"O fascínio pelo
progresso nos faz cegos para o apocalipse."
(Gunther Anders [1902 – 1992], filósofo
alemão, em 1957)
"Não é que não dê para consertar a internet, é que o capitalismo é destrutivo, é o fim da linha para a vida no planeta. (...) Podemos usar as ferramentas digitais para mobilizações políticas pontuais. Mas é preciso levar em conta que a internet é parte inerente da estrutura do capitalismo global. (...) A questão é entender que são necessárias mudanças estruturais, não só reformas. (...) Nenhuma das mudanças estruturais das quais depende a sobrevivência do planeta será gestada na internet. A tecnologia digital tem deteriorado nossa experiência sensível e é urgente pensar alternativas a um mundo que nunca desliga. (...) Se não conseguirmos imaginar maneiras diferentes de viver, não vamos enfrentar a mudança climática que ameaça nosso futuro. Acreditar que podemos continuar usando a tecnologia digital do mesmo jeito é uma fantasia perigosa."
Extraídas da entrevista com Jonathan
Crary, reproduzida na postagem anterior, as palavras acima levam-me a trazer
para estas reflexões as seguintes palavras de Albert Einstein: "O mundo que criamos, como resultado de nosso pensamento,
tem agora problemas que não podem ser resolvidos se pensarmos da mesma forma
que quando os criamos". Portanto,
é imprescindível uma nova maneira de pensar. É preciso entender que uma nova
maneira de pensar não é pensar coisas novas: é pensar de outra maneira.
"Pensar de outra maneira para conseguir
imaginar maneiras diferentes de viver, eis o que precisa ser feito, pois
acreditar que podemos continuar usando a tecnologia digital do mesmo
jeito é uma fantasia perigosa", eis algo que resulta de uma junção do que
é dito por Einstein com o que é dito por Crary. E ao falar em fantasia, segue outro
interessante trecho da entrevista de Jonathan Crary.
"Nos Estados Unidos, há pouca resistência à promoção da cultura tecnológica, que promove fantasias tipicamente americanas, como a autonomia e a liberdade individuais, o empreendedorismo de si mesmo, a ilusão de que não dependemos de ninguém apesar da persistência da desigualdade econômica. A internet foi construída como um elemento unificador, que celebrava a fantasia de um mundo globalizado graças ao livre mercado, o que não se sustenta mais. (...) Estamos assistindo ao colapso da expectativa de que instituições públicas e privadas tratem os cidadãos como prioridade e não há previsão de reinstalarmos um ambiente regulatório que preze pelo cuidado das pessoas."
Ter "instituições públicas e privadas que tratem os
cidadãos como prioridade e um ambiente regulatório que preze pelo cuidado das
pessoas", eis o que se precisa, urgentemente. Atuar em prol de um
estupendo (ou seria estúpido?) desenvolvimento tecnológico voltado para a
substituição de pessoas por robôs em toda e qualquer atividade humana, em um
ritmo cada vez mais frenético, eis o que se pratica neste insano planeta. Não,
não dá para deixar de citar Albert Einstein mais vez. "Existem apenas duas coisas infinitas - o universo e a estupidez
humana. E não tenho tanta certeza quanto ao universo.", disse o genial
físico.
"Autonomia
e a liberdade individuais, o empreendedorismo de si mesmo, a ilusão de que não
dependemos de ninguém apesar da persistência da desigualdade econômica.",
eis "algumas fantasias tipicamente americanas promovidas pela cultura
tecnológica e as quais há pouca resistência" não apenas nos Estados
Unidos, como diz Crary, mas também em outros países que tentam copiar esse país
que se arroga como modelo para a humanidade. "A internet foi construída
como um elemento unificador, que celebrava a fantasia de um mundo globalizado
graças ao livre mercado, o que não se sustenta mais", acrescenta Jonathan
Crary. E tome fantasias!
Solicitado
a explicar sua "argumentação que a internet provoca um achatamento da
sensibilidade", Jonathan Crary respondeu assim:
"A própria qualidade da vida humana está sendo degradada neste mundo que nunca desliga. (...) Somos encorajados a interagir com telas durante todas as horas que passamos acordados, o que elimina nossa possibilidade de sonhar acordado, de nos deslumbrar, de sentir a textura da experiência. Imaginação se tornou fluxo contínuo e monetizado de imagens e informação e temos até medo de desligá-lo. Se é assim, como vamos nos engajar nas tarefas essenciais para evitar a catástrofe?"
