segunda-feira, 21 de novembro de 2022

O acesso ao luxo nos torna egoístas

"A corrida atual pelo luxo dos homens se torna a escolha mais deprimente, decorrente do egoísmo mais sujo da sua própria decadência cultural, social e espiritual."

(Helgir Girodo)
Prosseguindo no espalhamento de ideias que já deveriam ter sido espalhadas, segue uma instigante entrevista publicada na edição de 1º de março de 2010 da revista ÉPOCA sob o título "O acesso ao luxo nos torna egoístas". Na época de sua publicação, faltavam sete meses para a homologação da minha aposentadoria, este blog não existia e a forma que eu usava para espalhar ideias era o envio para uma lista de e-mails. Forma que usei para espalhá-la um mês após sua publicação.
O acesso ao luxo nos torna egoístas
A conclusão é de um professor de Harvard que estudou nossas reações a símbolos de status e riqueza
Antes de procurar entender a influência do luxo sobre as decisões que tomamos, o professor Roy Chua estudou as diferenças de liderança e gestão no ambiente empresarial dos Estados Unidos e da China. Foi quando percebeu que uma reunião feita numa sala modesta pode levar a conclusões distintas daquelas a que o mesmo grupo de pessoas chegaria se estivesse rodeado de telões de plasma e pisando sobre mármore. "Talvez limitar os excessos e luxos corporativos possa ser um passo à frente para que os executivos se comportem de forma mais responsável", afirma.
Roy Chua nasceu em Cingapura, é professor assistente de liderança e comportamento organizacional da Harvard Business School (EUA) e Ph.D em gestão pela Columbia Business School (EUA). Publicou artigos no Journal of International Business Studies e Academy of Management Journal. A pesquisa sobre a influência do luxo no comportamento foi feita com a colega Xi Zou, da London Business School.
ÉPOCA – Quais foram as principais revelações das três experiências que exploraram a ligação entre os produtos que simbolizam o luxo e as atitudes egoístas?
Chua – Pudemos comprovar que o mero contato com artigos de luxo afeta as decisões. Quem convive com carros esportivos, relógios caros e roupas de grife toma mais decisões em interesse próprio. Não é necessário ter os objetos. Trabalhar em um ambiente rodeado por eles mexe com a cognição. Uma reunião de negócios em uma sala modesta pode chegar a conclusões totalmente distintas de uma realizada em um escritório com piso de mármore e telões de plasma.
ÉPOCA – Qual é o método usado no estudo para chegar a essa conclusão?
Chua – Entrevistamos quase 800 estudantes universitários, divididos em dois grupos. Na primeira experiência, exibíamos para um grupo fotos e vídeos de produtos luxuosos como relógios Cartier, sapatos Ferragamo, carros superesportivos. Em outro grupo, exibíamos apenas imagens de produtos baratos e de segunda mão. Em seguida, dávamos aos dois grupos um questionário com decisões que deveriam tomar. Percebemos que as pessoas no grupo exposto a imagens luxuosas tomavam mais decisões em seu interesse próprio.
ÉPOCA – Como isso foi comprovado?
Chua – Para responder ao questionário, as pessoas precisavam tomar decisões. Algumas poderiam até prejudicar outras pessoas, mas aumentariam, ainda que de forma pouco ética, o lucro das empresas. Perguntamos se a pessoa colocaria no mercado um carro com possíveis problemas mecânicos, lançaria um software com falhas ou um jogo de videogame que induzisse à violência. Quatro em cinco pessoas do grupo exposto às imagens de itens luxuosos optaram pelo lançamento desses produtos. No grupo exposto a itens baratos, a maioria sempre decidiu por não lançar nada que fosse prejudicial. No segundo experimento, camuflamos algumas palavras num emaranhado de letras. Elas tinham sentidos opostos, como "gentil" e "rude". Ao pedir para que as pessoas identificassem essas palavras, a maioria dos expostos ao luxo escolheu as palavras negativas. No terceiro experimento, usamos duas situações: uma em que a pessoa deveria contribuir para resolver um problema público, outra em que poderia se beneficiar de dinheiro público. O grupo exposto a artigos de luxo deu menos e pegou mais do que o outro grupo. Essas descobertas iluminaram as dinâmicas psicológicas de alguns comportamentos.
