"A corrida atual pelo luxo dos homens se torna a escolha mais deprimente, decorrente do egoísmo mais sujo da sua própria decadência cultural, social e espiritual."
(Helgir Girodo)
Prosseguindo no espalhamento de
ideias que já deveriam ter sido espalhadas, segue uma instigante entrevista
publicada na edição de 1º de março de 2010 da revista ÉPOCA sob o título "O
acesso ao luxo nos torna egoístas". Na época de sua publicação, faltavam sete meses para a
homologação da minha aposentadoria, este blog não existia e a forma que eu usava
para espalhar ideias era o envio para uma lista de e-mails. Forma que usei para
espalhá-la um mês após sua publicação.
O acesso ao luxo nos torna egoístas
A conclusão
é de um professor de Harvard que estudou nossas reações a símbolos de status e
riqueza
Antes de procurar entender a influência do luxo sobre as
decisões que tomamos, o professor Roy Chua estudou as diferenças de liderança e
gestão no ambiente empresarial dos Estados Unidos e da China. Foi quando
percebeu que uma reunião feita numa sala modesta pode levar a conclusões
distintas daquelas a que o mesmo grupo de pessoas chegaria se estivesse rodeado
de telões de plasma e pisando sobre mármore. "Talvez limitar os excessos e luxos corporativos possa
ser um passo à frente para que os executivos se comportem de forma mais
responsável", afirma.
Roy Chua nasceu em Cingapura, é
professor assistente de liderança e comportamento organizacional da Harvard
Business School (EUA) e Ph.D em gestão pela Columbia Business School (EUA). Publicou artigos no Journal of International
Business Studies e Academy of
Management Journal. A pesquisa sobre a influência do luxo no
comportamento foi feita com a colega Xi Zou, da London Business School.
ÉPOCA – Quais
foram as principais revelações das três experiências que exploraram a ligação
entre os produtos que simbolizam o luxo e as atitudes egoístas?
Chua – Pudemos
comprovar que o mero contato com artigos de luxo afeta as decisões. Quem
convive com carros esportivos, relógios caros e roupas de grife toma mais
decisões em interesse próprio. Não é necessário ter os objetos. Trabalhar em um ambiente rodeado por eles mexe com
a cognição. Uma reunião de negócios em uma sala modesta pode chegar a
conclusões totalmente distintas de uma realizada em um escritório com piso de
mármore e telões de plasma.
ÉPOCA – Qual é o método usado no estudo para chegar a essa
conclusão?
Chua –
Entrevistamos quase 800 estudantes universitários, divididos em dois grupos. Na
primeira experiência, exibíamos para um grupo fotos e vídeos de produtos
luxuosos como relógios Cartier, sapatos Ferragamo, carros superesportivos. Em
outro grupo, exibíamos apenas imagens de produtos baratos e de segunda mão. Em
seguida, dávamos aos dois grupos um questionário com decisões que deveriam
tomar. Percebemos que as pessoas no grupo exposto a imagens luxuosas tomavam
mais decisões em seu interesse próprio.
ÉPOCA – Como isso foi comprovado?
Chua – Para
responder ao questionário, as pessoas precisavam tomar decisões. Algumas
poderiam até prejudicar outras pessoas, mas aumentariam, ainda que de forma
pouco ética, o lucro das empresas. Perguntamos se a pessoa colocaria no mercado
um carro com possíveis problemas mecânicos, lançaria um software com falhas ou
um jogo de videogame que induzisse à violência. Quatro em cinco pessoas do
grupo exposto às imagens de itens luxuosos optaram pelo lançamento desses
produtos. No grupo exposto a itens baratos, a maioria sempre decidiu por não
lançar nada que fosse prejudicial. No segundo experimento, camuflamos algumas
palavras num emaranhado de letras. Elas tinham sentidos opostos, como "gentil"
e "rude". Ao pedir para que as pessoas identificassem essas
palavras, a maioria dos expostos ao luxo escolheu as palavras negativas. No
terceiro experimento, usamos duas situações: uma em que a pessoa deveria
contribuir para resolver um problema público, outra em que poderia se
beneficiar de dinheiro público. O grupo exposto a artigos de luxo deu menos e
pegou mais do que o outro grupo. Essas descobertas iluminaram as dinâmicas
psicológicas de alguns comportamentos.
ÉPOCA – Que tipos de comportamento?
