quinta-feira, 20 de abril de 2023

Reflexões provocadas por "O futuro será off-line"

"O fascínio pelo progresso nos faz cegos para o apocalipse."
  (Gunther Anders [1902 – 1992], filósofo alemão, em 1957)
"Não é que não dê para consertar a internet, é que o capitalismo é destrutivo, é o fim da linha para a vida no planeta. (...) Podemos usar as ferramentas digitais para mobilizações políticas pontuais. Mas é preciso levar em conta que a internet é parte inerente da estrutura do capitalismo global. (...) A questão é entender que são necessárias mudanças estruturais, não só reformas. (...) Nenhuma das mudanças estruturais das quais depende a sobrevivência do planeta será gestada na internet. A tecnologia digital tem deteriorado nossa experiência sensível e é urgente pensar alternativas a um mundo que nunca desliga. (...) Se não conseguirmos imaginar maneiras diferentes de viver, não vamos enfrentar a mudança climática que ameaça nosso futuro. Acreditar que podemos continuar usando a tecnologia digital do mesmo jeito é uma fantasia perigosa."
Extraídas da entrevista com Jonathan Crary, reproduzida na postagem anterior, as palavras acima levam-me a trazer para estas reflexões as seguintes palavras de Albert Einstein: "O mundo que criamos, como resultado de nosso pensamento, tem agora problemas que não podem ser resolvidos se pensarmos da mesma forma que quando os criamos". Portanto, é imprescindível uma nova maneira de pensar. É preciso entender que uma nova maneira de pensar não é pensar coisas novas: é pensar de outra maneira.
"Pensar de outra maneira para conseguir imaginar maneiras diferentes de viver, eis o que precisa ser feito, pois acreditar que podemos continuar usando a tecnologia digital do mesmo jeito é uma fantasia perigosa", eis algo que resulta de uma junção do que é dito por Einstein com o que é dito por Crary. E ao falar em fantasia, segue outro interessante trecho da entrevista de Jonathan Crary.
"Nos Estados Unidos, há pouca resistência à promoção da cultura tecnológica, que promove fantasias tipicamente americanas, como a autonomia e a liberdade individuais, o empreendedorismo de si mesmo, a ilusão de que não dependemos de ninguém apesar da persistência da desigualdade econômica. A internet foi construída como um elemento unificador, que celebrava a fantasia de um mundo globalizado graças ao livre mercado, o que não se sustenta mais. (...) Estamos assistindo ao colapso da expectativa de que instituições públicas e privadas tratem os cidadãos como prioridade e não há previsão de reinstalarmos um ambiente regulatório que preze pelo cuidado das pessoas."
Ter "instituições públicas e privadas que tratem os cidadãos como prioridade e um ambiente regulatório que preze pelo cuidado das pessoas", eis o que se precisa, urgentemente. Atuar em prol de um estupendo (ou seria estúpido?) desenvolvimento tecnológico voltado para a substituição de pessoas por robôs em toda e qualquer atividade humana, em um ritmo cada vez mais frenético, eis o que se pratica neste insano planeta. Não, não dá para deixar de citar Albert Einstein mais vez. "Existem apenas duas coisas infinitas - o universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao universo.", disse o genial físico.
"Autonomia e a liberdade individuais, o empreendedorismo de si mesmo, a ilusão de que não dependemos de ninguém apesar da persistência da desigualdade econômica.", eis "algumas fantasias tipicamente americanas promovidas pela cultura tecnológica e as quais há pouca resistência" não apenas nos Estados Unidos, como diz Crary, mas também em outros países que tentam copiar esse país que se arroga como modelo para a humanidade. "A internet foi construída como um elemento unificador, que celebrava a fantasia de um mundo globalizado graças ao livre mercado, o que não se sustenta mais", acrescenta Jonathan Crary. E tome fantasias!
Solicitado a explicar sua "argumentação que a internet provoca um achatamento da sensibilidade", Jonathan Crary respondeu assim:
"A própria qualidade da vida humana está sendo degradada neste mundo que nunca desliga. (...) Somos encorajados a interagir com telas durante todas as horas que passamos acordados, o que elimina nossa possibilidade de sonhar acordado, de nos deslumbrar, de sentir a textura da experiência. Imaginação se tornou fluxo contínuo e monetizado de imagens e informação e temos até medo de desligá-lo. Se é assim, como vamos nos engajar nas tarefas essenciais para evitar a catástrofe?"
