Esta postagem espalha um artigo do jornalista Jamil
Chade, colunista do UOL, publicado em
06 de maio de 2022, do qual tomei conhecimento em um vídeo publicado em 12 de
maio no canal de Henry Bugalho no You
Tube. Um artigo que constitui um alerta e que, como tal, deve ser espalhado
por todos aqueles que dele tomem conhecimento.
Quem, afinal somos nós?
O ódio é ensinado
e tem seu objetivo. O ódio como força política manipula e mobiliza. Mas o ódio também
mata.
Num estudo
realizado na Universidade de Harvard, os especialistas cruzaram dois dados
fundamentais sobre os momentos que antecederam o genocídio de 1994 em Ruanda: o
número de assassinatos em cada um dos vilarejos espalhados pelo país e a força
da frequência de uma das rádios locais para chegar aos aparelhos daquela
população.
O resultado, no
país das "mil colinas" e com uma topografia especial, foi assustador:
em locais onde a sintonia era boa, os massacres foram terríveis. Onde a rádio
não pegava bem, a população foi em parte poupada.
Antes de avaliar
os dados das ondas da rádio, a constatação é de que, quando a perseguição de
certos grupos na sociedade se torna a ideologia oficial da elite no poder,
estudos como o de Barbara Harff da US
Naval Academy apontam que "a probabilidade de uma transição de
conflito para assassinatos políticos em massa é significativamente maior".
Em Ruanda, a
campanha foi conduzida pela liderança da etnia hutu do governo contra a minoria
étnica tutsi.
Mas, em um país
com baixa circulação de jornais, poucos aparelhos de televisão e taxa elevada
de analfabetismo, "o rádio era o meio dominante para o governo entregar
mensagens à população".
Nessa estratégia,
surgiu antes do genocídio a estação Rádio Television Libre des Mille Collines
(RTLM), que liderou os esforços de propaganda, transmitindo mensagens
inflamatórias pedindo o extermínio da minoria tutsi.
Até seu
assassinato, o presidente Habyarimana tinha sido um dos mais fortes apoiadores
da emissora. "Ferdinand Nahimana, que tinha sido anteriormente o diretor
da agência responsável pela regulamentação dos meios de comunicação de massa,
ajudou a fundar a RTLM e desempenhou um papel ativo na determinação do conteúdo
das transmissões, escrevendo editoriais e dando aos jornalistas roteiros para
ler", diz o estudo.
O ódio, portanto,
era ensinado e tinha suas justificativas. A estação de rádio, por exemplo,
alegava que a violência preventiva contra ele era uma resposta necessária para
"autodefesa".
"As declarações
inflamatórias mais comuns consistiam em relatos de atrocidades por parte dos
rebeldes tutsi, alegações de que estavam envolvidos em uma conspiração e que
queriam poder e o controle sobre os hutus.
"A linguagem
utilizada nas transmissões era desumanizante, pois os tutsis seriam
frequentemente chamados de inyenzi,
ou baratas", diz.
Anos depois, seus
fundadores foram considerados culpados por instigar o genocídio pelo Tribunal
Penal Internacional para Ruanda. Mas como isso ocorreu?
A pesquisa da
Harvard tenta elucidar justamente essa relação entre a difusão do ódio por
parte do governo e suas consequências.
Um dos argumentos
foi de que, em Ruanda, a rádio teve um efeito de persuasão direta ao
"convencer alguns ouvintes de que a participação nos ataques aos tutsis
era preferível à não participação".
Além disso, também
difundiam informações de que o governo "não puniria a participação na
matança de cidadãos tutsis ou a apropriação de sua propriedade".
Os resultados,
portanto, mostraram que RTLM teve um efeito direto na participação em aldeias
com acesso às transmissões. Onde havia cobertura de rádio houve um aumento de
12 a 13 por cento na participação na violência total. O estudo ainda estima que
cerca de 50 mil pessoas foram assassinadas como resultado do trabalho da rádio.
O ódio ensinado se
transformou em morte.
E hoje?
30 anos depois,
temos essa irradiação do ódio multiplicada de forma exponencial com as redes
sociais e num momento de tensão em nosso país.
Se não bastasse, a
base da eclosão do ódio é visível e usa numa cartilha assustadora:
- Meios de difusão de conteúdo
criados para deliberadamente mentir, confundir e semear a discórdia.
- O outro lado foi
desumanizado, afetando de maneira profunda um dos princípios da democracia: a
aceitação de que o adversário é legítimo.
- O meu candidato foi
endeusado, passou a ser infalível e hoje lidera uma milícia de crentes em
seitas.
- A venda de armas explodiu,
inclusive por meio de novas leis que tornaram a posse legal.
- Faltando poucos meses para a
eleição, as forças políticas ainda não chegaram a um acordo sobre quais serão
as regras do pleito.
- A tortura foi minimizada,
abrindo espaço para o debate sobrem quem teria ou não direito a ter direitos.
- O passado foi
reescrito, numa manobra para apagar crimes e, pela segunda vez, borrar as
vítimas da história.
Se um cenário de
genocídio étnico não é o risco mais evidente no Brasil e a rádio africana é
apenas um exemplo extremo, o caso de Ruanda serve como um alerta importante: o
ódio usado como força para mobilizar uma parte da população destruirá uma
sociedade.
Despreparados para
a era digital, vivemos a ameaça real de que as noções de convivência e
coabitação sejam corroídas. A batalha por nossas mentes envolve disseminar o
ódio e, assim, moldar nossas escolhas, nossa aceitação de atos de violência e
nossa generosidade seletiva.
O ódio ensinado no
Brasil não tem um impacto apenas em outubro, quando iremos às urnas. Ele tem
suas lições apresentadas em cada post nas redes sociais e é testado quando se
rompe relações com membros da família em nome da nova família política, quando
se deslegitima a democracia e se questiona o voto.
O ódio, portanto,
mobiliza e define uma sociedade.
Em 2022, não
ocorrerá apenas uma eleição no Brasil ou a escolha de um novo presidente. Em
2022, não vamos escolher um presidente. Vamos definir quem somos.
Estamos diante de
uma pergunta muito mais profunda e constrangedora: quem, afinal, somos nós?
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A primeira
condição para a ocorrência de uma tragédia é a crença de que seja impossível ela
ocorrer, pois tal crença leva a nada ser feito para evitá-la e, consequentemente,
a tornar possível que ela ocorra. Um exemplo clássico é o naufrágio do Titanic.
O primeiro fator a contribuir para que ele ocorresse foi a crença de que aquele
navio era inafundável. Sendo assim, nada foi feito para evitar um naufrágio e,
consequentemente, deu no que deu.
Dito isto, resta
recomendar não duvidar do alerta feito por Jamil Chade de que algo parecido com
o que aconteceu em Ruanda pode acontecer em outro lugar, pois, como ele diz: "O ódio mobiliza e
define uma sociedade."
Sim, neste ano, "estamos diante de
uma pergunta muito profunda e constrangedora: quem, afinal, somos nós?"
Um comentário:
"Em 2022, não ocorrerá apenas uma eleição no Brasil ou a escolha de um novo presidente. Em 2022, não vamos escolher um presidente. Vamos definir quem somos."
Perfeito... e assustador!
Posso lhe adiantar... estamos juntos nessa perplexidade!!
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