"Viver é um processo que requer intencionalidade, e isso seguramente nos cobrará algum ou muito esforço."
(Gonçalo Peçanha de Almeida, em Aprender a viver)
"Espalhando
ideias que ajudem a interpretar a vida e provoquem ações para torná-la cada vez
melhor", eis o título e a "intencionalidade" deste blog. "Melhor
vive quem melhor conhece; e melhor conhece quem melhor interpreta. Daí a
necessidade de esforços cada vez maiores na iluminação do raciocínio.",
eis a afirmação de Ariston Santana Teles colocada imediatamente abaixo da
primeira ilustração adicionada neste blog. Ou seja, no meu entender, saber interpretar
corretamente é uma das coisas mais importante deste percurso que a gente chama
de vida. Feito este preâmbulo, releiamos as seguintes palavras de Geraldo
Peçanha de Almeida em Aprender a viver.
"Parece a mesma coisa, mas não é. O que as instituições chamam de uma possível pandemia mundial de saúde mental é corroborado pelo aumento do consumo de medicamentos para dormir, se acalmar, relaxar e até para se alegrar. Mas o que me parece que nós, terapeutas, estamos vendo não é de fato um problema de saúde mental, mas um problema que se esconde por baixo do pano chamado saúde mental. Parece que tudo agora é problema de saúde mental, (...). Porém, por outro lado, a área da saúde vive há muitos anos um problema chamado subnotificação, ou o contrário dele. Nesse caso, as notificações por problemas de saúde mental estão escondendo uma questão que se torna crônica - as pessoas parecem não estar mais dispostas a nenhum esforço, nenhum estresse, nenhum sacrifício ou simplesmente nenhuma perda; tudo tem que ser leve e a custo zero, como dizem."
Parece a mesma coisa, mas não é, ou seja,
trata-se de um problema de interpretação. Problema que, segundo o que é dito no
final do parágrafo anterior, as pessoas parecem pretender resolver recorrendo a
uma velha lei: a lei do menor esforço. E ao falar em pretender resolver com
menor esforço, vem-me à mente a figura daquela personagem do vaudeville
que perde as suas chaves em uma rua escura e as procura em uma rua próxima,
porque, ela explica, "Lá é mais
claro".
Procurar onde é mais claro em vez
de onde foi perdido! Como classificar tal ato? Aplicação da lei do menor
esforço ou clara demonstração de estupidez? Há situações em que é quase
impossível dirimir esse tipo de dúvida. Sendo assim, releiamos mais um trecho
de Aprender a viver.
"Estamos preferindo comidas prontas, que só precisam ser aquecidas. Estamos buscando carros com mais e mais recursos para não fazermos esforços, e nossos celulares precisam fazer de tudo, (...). E assim vamos, pouco a pouco, moldando nossa mente para uma vida sem qualquer esforço. (...) Eu sou muito adepto das facilitações da vida. Acredito que homens e mulheres podem ter uma vida prática, mas isso não quer dizer uma vida fácil. Viver é um processo que requer intencionalidade, e isso seguramente nos cobrará algum ou muito esforço. Estamos desaprendendo a viver, desaprendendo o sabor das conquistas. (...) Ficar sem dormir, sem comer e por conta das necessidades do bebê é algo que mães e pais aprendem que podem fazer, e isso só é possível graças à intenção deles - querer um filho e, portanto entender o que é preciso fazer."
Sim, "Viver é um processo que requer
intencionalidade, e isso seguramente nos cobrará algum ou muito esforço. (...)
entender o que é preciso fazer!" Dito isto, releiamos mais um trecho de Aprender a viver.
"Tempos atrás um paciente me falou: 'Doutor, eu não quero sair da internação, por favor. Aqui, se eu tenho insônia, me dão remédio e eu durmo. Se eu tenho ansiedade, sou medicado e passa. Se eu fico deprimido, logo chegam as pílulas e me alegram. Por que eu iria querer sair daqui?' (...) Tenho chamado isso de síndrome da lagarta arrependida: nós queremos sair do casulo para virar uma borboleta, mas sem nenhum esforço."
Dando uma denominação diferente, chamo isso de
síndrome da lagarta adepta da "medicalização
da vida": nós queremos transformar
situações normais da existência humana em objetos de abordagem por
profissionais de saúde, utilizando medicamentos e equipamentos. Atingidos por
males decorrentes de hábitos não salutares o que fazemos nós? Partimos em busca
de medicamentos que nos possibilitem livrar-nos de nossos males sem precisarmos
livrar-nos dos equivocados hábitos que os originaram. Ainda lembram da história
da procura das chaves em um lugar mais claro em vez do lugar onde elas foram
perdidas, citada alguns parágrafos acima? E da dúvida quanto a como classificar
tal procura? Pois é. Enxergo uma analogia perfeita entre a referida procura e a
busca de medicamentos e de tratamentos milagrosos.