Sim, como vamos nos engajar nas tarefas essenciais para evitar a catástrofe, se durante todas as horas que passamos acordados o que fazemos é, exatamente, atuar em prol da catástrofe? "Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem", solicitou, há quase dois mil anos, o maior mestre que já passou por esta dimensão. O tempo passou, e até hoje a tal da espécie inteligente do universo prossegue agindo sem saber o que faz. Não, definitivamente, não dá para esquecer as palavras de Albert Einstein!
Indagado sobre "como responde a acusações de ser um romântico pré-moderno que odeia a tecnologia", Jonathan Crary respondeu assim:
"Essa crítica vem de uma falsificação das minhas ideias por parte de quem tem uma definição estreita de tecnologia, reduzida aos produtos de grandes corporações. (...) É absurdo me acusarem de ser contra a tecnologia quando se compreende o que essa palavra significa historicamente. A História da civilização é a História do emprego de diferentes tecnologias."
Ter uma definição estreita de tecnologia; não compreender o que essa palavra significa historicamente, eis, segundo Crary, o que leva indivíduos a acusarem alguém de odiar a tecnologia. Será que desejar ser considerado alguém alinhado com o seu tempo, para não ser visto como alguém que não consegue acompanhar o progresso, pode ser considerado algo que leva indivíduos a saírem por aí usando toda e qualquer novidade oferecida pelo cada vez mais estonteante desenvolvimento tecnológico em vigor neste alucinado planeta? Dito isto, segue outro interessante trecho da entrevista de Jonathan Crary.
"O complexo internético, descrito como o 'aparato global absoluto para a dissolução da sociedade' e 'o equivalente digital da ilha de lixo que se expande rapidamente no Oceano Pacífico', se esforça para transformar os jovens em consumidores previsíveis. O objetivo é impedir a emergência de uma juventude como a dos anos 1960. É fácil menosprezar e ridicularizar os anos 1960, subestimar quão ameaçador e desafiante foi aquele período de tumulto, de rebelião da juventude."
Impedir a emergência de uma juventude como a dos anos 1960, eis o objetivo de grandes corporações que, mantendo as pessoas "on-line" durante todas as horas em que estiverem acordadas (ocupadas com seus fascinantes produtos), tornaram-se as donas deste insano planeta. Impedir a emergência de uma juventude como aquela que, segundo Crary, engajou-se em um movimento intitulado Students for a Democratic Society (Estudantes para uma Sociedade Democrática).
Sim, como diz Crary, "É fácil menosprezar e ridicularizar os anos 1960, subestimar quão ameaçador e desafiante foi aquele período de tumulto, de rebelião da juventude.", pois, o que hoje se vê é uma juventude que não tem pela democracia o interesse que tinha a daquela década. Até porque, a democracia é algo que cada vez mais tem sido alvo de inúmeros ataques pelo mundo inteiro. Em um mundo em que redes sociais (sic) prestam-se, cada vez mais, a divulgação do ódio, o apreço pela democracia tende a ser cada vez menor. Fazendo uma analogia com o que é dito na última frase do parágrafo anterior, hoje o que se vê neste insano planeta são pessoas engajadas em algo que pode ser intitulado People against a Democratic Society (Pessoas contra uma Sociedade Democrática).
"Há centenas de livros que defendem reformar as tecnologias digitais. Para o bem e para o mal, quis escrever um livro radical, que chacoalhe essas perspectivas reformistas. Meu livro não é um manual."
"Escrever um livro radical, eis o que quis fazer Jonathan Crary". Radical na verdadeira acepção da palavra, e não na acepção deturpada. Não, radical nada tem a ver com extremismo. Radical significa ir à raiz; pois só indo à raiz de um problema é que se consegue resolvê-lo. Um livro que "chacoalhe essas perspectivas reformistas" para que elas caiam dos galhos em que estão penduradas, e que caindo por terra possam ser varridas como pseudo-soluções que são.
Falar em soluções e pseudo-soluções é algo que traz-me à mente a seguinte afirmação de Alvo Dumbledore, o mago barbudo dos filmes de Harry Potter. "Tempos difíceis estão por vir e, em breve, teremos que escolher entre o que é certo e o que é fácil.". Ou seja, entre o que é solução e o que é pseudo-solução. Entre fazer mudanças estruturais na internet e fazer apenas reformas.
"Se for possível um futuro habitável e partilhado em nosso planeta, será um futuro off-line", escreve o crítico de arte americano Jonathan Crary na abertura de seu novo livro, "Terra arrasada - além da era digital, rumo a um mundo pós-capitalista". E escrevo eu no fechamento destas reflexões provocadas pela leitura da extraordinária entrevista de Crary reproduzida na postagem anterior.

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