Sim, como
vamos nos engajar nas tarefas essenciais para evitar a catástrofe, se durante
todas as horas que passamos acordados o que fazemos é, exatamente, atuar em
prol da catástrofe? "Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem",
solicitou, há quase dois mil anos, o maior mestre que já passou por esta
dimensão. O tempo passou, e até hoje a tal da espécie inteligente do universo
prossegue agindo sem saber o que faz. Não, definitivamente, não dá para esquecer as
palavras de Albert Einstein!
Indagado
sobre "como responde a acusações de ser um romântico pré-moderno que odeia
a tecnologia", Jonathan Crary respondeu assim:
"Essa crítica vem de uma falsificação das minhas ideias por parte de quem tem uma definição estreita de tecnologia, reduzida aos produtos de grandes corporações. (...) É absurdo me acusarem de ser contra a tecnologia quando se compreende o que essa palavra significa historicamente. A História da civilização é a História do emprego de diferentes tecnologias."
Ter uma
definição estreita de tecnologia; não compreender o que essa palavra significa
historicamente, eis, segundo Crary, o que leva indivíduos a acusarem alguém de
odiar a tecnologia. Será que desejar ser considerado alguém alinhado com o seu
tempo, para não ser visto como alguém que não consegue acompanhar o progresso, pode
ser considerado algo que leva indivíduos a saírem por aí usando toda e qualquer
novidade oferecida pelo cada vez mais estonteante desenvolvimento tecnológico
em vigor neste alucinado planeta? Dito isto, segue outro interessante trecho da
entrevista de Jonathan Crary.
"O complexo internético, descrito como o 'aparato global absoluto para a dissolução da sociedade' e 'o equivalente digital da ilha de lixo que se expande rapidamente no Oceano Pacífico', se esforça para transformar os jovens em consumidores previsíveis. O objetivo é impedir a emergência de uma juventude como a dos anos 1960. É fácil menosprezar e ridicularizar os anos 1960, subestimar quão ameaçador e desafiante foi aquele período de tumulto, de rebelião da juventude."
Impedir a
emergência de uma juventude como a dos anos 1960, eis o objetivo de grandes
corporações que, mantendo as pessoas "on-line" durante todas as horas
em que estiverem acordadas (ocupadas com seus fascinantes produtos), tornaram-se
as donas deste insano planeta. Impedir a emergência de uma juventude como
aquela que, segundo Crary, engajou-se em um movimento intitulado Students for a
Democratic Society (Estudantes para uma
Sociedade Democrática).
Sim, como
diz Crary, "É fácil menosprezar e ridicularizar os anos 1960, subestimar
quão ameaçador e desafiante foi aquele período de tumulto, de rebelião da
juventude.", pois, o que hoje se vê é uma juventude que não tem pela
democracia o interesse que tinha a daquela década. Até porque, a democracia é
algo que cada vez mais tem sido alvo de inúmeros ataques pelo mundo inteiro. Em
um mundo em que redes sociais (sic) prestam-se, cada vez mais, a divulgação do
ódio, o apreço pela democracia tende a ser cada vez menor. Fazendo uma analogia
com o que é dito na última frase do parágrafo anterior, hoje o que se vê neste
insano planeta são pessoas engajadas em algo que pode ser intitulado People against
a Democratic Society (Pessoas contra uma
Sociedade Democrática).
"Há centenas de livros que defendem reformar as tecnologias digitais. Para o bem e para o mal, quis escrever um livro radical, que chacoalhe essas perspectivas reformistas. Meu livro não é um manual."
"Escrever
um livro radical, eis o que quis fazer Jonathan Crary". Radical na
verdadeira acepção da palavra, e não na acepção deturpada. Não, radical nada
tem a ver com extremismo. Radical significa ir à raiz; pois só indo à raiz de
um problema é que se consegue resolvê-lo. Um livro que "chacoalhe essas
perspectivas reformistas" para que elas caiam dos galhos em que estão
penduradas, e que caindo por terra possam ser varridas como pseudo-soluções que
são.
Falar em
soluções e pseudo-soluções é algo que traz-me à mente a seguinte afirmação de Alvo
Dumbledore, o mago barbudo dos filmes de Harry Potter. "Tempos difíceis
estão por vir e, em breve, teremos que escolher entre o que é certo e o que é
fácil.". Ou seja, entre o que é solução e o que é pseudo-solução. Entre
fazer mudanças estruturais na internet e fazer apenas reformas.
"Se
for possível um futuro habitável e partilhado em nosso planeta, será um futuro
off-line", escreve o crítico de arte americano Jonathan Crary na abertura
de seu novo livro, "Terra arrasada - além da era digital, rumo a um mundo
pós-capitalista". E escrevo eu no fechamento destas reflexões provocadas
pela leitura da extraordinária entrevista de Crary reproduzida na postagem anterior.
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