segunda-feira, 13 de junho de 2022

Transcendendo as ilusões (I)

Após uma postagem indagando "Será que a vida é uma enganação?", segue uma alertando sobre a imprescindibilidade de transcender as ilusões. O texto reproduzido a seguir foi obtido na edição número 88 da revista SOPHIA, referente a NOV/DEZ 2020. A autoria é atribuída a Clemice Petter, escritora brasileira e membro da Sociedade Teosófica Internacional, na Índia.
Transcendendo as ilusões
Muita coisa tem sido dita e escrita a respeito da verdade. Muitas pessoas pensam que sabem o que significa viver uma vida espiritual, que sabem o modo, as "práticas" exigidas e o caminho para chegar à verdade. Facilmente esquecemos o que os ensinamentos têm assinalado; está nos Upanishades, foi dito por J. Krishnamurti e por H. P. Blavatsky: "Aqueles que dizem que sabem, não sabem." A suposição de que sabemos pode ser a maior de todas as ilusões. Se considerarmos a história da humanidade, veremos que aqueles que pensavam que sabiam, que tinham certeza e que criaram fórmulas e moldes para a vida, e assim se colocaram na posição de ditar aos outros como viver, foram as pessoas que trouxeram miséria e corrupção.
Nossa estrutura social está construída sobre moldes de respostas prontas aos desafios da vida. Nossos sistemas educativos estão voltados a moldar a mente da criança numa direção preestabelecida. Pensamos que sabemos qual é o modo correto de vida, e assim, ensinamos aos nossos filhos a serem tão infelizes quanto nós. Nós não conhecemos a liberdade, portanto temos medo de deixá-la florescer; os seres humanos vivem nas trevas de uma prisão, e por isso têm medo da luz do sol que brilha fora das muralhas erigidas por suas próprias mentes, as muralhas da crença e do preconceito, as muralhas do "conhecimento".
  'Nós não conhecemos a liberdade, portanto temos medo de deixá-la florescer; os seres humanos vivem nas trevas de uma prisão, e por isso têm medo da luz do sol que brilha fora das muralhas erigidas por suas próprias mentes, as muralhas da crença e do preconceito'
Pelo fato de termos sido moldados segundo um determinado padrão, pensamos que seguir um padrão é um modo de vida. Cada um tem sua própria fórmula a respeito do que os outros devem fazer ou ser. Certamente não aplicamos nossas teorias a nós mesmos, em nossa própria vida; mas queremos que os outros as apliquem em suas vidas. Temos certeza do que há de errado no mundo e de que sabemos como pode ser corrigido, mas somos impotentes no nosso próprio lar. Não sabemos como pôr fim às nossas tristezas, às nossas incertezas diárias e aos nossos medos profundos, nem sabemos como responder aos nossos filhos quando nos fazem as perguntas mais simples e mais inocentes. O fato é que não sabemos nos relacionar, como vivermos juntos em harmonia e cooperação. Divisão e competição têm sido o modo de vida dos seres humanos neste planeta.
Sendo assim, o que realmente sabemos, e não o que pensamos que sabemos? Lemos muitas coisas em livros e ouvimos as conclusões a que as pessoas chegam, e, portanto, pensamos que sabemos. Quanto mais lemos, mais pensamos que sabemos. Quanto mais pensamos que sabemos, menos entendemos. O conhecimento fecha a porta à compreensão; isso é muito fácil de ver, se realmente quisermos olhar. Portanto, o grande inimigo da humanidade no atual estágio de ignorância é o conhecimento. Isso pode soar um tanto contraditório, mas não é, porque ignorante é aquele que não conhece a si próprio. Não importa quantos livros se tenha lido, se esses livros são sagrados ou mundanos, ou quantos títulos antecedem o nome da pessoa – se não tem autoconhecimento, o ser humano é um ignorante. Se a pessoa percebe o que está ocorrendo no mundo, verá que a atual estrutura social é o resultado da ignorância humana.
