Neste dia em que é celebrado o Dia do Amigo, a postagem publicada neste
blog traz a transcrição de um vídeo homônimo publicado em junho de 2023 no canal
do You Tube denominado Antídoto. Até o momento da publicação desta
postagem, o vídeo era encontrável em https://www.youtube.com/watch?v=oqGY8EYkVJ4.
A amizade é revolucionária (mas o que está
acontecendo com as amizades?)
Crise na amizade
Uma
pesquisa recente do governo dos EUA mostrou que o número de pessoas que
declaram não ter nenhum amigo próximo aumentou 400% nos últimos anos.
Quatrocentos por cento! Eu vim falar sobre isso. E vim falar também sobre como
a amizade é mais do que uma coisa boa, é uma coisa revolucionária. Em um monte
de pesquisas, um monte de dados, um monte de estatísticas chegou-se à conclusão
de que, hoje em dia, as pessoas, em geral, têm menos amizades e se sentem mais
sozinhas. Só para dar um exemplo, em 2021, o instituto de publicidade Mac Cann Worldgroup, fez uma pesquisa
com quase 50.000 mil pessoas, em 26 países, e 46% dos entrevistados disseram
que não têm amigos de verdade.
Uma
pesquisa feita, em 2018, pela BBC de
Londres, mostrou que 40% dos jovens de 16 a 24 anos declararam que com frequência
ou muita frequência se sentem sozinhos. Já uma pesquisa do instituto Ipsos, feita em 2021, em 28 países, mostrou
que o Brasil é o país em que mais gente declarou se sentir sozinha com 50% das
pessoas entrevistadas aqui se sentindo sozinhas frequentemente, muitas vezes ou
sempre.
Já em uma
pesquisa do instituto Locomotiva,
aqui do Brasil, em 2022, uma em cada quatro pessoas disse que não se sente
próxima de ninguém. Uma pesquisa do Poder
Data disse que 28% dos brasileiros têm, no máximo, um amigo. Já pesquisas
do Yougove, no Reino Unido, em 2019 e
do Suvey Center of American Life, nos
EUA, em 2021, mostram que isso é pior ainda entre homens. Que os homens têm
menos amigos, mais dificuldade em fazer e manter amizades, e menos suporte
emocional dos amigos.
Se isso
fosse algo que acontece com uma pessoa ou algumas pessoas a gente poderia falar
sobre isso como um problema localizado, como se fosse só culpa ou
responsabilidade ou interesse dessas poucas pessoas, mas não é. Inclusive a
pesquisa da BBC que eu mencionei
antes mostrou que as pessoas que têm menos amigos e as pessoas que têm mais
amigos têm, na média, o mesmo nível de habilidades sociais e de empatia. Então,
não é simplesmente que essas pessoas não querem ter amigos ou não têm empatia
ou não sabem se relacionar. Isso não é ou, pelo menos, não é somente um
problema específico dessas pessoas, isso é também um problema social.
Isso
pode ser uma consequência do individualismo e da competitividade que são
colocados como valores positivos, como virtudes, como atributos desejáveis pela
nossa sociedade, como se cada um lutar somente pelo seu fosse sinal de lucidez e
maturidade, e não de um egocentrismo egoísta, como se a meritocracia fosse uma
medida não só possível, mas justa, como se o sucesso individual fosse o único objetivo
razoável e o crescimento desses valores na sociedade se correlaciona com o
aumento do número de pessoas que reportam não ter amigos próximos ou se sentir
solitários.
Isso
não é de se surpreender. Amizades, como todas as relações sociais levam tempo,
precisam de esforço, energia e intencionalidade para sobreviver. E se você tem
outras prioridades individuais não vai sobrar tempo para sustentar amizades.
Isso também se relaciona com a precarização do trabalho e a cultura de ser workaholic.
Se você precisa se matar trabalhando durante a maior parte do dia não sobra
tempo nem energia para sustentar amizades. E isso também tem a ver com
tecnologia. Se você tem aparelhos que te ajudam a passar o tempo se distraindo
sem amigos por perto, sem interações significativas, talvez você vá dispor de
menos tempo e energia para interações pessoais profundas, embora por outro lado
é claro que muitas pessoas usam essa tecnologia para fazer e manter amizades.
Então se por um lado a tecnologia entra nessa matemática por outro lado ela não
é o fator decisivo. Já ouviu aquela história de "o povo unido jamais será
vencido"? Então, o povo desunido... aí você faz as contas.
