Cumprindo o que foi prometido no último parágrafo da postagem anterior,
seguem algumas reflexões provocadas pelas cinco sugestões da cientista
cognitiva Laurie Santos "para o árduo caminho de se buscar
felicidade no trabalho". Arduidade oriunda, em grande parte, do fato de a responsabilidade
pela busca da felicidade no trabalho ser atribuída apenas aos trabalhadores,
embora, como diz a própria cientista cognitiva, as companhias sejam
beneficiadas com a felicidade dos trabalhadores. Feito este preâmbulo seguem as
reflexões referentes a cada sugestão.
Não fuja das frustrações
"A frustração é um sentimento associado a uma sensação de
impotência e de desânimo, que ocorre quando algo que era esperado falha ou não
acontece.", eis o significado encontrável em https://www.saudebemestar.pt/pt/blog/psicologia/frustracao/,
(até o momento da publicação desta postagem), para a palavra frustração. O
negrito foi trazido pela pesquisa.
"Laurie diz que é um erro tentar ignorar as frustrações que podem surgir no trabalho. Em geral, acreditamos que sentimentos negativos atrapalham nosso desempenho, e, por isso, os suprimimos. Mas, para ela, é o contrário: a nossa performance piora quando não encaramos o problema."
"Relaxa. Nada
está sob controle.", eis a recomendação expressa em um quadrinho daqueles
compráveis em papelarias que tenho em casa há muitos anos. Até porque, nesse
percurso que a gente chama de vida, por mais que se tente prever tudo o que nele
poderá ocorrer, inclusive nos trabalhos em que estivermos envolvidos, o
imprevisível está sempre à espreita. Portanto, "quando algo que era
esperado falha ou não acontece", o melhor a fazer não é frustrar-se, e sim
rever o modo como foi feito e, então, tornar a fazer. Outra coisa que, no meu
entender, deve ser considerada, em termos de "não fugir das
frustrações", é ter em mente que, quando se trabalha em uma companhia, a imensa
maioria dos trabalhos realizados envolve a participação
de vários trabalhadores, o que implica em não depender apenas de nós o êxito
nos trabalhos dos quais participamos. Sendo assim, será que faz algum sentido
frustrar-se "quando algo que era esperado falha ou não acontece"?
Tenha autocompaixão e se
abrace
"Um erro comum no ambiente de trabalho, segundo Laurie, é nos pressionarmos o tempo todo a fazermos mais. A pesquisadora, no entanto, acredita que uma melhor forma de motivação no escritório é através da autocompaixão e não da pressão.Ela diz que precisamos entender que falhas e dificuldades são normais e não devem gerar frustrações. [...] Ela também acredita que todos devem desenvolver o 'autoabraço': um gesto de demonstração de afeto próprio, que ajudaria a enfrentar desafios rotineiros."
"Um erro comum no ambiente de trabalho, segundo
Laurie, é nos pressionarmos o tempo todo a fazermos mais.". Um erro comum
em qualquer ambiente, segundo eu, é sairmos por aí fazendo toda e qualquer
coisa que nos dizem serem inevitáveis sem fazermos qualquer questionamento. "Nenhuma
sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas
para os problemas que a afligem.", eis uma afirmação do sociólogo Zygmunt
Bauman, que considero indiscutível.
A construção de algo que algum dia faça jus ao termo
civilização, passa pela substituição da competição pela cooperação como lei
natural da evolução da pretensa espécie inteligente do universo.
"Nos pressionarmos o tempo todo a fazermos
mais", eis uma consequência natural de acreditarmos que a competição, não
a cooperação, seja a prática correta a ser adotada nesse percurso que a gente
chama de vida. Competição que começa entre as companhias (a cada dia maiores)
continua entre os países (muito deles já sobrepujados por companhias) e termina
entre as pessoas, levando-as a "pressionarem-se o tempo todo a fazer
mais" para superar a concorrência.
Mate a fome de tempo
Entre as frases que li e jamais esqueci está a seguinte
afirmação de Ernest Hemingway: "Jamais confunda movimento com ação."
Confusão cada vez maior nestes tempos sombrios.
"A ideia de que nunca há espaço na agenda suficiente para fazer reuniões, preparar relatórios, responder e-mails e ainda ter vida pessoal, é o que se costuma chamar de 'fome de tempo'. [...] Como o tempo é um recurso tão valioso quanto limitado, Laurie sugere repensar o que é produtividade. Ela cita o pesquisador americano Cal Newport e seu conceito de 'pseudoprodutividade'. É quando achamos que o frenesi de se estar sempre ocupado no escritório é confundido com resultados."
Executar uma tarefa com qualidade, competência,
excelência e com nenhum ou com o mínimo de erros, eis o significado de
eficiência. Fazer o que é certo para atingir um objetivo planejado, eis o
significado de eficácia. Realizar algo com eficiência e eficácia, eis o que
significa produtividade. Caso contrário, o que há é "pseudoprodutividade"!