A ciência avançou tremendamente no último século, mas foi incapaz de resolver os nossos mais básicos problemas; pelo contrário, eles estão aumentando. Vivemos na era da informação – jamais anteriormente na história da humanidade tivemos tanto conhecimento – e, contudo, estamos enfrentando a maior de todas as crises. Sabemos muito, mas entendemos tão pouco... O conhecimento não está ajudando o ser humano a despertar a natureza humana – gentileza, compaixão e responsabilidade -, que permanece oculta. Para lidar com isso precisamos compreender a nós mesmos. O autoconhecimento é a chave que abre os portais desta prisão autoimposta, é o caminho para a liberdade, e essa liberdade é o libertar-se do "eu" e do "meu". Sem liberdade, a aquisição incessante de conhecimento leva inevitavelmente à autodestruição, como podemos ver acontecendo bem diante dos nossos olhos: a insana destruição do meio ambiente, a poluição da água e do ar e o envenenamento deliberado do nosso próprio alimento. Estamos destruindo nosso próprio lar e somos incapazes de ver; consequentemente, não conseguimos mudar isso.
Espírito cooperativo
Para ir além da ilusão, precisamos primeiramente entender o mundo por ela criado. O mundo no qual vivemos é um mundo que não conhece a compaixão, que está se tornando cada vez mais violento, brutal e competitivo. Existem aqueles que dizem que a competição é o caminho, que precisamos ser competitivos para progredir. Isso mostrar apenas o quão pouco entendemos. Precisamos questionar o que chamamos de progresso e civilização. Ensinar às crianças nas escolas a serem competitivas é um crime contra a humanidade, pois a competição mata o espírito cooperativo; ensinar às crianças uma fórmula para a vida, dizendo-lhes o que devem sentir, como devem amar, é ainda pior. Dizer-lhes o que é o amor é matar a inocência e estupidificar a mente. A verdadeira educação é permitir à criança pensar por si mesma, e não lhe ensinar o que pensar. Até aqui não entendemos ainda este fato simples e óbvio.
"Precisamos questionar o que chamamos de progresso e civilização. Ensinar às crianças nas escolas a serem competitivas é um crime contra a humanidade, pois a competição mata o espírito cooperativo. A verdadeira educação é permitir à criança pensar por si mesma, e não lhe ensinar o que pensar."
Blavatsky nos advertiu a respeito da necessidade de se entender os modos e meios da mente, para não sermos escravos dela. Na primeira página de A Voz do Silêncio, ela escreveu: "A mente é a grande assassina do real. Que o discípulo mate o assassino." Ela disse que devemos "buscar o rajá [rei] dos sentidos, o produtor de pensamento, aquele que desperta a ilusão." Blavatsky escreveu isso há mais de cem anos; quantos realmente deram atenção a este ensinamento básico? Muito poucos, parece.
Krishnamurti viajou pelo mundo por mais de sessenta anos explicando, em centenas de locais diferentes, essas afirmações curtas e profundas feitas por Blavatsky. Quantos de nós somos capazes de lhe dar ouvidos? Nenhum instrutor antes de Krishnamurti foi tão profundo e explicou de modo tão detalhado o despertar das ilusões e os meios e modos da mente – a grande assassina do real. Mas, pelo fato de sua linguagem ser simples, de ele não se apresentar como autoridade e nada prometer, poucos querem ouvi-lo.
Krishnamurti não alega que sabe, ele convida a viajar com ele, a descobrir por si próprio, caminhar juntos como amigos; e caminhar juntos é muito difícil para nós, porque estamos acostumados à autoridade. Nós adoramos autoridade estabelecida pela mente; somos incapazes de ver a natureza destrutiva da autoridade no reino psicológico.
Para ir além da ilusão precisamos sentir o impulso, sermos sérios e capazes de permanecer sós. Assim, a primeira coisa a compreender é a nossa própria ignorância; mais uma vez Blavatsky advertiu sobre isso. Gostamos de pensar que somos grandes e que sabemos. É a vaidade que nos cega; em vez de começar com o primeiro passo pensamos que podemos saltar até o último; em vez de começar a caminhar, pensamos que podemos começar com a chegada. Mas não existem atalhos ou milagres que possam nos fazer entender o mecanismo do nosso criador de ilusões, dessa máquina de pensar chamada mente. Isso pode parecer possível – afinal, a mente é perita em enganar.
  Termina na próxima sexta-feira

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