A amizade importa
O que
não faltam são pesquisas mostrando que amizades são coisas poderosas. Em
primeiro lugar no sentido individual. Tem uma enxurrada de estudos que mostram
isso. Pra resumir tem muitos benefícios pra saúde que as amizades trazem, de
depressão até pressão arterial, de resistência à gripe da estação até a
longevidade e, é claro, à felicidade das pessoas. Em todos esses critérios
pessoas com mais amigos têm vantagens. As amizades fazem as pessoas mais
felizes, mais saudáveis, e mais longevas... e também mais espertas. Paulo
Freire já dizia que "não se pode pensar em educação sem amor" e há
incontáveis estudos mostrando que vínculos afetivos são importantes também na
educação.
Mas
amizades também são coisas poderosas no sentido social e político porque
qualquer mudança política significativa depende da proximidade entre as pessoas,
depende da população se unir e se organizar em torno dos seus interesses. E a
amizade conta muito em todas as esferas desse processo. Isso vai desde escolher
em quem votar. Pessoas mais isoladas são mais propícias a serem vítimas de
desinformação e entrar no pensamento de rebanho que ofereça qualquer tipo de
validação. Até as formas de participação política mais direta. É muito comum
você se interessar por causas, partidos ou movimentos por conta de amigos e
amigas que te apresentam, te motivam a trabalhar junto. Eu mesmo vivi isso. No
meu tempo de universidade eu participei de muitos movimentos políticos e sociais
por conta de amigos e amigas que estavam envolvidos. Em muitos desses casos,
mesmo quando as amizades não duraram, o ativismo ficou.
Uma escala maior
Isso
também tem impactos em escala maior ainda. Por exemplo, no ambientalismo. É
claro que quem só pensa em "farinha pouca meu pirão primeiro" não vai
ter muitos incentivos pra lutar por essa questão que envolve a todos e que só pode
ser resolvida no coletivo. E há estudos que mostram, com clareza, que a
formação de vínculos afetivos é poderosa também pra manutenção das estruturas econômicas
e dos recursos que permitem o sustento de todos. Mas você não precisa acreditar
em mim, acredite em uma Nobel da Economia, por sinal a primeira mulher a ganhar
um Nobel da Economia, a Elinor Ostrom. O trabalho dela mostra, a partir de
exemplos reais, como relações de convívio, de respeito, de mutualidade, de
amizade podem fazer uma diferença definidora na manutenção dos recursos econômicos
e ambientais. Que sociedades em que as pessoas são mais próximas, têm mais
convívio umas com as outras, respeitam e preservam aquilo que é comum entre elas.
Agora,
saindo do ambiente da economia e indo para as pautas de costumes, a amizade
também é fundamental. Dá pra perder as horas contando quando as pessoas eram
preconceituosas com pessoas do grupo X ou Y e venceram seu preconceito conforme
fizeram amizades com pessoas desses grupos. Quantas famílias poderiam ter sido
salvas se os laços de afeto falassem mais alto do que os tabus e as
intolerâncias? Não é muito mais provável um pai aceitar um filho gay se ele teve
várias pessoas gays próximas a ele ao longo da vida? Não é muito mais provável
que um branco apóie uma política racista se ele nunca teve amizades próximas com
pessoas que não são brancas? E não é muito mais provável até que ele nem
perceba que uma política racista é racista se ele nunca teve essas amizades
próximas? E se nós temos problemas com a formação de bolhas em que só se
reproduzem os discursos de quem pensa parecido, a gente já não está cansado de
ver como confrontar pessoas com dados e fatos dificilmente vai fazer com que
elas mudem o seu ponto de vista? Não está claro que os vínculos de afeto são as
armas mais poderosas para furar essas bolhas?
Em um
dos documentos mais importantes da história da vida intelectual do nosso país,
Oswald de Andrade disse: "Só me interessa o que não é meu.". Essa é a
ideia que eles defendiam no modernismo brasileiro, na antropofagia. E não é no
olhar pro outro, e amar, e apreciar, e querer o outro, justamente pelas suas
diferenças, justamente pelas que é oposto de si, que se combate o narcisismo?
E
depois de tudo isso, eu te pergunto: e se tudo der errado? Se nada, NADA disso
funcionasse, se a amizade não fosse capaz de nos fazer mais saudáveis, mais
espertos, mais longevos, mais felizes, capaz de nos fazer sermos mais nós
mesmos, se ela não fosse uma peça fundamental pra que possamos nos unir, nos
organizar, nos comunicar, nos entender, preservar o que precisa ser preservado
e transformar o que precisa ser transformado, se nada disso fosse verdade,
ainda assim, AINDA ASSIM, será que redescobrir a amizade não valeria pena em nome da
própria amizade?
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Diante
de tudo o que é dito acima, será que faz sentido afirmar que mais do que uma
data comemorativa ou celebrativa este Dia
do Amigo deve ser tratado como uma data reflexiva?
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