro capítulo do livro de Douglas Rushkoff intitulado Equipe
Humana, os quatro parágrafos
acima provocam-me muitas reflexões.
"Impedir o contato social e explorar a desorientação
e o desespero decorrentes, eis o que busca o controle social", segundo Rushkoff.
Sim, impedir o contato social autêntico
que só pode ser produzido por "experiências diretamente vividas" substituindo-o
por um suposto contato social
produzido por "experiências mediadas".
"Pessoas que pensam, sentem e estão conectadas
enfraquecem as instituições que tentam controlá-las.", diz Rushkoff. E ao
falar em tentativas realizadas por instituições para controlar pessoas,
Rushkoff faz-me lembrar de uma inesquecível afirmação do extraordinário
linguista, filósofo e ativista político americano Noam Chomsky (1928): "Você
não pode controlar seu povo pela força, mas pode distrai-lo por meio do
consumo.".
Controlar o povo distraindo-o por meio do consumo. E, no
limite desse modo de controle, distraí-lo por meio do consumo da própria distração!
Você já ouviu falar em BBB? Não, não me refiro àquela bancada do Congresso que
se convencionou denominar BBB - em alusão às palavras Bala, Boi e Bíblia -, e sim àquele programa
televisivo que, há vinte e dois anos, leva pessoas a distraírem-se espiando
a vida dos outros em vez de cuidarem da sua.
"Pessoas que pensam, sentem e estão conectadas
enfraquecem as instituições que tentam controlá-las. Isso sempre foi assim. É
por isso que novos mecanismos para criar laços e estabelecer a cooperação entre
as pessoas são, quase inevitavelmente, voltados contra esses fins.", diz Rushkoff.
E ao dizer que "Isso sempre foi assim." faz-me lembrar de
uma afirmação feita há 170 anos pelo filósofo, escritor e naturalista americano
Henry David Thoreau (1817 – 1862). "Nossas invenções costumam tornar-se
bonitos brinquedos que distraem nossa atenção das coisas sérias.", disse
Thoreau, no longínquo ano 1854. Sim, distrair o povo para controlá-lo é coisa antiga!
A leitura
da afirmação de Rushkoff - "Isso sempre foi assim." – habilitou o
método das recordações sucessivas fazendo-me voltar no tempo mais do que os 170
anos citados no parágrafo anterior e levou-me à Roma Antiga para de lá trazer
para estas reflexões uma política usada por seus governantes com a intenção de estabelecer
o controle social. Você já ouviu falar da política do "pão e circo"?
Para quem nunca ouviu, e também para quem já ouviu, a referida política
consistia no fornecimento gratuito à população de migalhas (pão e trigo) e de
espetáculos públicos em arenas com a intenção de entretê-la e assim evitar que
ela se revoltasse contra a ordem estabelecida. Espetáculos públicos em arenas
onde gladiadores enfrentavam-se em lutas mortais e cristãos eram jogados às
feras para serem por elas destroçados. Sim, o controle social pelos governantes
é algo muito antigo!
Aproveitando esta postagem para um momento cultural,
segue o significado original de arena. Espaço
coberto de areia, no centro dos antigos circos romanos, onde combatiam os
gladiadores e feras. O nome arena, que em latim significa areia, derivou da
prática de espalhar areia no piso, para absorver o sangue.
"Pessoas
realizadas sob o ponto de vista social precisam de menos dinheiro, sentem menos
vergonha, comportam-se de forma menos previsível e agem de maneira mais
autônoma, diz Rushkoff. Sim, "Pessoas realizadas sob o ponto de vista social",
precisam também de menos coisas, pois nelas não existe algo que cada vez mais
atormenta pessoas não realizadas sob o ponto de vista social: a ânsia por
novidades, principalmente por novidades tecnológicas.
E ao
falar em ânsia por novidades, mais uma vez o método das recordações sucessivas
é acionado nesta postagem. "As
multidões estupidificadas contam com uma parafernália de opções para suas
fantasias, pois uma "sociedade de consumo" que se preze não perde a
chance de engendrar, anunciar e vender "soluções" aos ansiosos
compradores.", eis uma inesquecível afirmação do Professor Hermógenes (1921
– 2015), professor e escritor brasileiro divulgador da hatha yoga.
