Continuação de sexta-feira
De acordo com José Paulo Netto e Marcelo Braz
(2006, p. 91), "A lei do valor é, no âmbito da produção de mercadorias, o único
regulador efetivo da produção e da repartição do trabalho e funciona à revelia dos homens, como algo
completamente fora do seu controle; (...).
É importante destacar esse fato. Todo esse processo
de produção, distribuição e consumo das mercadorias não é planejado pelos
homens. Ele tem suas leis próprias e funciona de modo independente da vontade,
dos interesses e dos desejos dos homens. Exatamente porque seu objetivo não é
atender as necessidades humanas, mas a acumulação cada vez mais ampla de
capital. Lembremos que capital pode ter formas diversas: dinheiro, mercadorias,
meios de produção.
Acontece
que a produção, no sistema capitalista sempre implica a concorrência. Cada capitalista
produz o que acha que vai lhe dar mais lucro. Não há um plano geral antecipado
que estabeleça quais são as necessidades e o que deverá ser produzido para
atendê-las. Isso faz com que cada capitalista concorra com todos os outros do
seu ramo e também com todos os outros capitalistas, buscando obter o maior
lucro possível. Também faz com que o preço das mercadorias oscile ao redor do
seu valor. Vale dizer, na busca por obter maior lucro do que os seus
concorrentes, cada capitalista pode vender abaixo ou acima do valor das
mercadorias. Os próprios trabalhadores também concorrem entre si, buscando
vender sua força de trabalho nas melhores condições possíveis. Isso faz do
capitalismo um sistema de concorrência generalizada.
De
modo geral, se há uma demanda maior de alguma mercadoria, seu preço tende a
subir. Se há uma demanda menor, ele tende a cair. É a famosa lei da oferta e da
procura.
Como as mercadorias não podem ser trocadas
diretamente umas pelas outras, era necessário encontrar um elemento que pudesse
expressar o valor de qualquer uma delas. Esse meio foi o dinheiro. Como se
sabe, o dinheiro existia há muito tempo. Mas, só agora, com a generalização da
troca, com todas as coisas sendo produzidas como mercadorias, isto é, visando o
lucro e não o atendimento das necessidades humanas, é que o dinheiro se tornou
o equivalente universal, isto é, aquele que pode expressar o valor de qualquer
mercadoria. E, portanto, possibilitar a troca das mercadorias.
O dinheiro é a mercadoria por excelência. É ele que
estabelece a forma como você pode estar inserido no mercado. É ele que
determina se você vai ter ou não, e em que medida, acesso às mercadorias. Como
os capitalistas, sendo proprietários dos meios de produção (máquinas, terras, instalações,
etc.) e da mais-valia originada da exploração dos trabalhadores, canalizam para
si a maior parte da riqueza, são eles que tem maior acesso aos bens. Mas, é
importante assinalar de novo: o mercado comanda a vida de todos, dos
trabalhadores e dos capitalistas, embora deixando-os em situações muito
diferentes.
Ao
longo do seu desenvolvimento, o capitalismo vai se tornando cada vez mais
complexo. E também cada vez mais irracional e desumano, por sua própria lógica,
embora desenvolva muito a capacidade de produzir riqueza, não pode atender as
necessidades humanas. Desse modo, o mercado também vai se tornando cada vez
mais complexo, implicando não só as mercadorias, mas também o mercado de
capitais, as bolsas de valores. É, portanto, natural que os proprietários dos meios
de produção, das mercadorias e do capital sejam os mais beneficiados por esse
sistema e tenham o maior interesse em defendê-lo.
Dizem
os defensores do mercado que ele é uma expressão da natureza humana. Segundo eles,
todos nós nascemos egoístas. Por isso, cada um de nós busca o seu interesse
pessoal. Daí nasce a desigualdade social. A concorrência, estabelecida pelo mercado,
seria o meio mais adequado para equilibrar essa desigualdade, impedindo que ela
se tornasse muito aguda. Seria a famosa "mão invisível" do
mercado. Nesse sentido, o mercado, a troca, sempre teria existido. O mercado capitalista
seria apenas a forma mais aperfeiçoada possível dessa troca que se
fundamentaria na verdadeira natureza humana.