ÉPOCA – Que tipos de comportamento?
Chua – Talvez possamos explicar o modo de agir de alguns executivos antes e durante a recente crise financeira mundial. Houve um número grande de pessoas que viviam e conviviam com o luxo e que, ao perceber os sinais da magnitude da crise, tomaram decisões egoístas – a despeito do sofrimento que poderiam causar aos outros. Ainda hoje, passado um ano da crise e apesar de toda a indignação pública e a exigência de uma regulamentação eficaz do mercado financeiro, a mentalidade de muitos não mudou. Banqueiros continuam planejando bônus astronômicos para si próprios.
ÉPOCA – Mas esse comportamento pode ser explicado pelo simples acesso aos bens de luxo?
Chua – Não é mera coincidência. A experiência demonstra um padrão de comportamento. Não estamos dizendo que o luxo induz necessariamente um comportamento maldoso em relação ao próximo. Apenas que ele aumenta, e muito, a indiferença quanto ao bem-estar dos outros. Quando rodeadas de luxo, as pessoas tendem a focar suas decisões naquilo que é melhor para elas e para suas empresas.
"Uma reunião de negócios numa sala com piso de mármore chega a decisões diferentes de uma reunião igual numa sala modesta."
ÉPOCA – Qual é o mecanismo que faz o luxo aumentar o egoísmo?
Chua – Nós ainda estamos tentando entender. Há vários mecanismos envolvidos. A exposição a bens luxuosos pode ativar uma "norma social" que obriga as pessoas a perseguir seus próprios interesses – pessoais, profissionais, ou ambos – acima de tudo. Mesmo que isso tenha de ser feito à custa de outras pessoas. É provável que essa norma social afete o julgamento e a tomada de decisão dessas pessoas. Além disso, é bem provável que a exposição ao luxo ative e aumente o desejo, fazendo com que elas priorizem seus lucros, e não sua responsabilidade social.
ÉPOCA – Isso quer dizer que o ambiente estimula a ganância?
Chua – A explicação preferida de muitos para essa ganância é um descompasso moral, uma lacuna ética. Isso levaria essas pessoas a pensar apenas em si mesmas, a ponto de prejudicar os outros. Nosso estudo oferece outra perspectiva: esse ambiente de fausto e ostentação dificulta decisões mais preocupadas com os outros. As decisões aparentemente imorais provêm menos de uma real intenção de prejudicar os outros do que uma autoabsolvição de pequenos delitos morais: lançarei este produto com reais riscos ao ambiente pelo bem do lucro da empresa. Talvez limitar os excessos e luxos corporativos possa de fato ser um passo à frente para que os executivos se comportem de forma mais responsável.
ÉPOCA – O simples desejo de consumir o luxo pode mudar as pessoas?
Chua – O estudo não tentou responder a essa pergunta. Queríamos descobrir qual é a conseqüência psicológica nas pessoas do contato com o luxo. Há inúmeros estudos que comprovam que as pessoas procuram esses bens para preencher desejos pessoais. Ou seja: a noção de luxo envolve mais prazer pessoal do que necessidade, funcionalidade ou ostentação. Não estava claro como o luxo influencia o modo como as pessoas pensam e agem. Nossa pesquisa preenche essa lacuna ao mostrar que o luxo está ligado ao interesse pessoal, e pensar em luxo ativa relações mentais que afetam as decisões em detrimento dos outros.
ÉPOCA – A ambição é uma das características de muitos bem-sucedidos. As conquistas materiais tornam as pessoas mais individualistas?
Chua – Sem dúvida. Pesquisas anteriores comprovaram que quando expostas ao dinheiro as pessoas se comportam de modo autossuficiente. Preferem manter uma distância social e evitam pedir ajuda. E mostram que ambientes de negócios aumentam a vontade de competir. É um círculo vicioso. Claro que nem todos se comportam da mesma forma. Mas tanto o luxo quanto o dinheiro alteram as atitudes e as decisões das pessoas.
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"Claro que nem todos se comportam da mesma forma. Mas tanto o luxo quanto o dinheiro alteram as atitudes e as decisões das pessoas.", diz o professor Roy Chua. Sendo assim, creio que, se quisermos buscar a melhor forma de nos comportarmos, seja bastante conveniente refletirmos sobre tudo que é dito por ele nessa instigante entrevista.

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