"Multidões
estupidificadas, pois uma 'sociedade de consumo' que se preze não perde a chance de
engendrar, anunciar e vender 'soluções' aos ansiosos compradores.". E a 'sociedade de consumo' em que vivemos se preza muito! Multidões
estupidificadas e entorpecidas, acrescento eu, pois como disse Anne Wilson
Schaef, autora de When Society Becomes an Addict", "O
elemento mais bem-ajustado da nossa sociedade é a pessoa que não está morta nem
viva, apenas entorpecida, enfim um morto-vivo, um zumbi." E ela complementa:
"Quando morta, ela não é capaz de fazer o trabalho da sociedade. Quando plenamente viva, está sempre dizendo não a muitos dos processos da sociedade, ao racismo, à poluição ambiental, à ameaça nuclear, à corrida armamentista, recusando-se a beber água contaminada e a comer alimentos cancerígenos. Por isso, a sociedade tem o maior interesse em estimular aquelas coisas que tiram nosso vigor, que nos mantêm ocupados com nossos dilemas e nos conservam ligeiramente entorpecidos e semelhantes a zumbis. Desse modo, nossa moderna sociedade de consumo funciona, ela própria, como um viciado."
Um viciado
em tecnologia, capaz de aceitar com naturalidade algumas ideias autodestrutivas
citadas por Rushkoff em seu extraordinário texto e reproduzidas a seguir:
- A ideia passada pelos engenheiros de nossas (sic) principais empresas de tecnologia e universidades de que as pessoas são o problema e a tecnologia é a solução;- A ideia que nossa humanidade é uma desvantagem em vez de uma força;- A dependência cada vez maior de tecnologias construídas com a presunção da inferioridade humana e sua irrelevância.
E ao destacar do texto de
Rushkoff as três ideias reproduzidas acima foi inevitável lembrar da seguinte afirmação
de Albert Einstein (1879-1955),
físico alemão naturalizado norte-americano: "Temo
o dia em que a tecnologia se sobreponha à humanidade. Então o mundo terá uma
geração de idiotas".
Temor
que, no meu entender, tem tudo a ver com a vontade de Douglas Rushkoff escrever
um livro com o qual ele, ainda no meu entender, ele pretende conclamar-nos a
atuar no sentido de evitar a concretização do temor de Einstein: "Que a
tecnologia se sobreponha à humanidade".
Tentando
encerrar esta interminável postagem, repito, mais uma vez, a expressão usada
por Rushkoff: "Isso sempre foi assim." Qual a intenção ao repeti-la? Trazer
para estas reflexões algo dito em um artigo do filósofo esloveno Slavoj Zizek, publicado
em 28 de maio de 2011, no jornal O Globo:
"Quando me dizem 'você é um utópico', digo: 'a única utopia de fato é
acreditar que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual'."
Recentemente
(em 12 de abril de 2024), lendo o caderno EU&
publicado na edição de sexta-feira do jornal Valor Econômico, encontrei na seção de Lançamentos de livros uma sinopse de um livro intitulado Como tudo pode desmoronar, de autoria de
Pablo Servigne e Raphael Stevens. Sinopse na qual encontrei a seguinte
afirmação: "Utopia hoje é acreditar que tudo continuará como está."
Ou seja, "acreditar
que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual ou que tudo
continuará como está" constitui, hoje, a única utopia. Portanto, tornar "isso
diferente do que sempre foi" é algo que algum dia terá que ser realizado.
Quando? Não tenho menor ideia, mas que terá que ser realizado, eu não tenho a menor
dúvida, pois, se não o for, simplesmente, não acredito que haverá futuro para a
autodenominada espécie inteligente do universo.
"Nós, humanos - em uma única geração - estamos passando por uma virada no ciclo em tempo real. Esta é a nossa chance. Podemos escolher não mais nos adaptar a ela, mas nos opor a ela.", afirma Rushkoff no penúltimo parágrafo do primeiro capítulo de seu livro Equipe Humana.
E ao dizer que "Podemos escolher não mais nos
adaptar a ela, mas nos opor a ela.", Rushkoff faz-me lembrar algo que ouvi
o extraordinário Sebastião Salgado dizer em um antigo programa de entrevistas
apresentado por uma emissora de televisão, que é mais ou menos assim: "a
capacidade do ser humano adaptar-se a tudo é vista como uma vantagem, porém ela
pode ser vista também como uma desvantagem: a de adaptar-se a coisas contra as
quais ele deveria se rebelar." Concordo plenamente com ele.
E para
terminar esta interminável postagem (a mais longa já publicada) creio que não
haja nada melhor que repetir o parágrafo que encerra o primeiro capítulo do
extraordinário livro de Douglas Rushkoff:
"É hora de reafirmarmos a agenda humana. E devemos fazer isso juntos - não como os atores individuais que fomos levados a imaginar que somos, mas como a equipe que realmente somos."A Equipe Humana
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