No entanto, como pudemos ver, examinando o processo
histórico, a natureza humana é histórica e social, isto é, é resultado da
atividade humana. Nós não nascemos nem egoístas nem solidários. O que nos faz
egoístas ou solidários é o conjunto das relações sociais que nós mesmos vamos
criando. Entre essas relações, uma ocupa um lugar todo especial: a relação de
trabalho. As relações que os homens estabelecem entre si no processo de
transformar a natureza serão as responsáveis fundamentais – não, obviamente,
únicas – pelo nosso egoísmo ou pela nossa solidariedade.
Além disso, o mercado nem sempre existiu. De modo,
especial, o mercado, sob a sua forma capitalista, é algo muito recente na
história da humanidade. Sua origem, sua natureza, seu poder, seu caráter
misterioso, tudo isso pode ser claramente conhecido. Ele resulta de uma determinada
forma da atividade humana, de um determinado processo de produzir e repartir a riqueza.
Isso nada tem de natural e muito menos de divino.
4. Possibilidade
de superação do mercado
Dentro da sociedade capitalista, todos nós somos,
independente da nossa vontade, comandados pela lógica do capital, pelo mercado.
Mas, como ela não é natural, isto é, resultado das leis da natureza, mas
social, vale dizer, produto da atividade humana, ela também pode ser superada.
É plenamente possível acabar com a produção capitalista da riqueza e, portanto,
com todas as categorias que compõem o mercado. Basta, para isso, organizar
outra forma de produzir a riqueza. Essa forma é o que Marx chamada de trabalho
associado, Em síntese, trabalho associado é uma forma de trabalho na qual todos
contribuem, segundo as suas capacidades e possibilidades, para a produção da
riqueza. A contribuição de todos reduziria muitíssimo, dado o enorme avanço tecnológico,
o tempo de trabalho necessário para produzir a riqueza. Esta seria produzida,
de modo planejado, para atender as necessidades humanas e não para acumular
capital. Isso eliminaria a exploração do homem pelo homem e todas as formas de
desigualdade social.
Conclusão
Como nascemos dentro de uma sociedade capitalista,
onde o mercado é o grande regulador da vida social, e como, na maioria das
vezes, não temos acesso a um conhecimento que nos permita compreender o
processo capitalista de produção e repartição da riqueza, tudo nos aparece como
sendo natural, misterioso e muito poderoso. Nada nos restaria fazer a não ser
adaptar-nos a essa situação, correndo, cada um de nós, atrás dos seus
interesses particulares numa competição de todos contra todos. Quando, porém,
temos acesso a esse conhecimento, percebemos que o mercado capitalista nada
mais é do que o resultado de determinadas atividades humanas, das quais, a mais
fundamental é a atividade de produção da riqueza. O processo social concreto
fez com que essas atividades assumissem uma forma natural, misteriosa e muito
poderosa e controladora da nossa vida. Mas, não são eternas e nem insuperáveis.
Bibliografia
HUBERMAN. L. História da riqueza do
homem. Rio de Janeiro, LTC, 1986.
MARX, K. O Capital – crítica da
economia política. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 1975.
_____, Trabalho assalariado e capital
& Salário, preço e lucro. São Paulo, Expressão Popular, 2010. PAULO NETTO,
J. e BRAZ, MARCELO. Economia política – uma introdução crítica. São Paulo,
Cortez, 2006.
TONET, I. Sobre o socialismo. São
Paulo, Instituto Lukács, 2012.
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"Ela (a
entidade mercado) deve ser aceita como algo natural ou pode ser questionada e eliminada?
Podemos viver sem mercado?", eis dois
questionamentos de Ivo Tonet que encerram o quarto parágrafo do seu excelente texto.
"O processo social
concreto fez com que essas atividades (de produção e de repartição da riqueza) assumissem
uma forma natural, misteriosa e muito poderosa e controladora da nossa vida.
Mas, não são eternas e nem insuperáveis.", eis as duas afirmações que encerram o texto.
"Questionamentos e afirmações que levam o velho
método das recordações sucessivas a lembrar-me da seguinte afirmação de Bertolt Brecht: "Nada deve parecer natural; nada
deve parecer impossível de mudar.". E também da seguinte afirmação de Zigmunt Bauman: "Nenhuma sociedade que esquece a arte de
questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem.".
Reler atentamente essa
autêntica aula de Ivo Tonet, eis uma boa oportunidade para exercitar a arte de
questionar. E também a de refletir.
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