"Todos nós
sabemos que, para que exista sociedade, é necessário que todos os seus membros
nela estejam inseridos como sócios. No Brasil, a sociedade dos ricos, apesar
dos seus conflitos sob o internos, fecha-se em si mesma, constrói muros ao seu redor
e apenas permite a existência daqueles que podem servi-la. Sem piedade exclui
todos os demais."
(Augusto Boal [1931 –
2009], teatrólogo e ensaísta brasileiro)
Prosseguindo
com o chamamento à atenção para o sinistro momento que estamos vivendo neste
país, após a postagem intitulada Ter consciência de seu papel em algo denominado sociedade, segue a reprodução
de um texto extraído do artigo publicado na edição de 29 de fevereiro de 1996
(faz tempo, hein!) do Jornal do Brasil, na coluna do extraordinário Luis Fernando Veríssimo, sob o título Dois acrobatas.
Dois acrobatasEstes dias li a seguinte história, que não posso chamar de anedota porque meu gosto pelo humor negro não vai tão longe.Homem senta num bar ao lado de um velhinho que lhe parece familiar. O velhinho está um caco, mas, mesmo assim, aquele bigodinho, aqueles olhos...- Desculpe, mas você não é o Adolf Hitler?- Sou.- Pensei que você tivesse...- Todo mundo pensou. Continuo vivo.- Aposto que você vive cheio de remorso pelo que fez.- Que foi que eu fiz?- Mas como? E os seis milhões de judeus que mandou matar?- Ach, eles. Já tinha me esquecido.- Quer dizer que se fosse começar outra vez, hoje, você faria a mesma coisa?- Não. Mandava matar seis milhões de judeus e dois acrobatas.- Por que dois acrobatas?!- Viu como você esqueceu os judeus?***A tática, ajustada às devidas proporções, é muito usada por quem manipula notícias. Quando um assunto ameaça se tornar um escândalo, acrescente, rápido, dois acrobatas. Os acrobatas passam a ser o assunto. E os acrobatas não têm falhado muito, ultimamente, neste país de distraídos. Não se deve criticar muito a imprensa por cair no truque dos dois acrobatas. Ela está tratando com profissionais da desconversa. O patriciado brasileiro sobrevive porque muda de assunto.
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Segundo
Luis Fernando Veríssimo, "o
patriciado brasileiro sobrevive porque muda de assunto". Sobrevivência propiciada, principalmente,
pela facilidade com que é aceita a tática de mudar de assunto, "neste
país de distraídos".
Distração,
eis mais uma tática usada pelo patriciado para manipular seu povo. Tática
usada não apenas neste país, como demonstra a seguinte afirmação de Noam Chomsky (1928), linguista, filósofo e
ativista político norte-americano: "Você não pode controlar seu povo pela força, mas pode distraí-lo por
meio do consumo."
Distrair o povo por meio do consumo, eis algo já percebido como tática de manipulação há 168
anos, como demonstram as palavras de Henry David Thoreau (1817 – 1862),
filósofo e naturalista norte-americano, pronunciadas em 1854 e reproduzidas a
seguir:
"Nossas invenções costumam tornar-se bonitos brinquedos que distraem nossa atenção das coisas sérias. Elas são tão somente meios aperfeiçoados para um fim não aperfeiçoado, um fim que já era fácil demais atingir, como estradas de ferro que levam de Boston a Nova York. Nós estamos com enorme pressa em construir um telégrafo magnético do Maine para o Texas; mas pode ser que o Maine e o Texas nada tenham de importante a comunicar. É como se o objetivo principal fosse falar depressa e não falar sensatamente."
"'Invenções
que distraem nossa atenção das coisas sérias'. (...) 'É como se o objetivo principal
fosse falar depressa e não falar sensatamente'." Há quem enxergue longe, hein! Será que Thoreau enxergou a
invenção das atuais redes sociais com seus sinistros algoritmos com um século e
meio de antecedência? O que vocês acham?
Invenções que distraem nossa
atenção das coisas sérias e, consequentemente, fazem-nos esquecer de algo sem o
qual jamais serão encontradas soluções para os problemas que afligem uma sociedade: a arte de questionar. Sim, como diz Zigmunt Bauman (1925 – 2017), sociólogo
polonês: "Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode
esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem."
Esta postagem parece uma
autêntica sessão nostalgia, hein! Começa trazendo um trecho de um artigo
publicado há 26 anos e meio que faz referência a algo ocorrido há 77 anos.
Prossegue trazendo palavras pronunciadas há 168 anos. E, após tais referências,
começa a terminar trazendo uma recomendação de Moshé
Feldenkrais (1904 – 1984), engenheiro israelense e fundador do Método
Feldenkrais feita há, no mínimo, 38 anos, se
considerarmos que ela pode ter sido feita em seu último ano de vida.
"Pense nisso: o que fazemos conosco agora é o mais importante para o amanhã. Se não fizermos nada para mudar nossa atitude e o nosso modo de atuar, amanhã parecerá ontem, exceto pela data".
E ao pensar, pense não apenas na sua própria subsistência,
mas, principalmente, na dos mais vulneráveis nesta sociedade, pois, como disse
o psiquiatra japonês Tamaki Saito:
"Uma sociedade que abandona os fracos e só valoriza os fortes não é uma sociedade de verdade."
Sim, "O que fazemos conosco agora é o mais importante para o amanhã". Portanto, dependendo do que fizermos no segundo dia do próximo mês, o ano 2023, assim como cada um dos que o seguirem, parecerá 2019, 2020, 2021 ou 2022, exceto pela data. Sim, pense nisso; pense muito bem nisso. Afinal, como é dito na postagem anterior, "Ter consciência de seu papel em algo denominado sociedade" é algo imprescindível à construção de uma boa sociedade.
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