Chua – Talvez
possamos explicar o modo de agir de alguns executivos antes e durante a recente
crise financeira mundial. Houve um número grande de pessoas que viviam e
conviviam com o luxo e que, ao perceber os sinais da magnitude da crise,
tomaram decisões egoístas – a despeito do sofrimento que poderiam causar aos
outros. Ainda hoje, passado um ano da crise e apesar de toda a indignação
pública e a exigência de uma regulamentação eficaz do mercado financeiro, a
mentalidade de muitos não mudou. Banqueiros continuam planejando bônus
astronômicos para si próprios.
ÉPOCA – Mas esse
comportamento pode ser explicado pelo simples acesso aos bens de luxo?
Chua – Não é
mera coincidência. A experiência demonstra um padrão de comportamento. Não
estamos dizendo que o luxo induz necessariamente um comportamento maldoso em
relação ao próximo. Apenas que ele aumenta, e muito, a indiferença quanto ao
bem-estar dos outros. Quando rodeadas de luxo, as pessoas tendem a focar suas
decisões naquilo que é melhor para elas e para suas empresas.
"Uma reunião de negócios numa sala com piso de mármore
chega a decisões diferentes de uma reunião igual numa sala modesta."
ÉPOCA – Qual é o mecanismo que faz o luxo aumentar o egoísmo?
Chua – Nós ainda
estamos tentando entender. Há vários mecanismos envolvidos. A exposição a bens
luxuosos pode ativar uma "norma social" que obriga as pessoas a perseguir seus próprios
interesses – pessoais, profissionais, ou ambos – acima de tudo. Mesmo que isso
tenha de ser feito à custa de outras pessoas. É provável que essa norma social
afete o julgamento e a tomada de decisão dessas pessoas. Além disso, é bem
provável que a exposição ao luxo ative e aumente o desejo, fazendo com que elas
priorizem seus lucros, e não sua responsabilidade social.
ÉPOCA – Isso quer dizer que o ambiente estimula a ganância?
Chua – A
explicação preferida de muitos para essa ganância é um descompasso moral, uma
lacuna ética. Isso levaria essas pessoas a pensar apenas em si mesmas, a ponto
de prejudicar os outros. Nosso estudo oferece outra perspectiva: esse ambiente
de fausto e ostentação dificulta decisões mais preocupadas com os outros. As
decisões aparentemente imorais provêm menos de uma real intenção de prejudicar
os outros do que uma autoabsolvição de pequenos delitos morais: lançarei este
produto com reais riscos ao ambiente pelo bem do lucro da empresa. Talvez
limitar os excessos e luxos corporativos possa de fato ser um passo à frente
para que os executivos se comportem de forma mais responsável.
ÉPOCA – O simples desejo de consumir o luxo pode mudar as
pessoas?
Chua – O estudo
não tentou responder a essa pergunta. Queríamos descobrir qual é a conseqüência
psicológica nas pessoas do contato com o luxo. Há inúmeros estudos que
comprovam que as pessoas procuram esses bens para preencher desejos pessoais.
Ou seja: a noção de luxo envolve mais prazer pessoal do que necessidade,
funcionalidade ou ostentação. Não estava claro como o luxo influencia o modo
como as pessoas pensam e agem. Nossa pesquisa preenche essa lacuna ao mostrar
que o luxo está ligado ao interesse pessoal, e pensar em luxo ativa relações
mentais que afetam as decisões em detrimento dos outros.
ÉPOCA – A ambição
é uma das características de muitos bem-sucedidos. As conquistas materiais
tornam as pessoas mais individualistas?
Chua – Sem
dúvida. Pesquisas anteriores comprovaram que quando expostas ao dinheiro as
pessoas se comportam de modo autossuficiente. Preferem manter uma distância
social e evitam pedir ajuda. E mostram que ambientes de negócios aumentam a
vontade de competir. É um círculo vicioso. Claro que nem todos se comportam da
mesma forma. Mas tanto o luxo quanto o dinheiro alteram as atitudes e as
decisões das pessoas.
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"Claro que nem todos se comportam da
mesma forma. Mas tanto o luxo quanto o dinheiro alteram as atitudes e as
decisões das pessoas.", diz o professor Roy Chua. Sendo assim,
creio que, se quisermos buscar a melhor forma de nos comportarmos, seja bastante
conveniente refletirmos sobre tudo que é dito por ele nessa instigante
entrevista.
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