Existem, basicamente, dois tipos de deuses. Do primeiro, existe um único exemplar. Exemplar que pode ser definido como "a
inteligência suprema, causa primária de todas as coisas". Coisas entre as quais, obviamente, estão
incluídas todas as criaturas existentes no Universo. Do segundo, existem
alguns exemplares, pois são deuses inventados por algumas das criaturas. Exemplares
que podem ser definidos como "a conveniência suprema (de algumas criaturas), causa primária de todas
as coisas equivocadas que existem no Universo. Exemplares
cuja existência é defendida por aqueles para os quais sua existência seja
conveniente, e entre os quais está incluído um sinistro deus intitulado
Mercado. Feito este preâmbulo, segue a reprodução de alguns trechos selecionadas
da autêntica aula de Ivo Tonet.
"Dizem os defensores do mercado que ele é uma expressão da natureza humana. Segundo eles, todos nós nascemos egoístas. Por isso, cada um de nós busca o seu interesse pessoal. Daí nasce a desigualdade social. A concorrência, estabelecida pelo mercado, seria o meio mais adequado para equilibrar essa desigualdade, impedindo que ela se tornasse muito aguda. Seria a famosa “mão invisível” do mercado. Nesse sentido, o mercado, a troca, sempre teria existido. O mercado capitalista seria apenas a forma mais aperfeiçoada possível dessa troca que se fundamentaria na verdadeira natureza humana.""No entanto, como pudemos ver, examinando o processo histórico, a natureza humana é histórica e social, isto é, é resultado da atividade humana. Nós não nascemos nem egoístas nem solidários. O que nos faz egoístas ou solidários é o conjunto das relações sociais que nós mesmos vamos criando. Entre essas relações, uma ocupa um lugar todo especial: a relação de trabalho. As relações que os homens estabelecem entre si no processo de transformar a natureza serão as responsáveis fundamentais – não, obviamente, únicas – pelo nosso egoísmo ou pela nossa solidariedade.""Além disso, o mercado nem sempre existiu. De modo, especial, o mercado, sob a sua forma capitalista, é algo muito recente na história da humanidade. Sua origem, sua natureza, seu poder, seu caráter misterioso, tudo isso pode ser claramente conhecido. Ele resulta de uma determinada forma da atividade humana, de um determinado processo de produzir e repartir a riqueza. Isso nada tem de natural e muito menos de divino."
Ou seja, diferentemente do que "dizem os defensores
do mercado", ele não apenas "nem sempre existiu, como também "nada
tem de natural e muito menos de divino". Diferentemente do que "dizem
os defensores do mercado", ele "tudo tem de artificial e muito
mais de diabólico".
O problema é que, em uma sociedade composta de
exploradores e de explorados, tudo o que os exploradores desejam é impingir aos
explorados a ideia de que tudo que nela ocorre é natural e imutável, para dessa
forma afastar toda e qualquer possibilidade de os explorados pensarem em agir no
sentido de combater à exploração a que estão submetidos. Desejo que eles
concretizam recorrendo a uma velha prática que na Roma Antiga ficou conhecida
como Política do Pão e Circo? Em que consiste tal política? Em evitar a revolta
dos explorados oferecendo-lhes pão e circo. Oferta que com o passar do tempo
tem cada vez menos pão e mais circo, pois mais importante do que oferecer pão
para manter vivos os explorados é oferecer circo para manter entorpecidos aqueles
indivíduos que teimem em continuar sobrevivendo. Afinal, como diz a filósofa
Márcia Tiburi, "A diversão é uma droga, ela nos livra de
pensar." E livrando-nos de pensar, consequentemente,
ela livra-nos também de questionar os absurdos que nos são impingidos, entre
eles a imprescindibilidade de ser submisso a um deus denominado Mercado.
Indivíduos que teimando em continuar sobrevivendo acabam por
despertar a ira do temível deus Mercado. Ira cujo abrandamento exige o
oferecimento de explorados em
sacrifício, pois em um mundo excessivamente tecnológico a quantidade
necessária de explorados é cada vez menor o que torna a sua não diminuição um problema
cada vez maior para os exploradores, considerando que a garantia do padrão de
vida dos exploradores é algo que exige uma violenta diminuição da quantidade dos
explorados que teimam em continuar sobrevivendo neste planeta, como mostra algo
que li há 14,5 anos e que jamais esqueci. Em artigo publicado na
edição de 22 de junho de 2008 do Jornal
do Brasil, sob o título A guerra
entre os ricos e os pobres, o jornalista Mauro Santayana diz o seguinte:
"Entre as assustadoras denúncias de projetos do neoliberalismo e da globalização, para a exclusão, há a de um encontro ocorrido na Califórnia, nos anos 80, em que alguns economistas e sociólogos americanos e europeus, sob o patrocínio dos banqueiros, concluíram que era necessário afastar do consumo 4/5 da população mundial, a fim de garantir o padrão de vida dos 20% de ricos restantes. Os demais deveriam ser marginalizados da comunidade planetária, até sua extinção, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Os fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a cada dia mais escassa) abomina."
"Algum de vocês consegue não enxergar "nesse monstruoso projeto" um ato de
submissão e de adoração ao famigerado deus Mercado?
Iniciando o final destas reflexões, segue a reprodução
dos dois parágrafos finais da autêntica aula de Ivo Tonet.
"Dentro da sociedade capitalista, todos nós somos, independente da nossa vontade, comandados pela lógica do capital, pelo mercado. Mas, como ela não é natural, isto é, resultado das leis da natureza, mas social, vale dizer, produto da atividade humana, ela também pode ser superada. É plenamente possível acabar com a produção capitalista da riqueza e, portanto, com todas as categorias que compõem o mercado. Basta, para isso, organizar outra forma de produzir a riqueza.""Como nascemos dentro de uma sociedade capitalista, onde o mercado é o grande regulador da vida social, e como, na maioria das vezes, não temos acesso a um conhecimento que nos permita compreender o processo capitalista de produção e repartição da riqueza, tudo nos aparece como sendo natural, misterioso e muito poderoso. Nada nos restaria fazer a não ser adaptar-nos a essa situação, correndo, cada um de nós, atrás dos seus interesses particulares numa competição de todos contra todos. Quando, porém, temos acesso a esse conhecimento, percebemos que o mercado capitalista nada mais é do que o resultado de determinadas atividades humanas, das quais, a mais fundamental é a atividade de produção da riqueza. O processo social concreto fez com que essas atividades assumissem uma forma natural, misteriosa e muito poderosa e controladora da nossa vida. Mas, não são eternas e nem insuperáveis."
Diferentemente do que nos
é impingido por meios de comunicação a
serviço dos que se consideram os donos do mundo,
as sinistras atividades desenvolvidas "dentro de uma sociedade capitalista, onde o mercado é o grande regulador
da vida social", não são naturais, "nem
eternas e nem insuperáveis".
Não, não é utopia acreditar que coisas ruins são superáveis. Até porque, como
diz o filósofo Slavoj Zizek, existe apenas uma utopia. "Quando me dizem 'você é um
utópico', digo: 'a única utopia de fato é acreditar que as coisas podem seguir
indefinidamente seu curso atual'".
Concordo plenamente com ele. E também com uma inesquecível afirmação de Bertolt
Brecht: "Nada deve parecer natural; nada deve parecer impossível de
mudar." Portanto, por mais que os favorecidos por esse sinistro deus inventado
insistam em afirmar o contrário, para os desfavorecidos, "tudo deve
parecer artificial, tudo deve parecer possível de mudar".
Nenhum comentário:
Postar um comentário