E ao achar tal coisa, as pessoas saem por aí fazendo um
monte de coisas que, em sentido figurado, podem ser interpretadas como aquilo
que os gatos costumam cobrir com um monte de areia.
Entenda sua vocação
Uma consequência imediata da enorme quantidade de pessoas
que não conseguem resistir à tentação referida no parágrafo anterior é a abundância
de pessoas que, podendo ter sido excelentes profissionais atuando com técnicos,
tornam-se péssimos profissionais atuando como gerentes. Tendo atuado durante
3,7 décadas no mundo corporativo, digo-lhes que, pelas minhas observações, a
referida abundância engloba mais de 90% do contingente composto pelos gerentes
que conheci. Encontrar pessoas com vocação para ocupar cargos de gerência é algo
comparável a encontrar agulhas em palheiro.
"- As pessoas acham que são produtivas quando estão fazendo qualquer coisa, não importa o que seja., diz Laurie."
"Para combater a fome de tempo, a pesquisadora acredita que devemos dizer mais 'não' para os outros e para nós mesmos, desenvolvendo a capacidade de discernir entre o que é verdadeiramente importante e o que pode ser deixado de lado."
O problema é que neste sinistro mundo onde os empregos
são a cada dia mais escassos, dizer "não" para os outros (quando os
outros estão a mando do patrão) é algo que poucos têm coragem de fazer. Afinal,
como diz uma máxima que rege o mundo corporativo, "Manda quem pode e
obedece quem tem juízo"? E o que é ter juízo? É não contrariar quem manda,
pois, contrariar costuma resultar em algo indesejável. Não obedecer pode custar
o emprego.
"Há várias particularidades num trabalho que podem casar com nossas habilidades. Laurie aconselha a encontrarmos essa interseção entre a obrigação e aquilo que nos faz orgulhosos de nós mesmos: pode ser, entre outras características, o espírito de liderança, o bom humor, a integridade de caráter, a modéstia ou a perseverança. [...] . Ao focar em nossas forças e aplicá-las conscientemente no ambiente de trabalho, podemos criar uma experiência profissional mais rica e satisfatória."
Entenda sua vocação e resista à tentação de negociá-la em
troca de uma maior remuneração ou de uma ilusória sensação de que manda em alguma
coisa, pois, no teatro, digo, mundo corporativo, a única pessoa que manda é o dono
da corporação. Quanto às pessoas que temporariamente ocupem qualquer cargo de
chefia resta apenas a sensação de que mandam alguma coisa quando na verdade o
que fazem é somente repassar ordens que lhe foram repassadas por alguma
ocupante do nível de chefia imediatamente acima.
Faça amigos
"- Há quem diga que o escritório é apenas um lugar para trabalhar e ir embora. Mas as conexões fazem o trabalho ser mais agradável. É importante quando sabemos que temos um melhor amigo no trabalho - diz a pesquisadora.Laurie defende então, uma regra para qualquer um que queira fazer amigos, independentemente do local:- Seja positivo e esteja disposto a se comunicar. Não é para ser simpático o tempo todo, mas não somos um robô de inteligência artificial que só faz suas tarefas e se desliga - afirma Laurie Santos."
Sim, são "as conexões que fazem o trabalho ser mais
agradável", até porque como diz Vimala Thakar, já no título de um de seus livros,
"Viver é relacionar-se". Sim, como afirma Laurie Santos, "não somos
um robô de inteligência artificial que só faz suas tarefas e se desliga".
Somos pessoas que além de fazerem suas tarefas devem ligar-se em fazer amigos.
Há muitos anos, ouvi de um palestrante a seguinte afirmação: "Se os homens
fossem realmente inteligentes eles só fariam amigos".
Curiosamente, enquanto elaborava esta postagem, recebi de
um jovem ex-colega de trabalho um vídeo que, até o momento da publicação desta
postagem, era encontrável no endereço https://x.com/arr_maiana/status/1777146882436829216?t=JnULwyxjJkhx-s_c5FHYug&s=08.
Um vídeo em que a psicanalista Maria Rita Kehl faz um comentário sobre nossa
relação com o trabalho. A duração do vídeo é de apenas 01 minuto e 26 segundos.
Embora
defenda a ideia que a felicidade no trabalho beneficia as companhias, é aos
trabalhadores que a cientista cognitiva Laurie Santos oferece sugestões "para
o árduo caminho de se buscar felicidade no trabalho". Após assistir o vídeo,
fiquei imaginando como seria uma conversa entre a psicanalista e a cientista
cognitiva. Será que Maria Rita Kehl concorda com Laurie Santos quanto à
possibilidade de encontrar felicidade no trabalho?
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