Enviado por e-mail, recebi de um ex-colega de trabalho e eterno amigo, um
comentário em que ele destaca um trecho de Aprender a viver.
"Achei ótima essa observação: 'A grande maioria dos pacientes de psicanálise possui uma gama enorme de possibilidades, mas não sabem o que escolher - ou querem escolher tudo, porque não são capazes de deixar nada de fora. Sofrem porque acreditam que são bons demais e darão conta de tudo, e não reparam na finitude das energias, das paixões e dos desejos. É outra face dessa mesma situação. Há quem tenha até preguiça de fazer escolhas, e busca o terapeuta para fazer por ele.'"
Não enxergo a busca de alguém para fazer
escolhas por ele como algo restrito a pacientes de psicanálise. Tampouco que o
motivo para tal busca esteja restrito à preguiça. Enxergo tal prática como algo
adotado pela maioria dos integrantes da autodenominada espécie inteligente do
universo, e para a qual existem outros motivos, entre eles um que considero até
mais lamentável do que a preguiça. Qual? Livrar-se da responsabilidade por suas
escolhas. O prosseguimento da postagem apresenta dois casos de escolhas feitas
por tal motivo.
No
longo período em atuei no teatro, digo, mundo corporativo, certa vez ouvi de um
chefe de divisão que apregoava que chegaria a diretor da companhia, algo mais
ou menos assim: "Eu
contrato um consultor para ter o conforto de não ser responsabilizado por
decisões equivocadas que eu vier a tomar". Decisões que ele teria
que tomar a partir de escolhas que cabiam a ele fazer devido ao cargo que
ocupava. E ao fazer tal "confissão"
aquele aspirante a diretor da companhia expressava não apenas o seu pensamento,
e sim o da maioria daqueles a quem cabe tomar decisões no mundo corporativo. Para
respaldar o que acabo de dizer, recorro a uma reportagem publicada na edição de
02 de dezembro de 1998 da revista EXAME,
sob o título "Quem
precisa de um consultor?".
Atribuída à Cláudia Vassalo com a colaboração de Gladinston Silvestrini,
Jacqueline Breitinger e Suzana Niadithc, foi dela que extraí as seguintes
afirmações:
"Gestões fracas tendem a ser viciadas em consultoria. Seus executivos não conseguem fazer nada sem ter o aval de uma delas nas mãos. Fazem isso por inépcia ou como forma de proteção. Erros acontecem? Ora, a culpa foi do consultor."."Uma empresa cujos executivos abdicam de suas responsabilidades não precisa de consultores. Precisa de novos executivos."
A vida é
feita de escolhas. O problema é a maioria das pessoas tem enorme dificuldade para
fazer suas próprias escolhas e prefere escolher o que é dito que está sendo escolhido
pela maioria. Foi quando entendeu isso, e começou a divulgar que a maioria
estava aderindo ao novo plano, que a PETROBRAS conseguiu que a maioria de seus funcionários
aceitasse migrar para um plano de aposentadoria privada que o meu raciocínio
lógico impede de enxergar como melhor para o funcionário, pois se assim fosse,
caberia a ele pagar para aderir ao novo plano, ao invés de aceitar um suborno
pela adesão.
Escolher o
que é dito que a maioria está escolhendo, eis uma forma de livrar-se da
responsabilidade de ter feito uma escolha errada. A escolha foi errada? Ora, a
culpa não foi minha. Afinal, eu escolhi o que todos estavam escolhendo. Dito
isto, para encerrar
esta já longa postagem, que alguns que começaram a ler podem, por preguiça, ter
escolhido não terminar, releiamos, com a máxima atenção, o instigante parágrafo
final de Aprender a viver.
"E assim dia a dia, vemos uma geração se construindo por vozes alheias. Há instituições que falam por nós em todas as situações. Nossas vozes individuais estão se calando ou se tornando desnecessárias. Há lugares em que não somos mais ouvidos individualmente; só uma instituição pode falar por nós. Este é o retrato do que fizemos com a nossa exclusão e com a nossa facilitação da vida. Se não assumirmos o que queremos e deixarmos isso para instituições, elas provavelmente farão por nós, mas nunca será como queremos ou precisamos. Creio que é hora de pensarmos em nossas promessas durante a pandemia - seríamos melhores quando tudo passasse. Pois bem, está passando. E agora? O que vamos fazer para que a nossa vida tenha sentido?"
Será que tentar entender que "Viver é um
processo que requer intencionalidade, e isso seguramente nos cobrará algum ou
muito esforço.", pode ser considerado um bom começo para "o que vamos
fazer para que a nossa vida tenha sentido"? Será que é a partir desse
entendimento que pararemos de usar a lei do menor esforço em questões que referem-se
a coisas que dão sentido à vida; tanto à nossa quanto a dos demais integrantes
deste planeta. Afinal, como é dito em um tag
usado como ilustração neste blog - "Nada que vale a pena é fácil.
Lembre-se disso."
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