quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

A magia do toque

  "Onde começa o toque, ali o amor e a humanidade também começam".

(Ashley Montagu [1905 - 1999], antropólogo e humanista inglês)

Não, o que esta postagem focaliza não é a viciante magia produzida por toques dados em máquinas dotadas de touch screen, e sim a desvalorizada magia produzida por toques dados em seres dotados de touch skin. O texto nela reproduzido foi extraído de um livro intitulado Por uma vida de verdade. Publicado em 2015, o livro é uma coletânea dos principais artigos de Susan Andrews publicados entre 2006 e 2008 na revista Época. Embora os escritos já tenham uma década e meia, os assuntos nele abordados continuam presentes na vida de milhões de pessoas. Quem é Susan Andrews? Segundo um trecho do que é dito sobre ela na segunda "orelha" do referido livro, é uma norte-americana formada pela Universidade de Harvard, doutora em Psicologia Transpessoal pela Universidade de Greenwich, Conferencista em 40 países, e que vive no Brasil desde 1992.
A magia do toque
Afagos carinhosos podem estimular o sistema imunológico, melhorar o funcionamento mental e até aliviar a hiperatividade
Frederico II, imperador da Alemanha no século XIII, era dado a se engajar em bizarros experimentos. Num deles, quis descobrir que tipo de idioma as crianças falariam caso crescessem sem jamais ouvir uma palavra sequer. Será que seria a língua de seus pais, ou hebreu, ou grego, ou latim, ou árabe? Ordenou então que algumas "mães postiças" amamentassem e banhassem um grupo de bebês, porém sem falar com eles nem tocá-los depois. Mas, como o historiador franciscano Sambilene de Adama relatou, "o imperador tentou em vão, porque todas as crianças morreram. Pois elas não conseguiam viver sem os carinhosos afagos, sem os alegres semblantes e as amorosas palavras das mães postiças".
"Não conseguiam viver sem os carinhosos afagos..." Algo tão simples. Toque. Quem poderia imaginar que um dos mais básicos dos atos humanos poderia estimular o sistema imunológico, melhorar o funcionamento mental e até aliviar a hiperatividade ou o déficit de atenção em crianças agitadas? Sambilene foi um dos primeiros a registrar os deletérios efeitos da falta do toque no organismo humano.
Mais recentemente, durante o último século, estudos foram feitos pelos pediatras Henry Chapin e Rene Spitz, dos Estados Unidos, mostraram que crianças que viviam em instituições com alimentação e higiene adequadas morreram pela carência de toque. Todas essas crianças receberam o que se acreditava ser essencial para sua sobrevivência: nutrição e um ambiente higiênico. Mesmo com as necessidades físicas atendidas, os médicos concluíram que o fator essencial ausente era o toque amoroso.
No Instituto de Pesquisa do Toque, na Universidade de Miami, Estados Unidos, a psicóloga Tiffany Field e seus colegas têm estudado os efeitos do toque. Suas pesquisas mostram que um aumento de toques – especialmente em crianças – pode amenizar resfriados, diarreia, asma, dermatite, doença cardiovascular, dor crônica, insônia e estresse. O toque também melhora o funcionamento mental. Um estudo feito pela pesquisadora Sybill Hart, do mesmo instituto, revelou que crianças da pré-escola – especialmente aquelas mais "temperamentais", que recebiam uma massagem de 15 minutos por dia – tinham melhores resultados em testes de desempenho cognitivo e mostraram um aumento da atenção. Isso pode ocorrer porque o toque reduz os níveis do hormônio do estresse, o cortisol. Uma vez que o excesso de cortisol inibe o funcionamento do hipocampo, o centro de memória e aprendizado no cérebro, a redução da secreção desse hormônio pode levar a uma melhora na capacidade mental.
Grudados em nossas telas de computador ou de TV, dependemos tanto do visual que perdemos contato com nossa sensação tátil. O antropólogo britânico Ashley Montagu, em seu clássico livro Tocar, lamenta a "dolorosa privação de experiência sensorial que sofremos em nosso mundo tecnológico. A impessoalidade da vida no mundo ocidental chegou a tal ponto que acabamos produzindo uma raça de 'intocáveis'".
Com tamanha agitação e distúrbios mentais à nossa volta, será que não é chegada a hora de resgatar uma das mais básicas expressões da afeição humana – o toque? Como Montagu diz, "onde começa o toque, ali o amor e a humanidade também começam".
Assegure de que você está a cada dia dando a seus filhos o conforto do carinho tátil. Aprenda a massagem para bebês. Esfregue as costas de seu filho e faça cafuné em seu cabelo, Ensine a suas crianças a automassagem. E incentive a introdução do toque na educação infantil.
*************
A vida é feita de escolhas, de uma infindável sucessão de escolhas. Escolhas que nos são propostas durante todo o tempo. Escolhas complexas, que não exemplificarei aqui, e escolhas simples como escolher entre ler ou não esta postagem até o final. Portanto, para quem chegou até aqui, entendo que, na infindável sucessão já citada, a próxima escolha seja entre refletir ou não sobre o que é dito no excelente artigo de Susan Andrews. Até porque acredito que é desenvolvendo o hábito de refletir sobre o que lemos, ouvimos ou observamos que, nessa infindável sucessão de escolhas das quais a vida é feita, nos tornaremos capazes de fazer escolhas cada vez mais acertadas.

Nenhum comentário: