sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

O Deus Mercado (II)

Continuação de segunda-feira
O aumento dos conhecimentos acerca da natureza, o aperfeiçoamento de ferramentas as mais variadas, os desenvolvimentos de novas técnicas e habilidades, tudo isso contribuiu para ampliar a capacidade dos seres humanos de produzir bens necessários. Há mais ou menos 12 mil anos houve uma grande virada na história da humanidade. Os homens descobriram a agricultura e a domesticação de animais. Descobriram que era mais produtivo plantar do que simplesmente tirar da natureza os produtos. Também descobriam que era mais produtivo domesticar alguns animais do que simplesmente matá-los. Isso possibilitou uma produção de bens muito maior do que até então. Também descobriram que, produzindo mais e com isso podendo sustentar mais pessoas, era mais produtivo escravizar os prisioneiros em vez de matá-los. Eles poderiam produzir mais do que consumiam e, com isso, os seus donos poderiam enriquecer. Foi o começo da propriedade privada, da escravidão, das classes sociais e da luta de classes. Foi, também, nesse período que surgiu a desigualdade social. Alguns – muito poucos – eram ricos e outros – a imensa maioria – eram pobres. Mas, como vimos, a riqueza dos ricos não era um produto natural. Era o resultado da exploração dos trabalhadores escravos.
O aumento da produção propiciado pela revolução neolítica fez com que muitos grupos deixassem de ser nômades e se fixassem em determinados locais, dando origem às primeiras cidades. Dentro delas, determinados espaços foram sendo organizados para permitir as trocas de produtos. Surgiu, então, o mercado. No entanto, nesse tempo, as coisas ainda eram trocadas diretamente, umas pelas outras. O aumento das trocas levou, com o tempo, à criação de um meio que as facilitasse. Durante muito tempo, esse meio era simplesmente determinado produto – sal, chocolate, etc. Por volta do século 6 A.C., na Lídia (hoje, Turquia), segundo a teoria mais aceita, foi criado o dinheiro, uma moeda de metal, para facilitar as trocas.
Quem conhece um pouquinho de história sabe que, no mundo ocidental, ao escravismo se sucedeu o feudalismo e, depois, o capitalismo, no qual vivemos até hoje.
Durante o escravismo e o feudalismo, ser rico era ter terras e escravos ou servos. A ampla maioria das coisas era produzida para ser usada, não para ser vendida. Certamente, existia o comércio, pois o desenvolvimento das forças produtivas, sob a nova forma da propriedade privada, permitia a produção de um excedente bastante grande. Mas, mesmo o objetivo da troca, nesse período, era a compra e venda de mercadorias e não a acumulação de dinheiro. Conforme a clássica fórmula de Marx: M-D-M (Mercadoria-Dinheiro-Mercadoria). O dinheiro era apenas um meio para facilitar o intercâmbio de mercadorias.
Em resumo: não era o mercado que dominava a produção. Como já disse, a produção estava voltada para o atendimento das necessidades humanas – numa sociedade de classes, é claro, - e não para a acumulação de riqueza.
3. Um novo mercado: capitalista
Ao longo do feudalismo, as coisas foram mudando. Como se sabe, o feudalismo era um sistema de feudos, isto é, de grandes extensões de terras, doadas pelo rei aos nobres. Deles fazia parte, além dos nobres e sua corte, um determinado número de servos e camponeses. Cada feudo produzia praticamente tudo o que consumia. Ao contrário dos escravos, para os quais o aumento da produção não resultava em melhoria de vida, os servos e camponeses tinham interesse em aumentar a produção, pois isto significava, também para eles, alguma melhoria. Com isso, aos poucos, os feudos foram produzindo mais do que era consumido. A partir daí, em determinadas localidades foram sendo organizadas feiras para comercializar os excedentes. Além disso, também foi intensificado o comércio com o Oriente. Lembremos que o feudalismo começou por volta do século 4 D.C., com a derrocada do escravismo. No entanto, foi apenas a partir dos séculos 11/12 em diante que estas feiras e este comércio se intensificaram.
Deste modo, foi sendo gerada, no interior do sistema feudal, uma grande quantidade de dinheiro, que resultava da compra e venda de mercadorias. Era o chamado capital mercantil. Comerciantes (burgueses), interessados em atender a crescente demanda por novos produtos, começaram a investir esse capital na produção e não apenas na compra e venda de mercadorias. Mas, o investimento na produção necessitava de uma mercadoria que ainda não existia – a força de trabalho livre. Foi, então que, tendo à frente a Inglaterra, começou a expulsão dos servos e camponeses das terras, nas quais trabalhavam, para darem lugar a grandes pastagens para a criação de gado, especialmente ovelhas, produtoras de lã. A maioria deles se transformou em força de trabalho livre, isto é, em uma mercadoria – força de trabalho – para ser vendida a quem interessasse e pudesse comprar.
O encontro do capital mercantil com a força de trabalho livre foi o lançamento da pedra fundamental do capitalismo, do mercado como regulador da produção econômica e, por consequência, de toda a vida social.
Para compreender o que é o mercado – capitalista – é preciso entender o que é e como se produz o capital.
Como dissemos, com a articulação entre força de trabalho livre e capital mercantil nasce uma forma inteiramente nova de produzir a riqueza. Trabalhador e capitalista fazem um contrato (não necessariamente escrito e/ou legalizado). Mediante esse contrato, o trabalhador se compromete a trabalhar determinada quantidade de horas para o capitalista. Este, por sua vez, se compromete a pagar ao trabalhador um determinado salário. Todas as mercadorias produzidas, inclusive aquela que ele comprou do trabalhador – a força de trabalho – pertencem ao capitalista. Por sorte do capitalista e infelicidade do trabalhador, ao longo dessa jornada de trabalho, o trabalhador produz muito mais do que seria necessário para pagar o seu salário. Essa parte que sobra é a chamada mais-valia e também pertence ao capitalista. Esta é a forma capitalista de produzir riqueza. Tudo se transforma em mercadoria, inclusive o próprio trabalhador.
Mas, agora, o objetivo do capitalista não é produzir coisas para serem usadas, mas para gerar lucro. Conforme a nova fórmula de Marx: D-M-D' (Dinheiro – Mercadoria – Dinheiro') O símbolo, junto ao último D, expressa o fato de que o objetivo não é apenas resgatar o dinheiro investido na compra da mercadoria, mas aumentar a sua quantidade. Capitalismo implica, necessariamente, o aumento do valor investido. Neste processo, o valor de uso, isto é, a produção para atender as necessidades das pessoas, fica subordinado ao valor de troca, aquele que tem por fim ter lucro. Certamente, o que é produzido tem que ter alguma utilidade para alguém. Porém, o mais importante é que ele gere lucro. Se não gerar lucro, não será produzido, mesmo que haja pessoas que necessitem de determinada coisa.
Milhares de coisas são produzidas por milhares de empresas. Como a produção não é planejada antecipadamente para atender as necessidades humanas, mas para gerar lucro, o produtor terá que levá-las ao mercado para saber se há interesse por elas. Mas, as mercadorias são muito diferentes. Como fixar o preço delas? Como comparar coisas tão diferentes? Quantos sacos de trigo seriam necessários para comprar uma geladeira? Deveria haver algo de comum entre todas as mercadorias para que a troca pudesse se realizar. Aprofundando conhecimentos elaborados por outros autores, Marx descobriu que o que possibilita essa comparação é o tempo de trabalho socialmente – não individualmente – necessário para a produção de cada coisa. O tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma mercadoria é a medida do valor dela e é ele que permite fixar o seu preço. Essa é a lei mais importante do sistema capitalista, a lei do valor. Cada mercadoria tem um determinado custo para ser produzida, isto é, o dispêndio de determinada quantidade de energia física e mental. O preço dela será fixado em relação a esse custo, podendo oscilar para baixo ou para cima, dependendo de outras circunstâncias, como a concorrência entre capitalistas, a lei da oferta e da procura, etc.
 Termina na próxima quinta-feira

Nenhum comentário: