Há uma "estrutura" de frase
que é mais ou menos assim: "Dizem
que a gente pode até sair do (a) ..., mas o (a) ... nunca sai da gente". Aplicada ao mundo corporativo, tal
"estrutura" fica assim: Dizem que a gente pode até sair do mundo
corporativo, mas o mundo corporativo nunca sai da gente. Comprovando tal
afirmação, onze anos e meio após ter saído de tal mundo, depois de nele ter
atuado durante 3,7 décadas, ao ver no You
Tube um vídeo do advogado, jornalista e professor universitário Clóvis de
Barros Filho falando sobre ele, não consegui conter minha vontade de espalhar a
ideia por ele focalizada. Segue o endereço do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=SUr9rcZulWE.
O resultado do
foco no resultado
No mundo das empresas é comum o termo ética de resultado. Essa expressão
encontra na filosofia uma terminologia semelhante: consequencialismo moral.
Qual é a ideia? Que o valor de uma conduta não se encontra na conduta, mas nos
seus resultados, nas suas consequências. Portanto, na hora de avaliar a
conduta, basta saber se alcançamos o que queríamos alcançar; basta saber a
natureza dos resultados. Se os resultados foram bons, a conduta foi boa; se os
resultados não foram os desejados, a conduta foi ruim. Ora, essa maneira de
pensar é absolutamente consagrada. A expressão foco no resultado entre os
valores dos banners corporativos é unanimemente aceita, mas há riscos de pensar
assim.
Um vendedor sai pela manhã pra vender. Na porta da loja, o dono lhe
deseja boa sorte. O vendedor então encontra o seu primeiro cliente. Então
apresenta os atributos positivos e negativos do produto que está vendendo.
Diríamos que o seu discurso é perto daquilo que ele considera a verdade sobre
aquele produto. E por conta dos negativos o cliente se assusta e não o adquire.
Então o vendedor encontra um segundo cliente. Enfatiza os aspectos
positivos e dá uma resumida, uma enxugada nos aspectos negativos. O cliente se
vê mais atraído pela conversa do vendedor, mas ainda assim não compra.
É chegada a hora do almoço, o vendedor começa a se preocupar. Afinal de
contas o valor da ação de um vendedor está no resultado venda. É preciso vender
e, portanto, é em relação a isso que será avaliado.
O primeiro cliente depois do almoço aparece. E ele então coloca todo o
seu empenho nos aspectos positivos do produto, e silencia. O cliente então
pergunta - Mas esse produto não tem nenhum inconveniente? E aí então o vendedor
contempla o comprador. E aí o vendedor hesita. E o vendedor se contorce. Até
porque um dos principais aspectos negativos daquele produto é a inadequação a
um cliente mais idoso. Caso do nosso terceiro cliente. E o vendedor, na última
hora, diz: não, não serve pra você.
Só lhe resta uma bala na agulha. Ele encontra o quarto cliente. Ele então
coloca toda a sua força nos aspectos positivos, nada diz sobre os negativos, e quando
o cliente pergunta – E aí, mas não tem nada de errado com isso? Ele olha e
garante: não, não há nada de errado, o produto é perfeito! Pois este vendedor, neste
momento, tornou-se um publicitário.
Agora ele vende, e agora ele volta em triunfo pra loja. O dono da loja o
espera e pergunta – E aí, vendeu? Afinal de contas é pelo resultado que se
avalia a conduta. E ele diz: vendi. Então, ele é premiado, ganha bônus, ganha
prêmios, sua foto vai pro boletim interno da empresa. E ele tenta dizer - mas
chefe, eu preciso te dizer o que eu tive de fazer pra vender. Um bom vendedor
jamais revela seus segredos, guarde isso pra você. E aí, como filho dileto do
dono da empresa, vendedor símbolo e referência daquela loja, lá sai ele para o
dia seguinte de trabalho, mas agora ele já sabe: é preciso mentir desde as oito
da manhã.
"No mundo das empresas é
comum o termo ética de resultado. (...) Qual é a ideia? Que o valor de uma
conduta não se encontra na conduta, mas nos seus resultados, nas suas
consequências. (...) Ora, essa maneira de pensar é absolutamente consagrada. A
expressão foco no resultado entre os valores dos banners corporativos é
unanimemente aceita, mas há riscos de pensar assim.", diz Clóvis de Barros Filho.
Sim, há riscos de pensar assim, até porque a
aceitação unânime, do que quer que seja, geralmente, decorre da atenção insuficiente
que é dada ao que é unanimemente aceito. E quando não se dá a devida atenção a
determinadas coisas, os resultados, principalmente em termos de coletividade,
costumam ser desastrosos.
"Afinal de contas o valor
da ação de um vendedor está no resultado venda. É preciso vender e, portanto, é
em relação a isso que será avaliado.",
diz Clóvis de Barros.
E neste planeta habitado por uma pretensa espécie
inteligente do universo, infelizmente, a imensa maioria de seus integrantes é
composta de vendedores. Vendedores de produtos, de serviços e, em última
análise, de si mesmos. Portanto, como diz Clóvis de Barros, é como vendedor que
se é avaliado. Ou pior, como publicitário, ainda segundo Clóvis, como se pode
conferir no trecho reproduzido no próximo parágrafo.
"Ele olha e garante: não,
não há nada de errado, o produto é perfeito! Pois este vendedor, neste momento,
tornou-se um publicitário. Agora ele vende e agora ele volta em triunfo pra
loja. (...) E aí, como vendedor símbolo e referência daquela loja, lá sai ele
para o dia seguinte de trabalho, mas agora ele já sabe: é preciso mentir desde as
oito da manhã."
Saber que é preciso mentir desde as oito da
manhã! Ou seja, saber que é preciso mentir desde a hora em que se começa a interagir com
pessoas. Precisar mentir para ser bem avaliado! Será isso que Clóvis de Barros
enxerga como "o resultado do foco no resultado"? Precisar enganar pessoas
durante todo o tempo?
"Meu trabalho é uma grande enganação.
Sou paga para enganar as pessoas e elas querem ser enganadas".
De quem são as palavras acima? De uma talentosa
colega de profissão: a atriz Ana Paula Arósio. Onde as encontrei? Em uma reportagem publicada na
edição de 26 de fevereiro de 2008 do jornal Folha
de São Paulo. A quem espantar-se por tê-la chamado de colega de profissão, digo
o seguinte: Ana Paula é atriz de televisão, de cinema e de teatro; eu fui ator
do teatro corporativo. Em ambos – televisão e teatro corporativo – o trabalho é
cada vez mais uma grande enganação.
Durante 3,7 décadas de atuação como analista de sistemas, o que
presenciei em termos de enganação no teatro corporativo é algo impressionante. Analistas
enganando usuários com o estabelecimento de prazos para entrega de sistemas que
não conseguiriam cumprir. Analistas enganando usuários com a alegação de que os
sistemas foram mal feitos porque eles (os usuários) não sabiam o que queriam.
Analistas enganando a si mesmos com o entendimento (sic) de que sua função é
desenvolver sistemas de informações a partir do que os usuários querem, e não a partir do que os
usuários precisam para auxiliá-los em
suas tarefas do dia a dia. Profissionais enganando sabe Deus quem com a aceitação
de cargos de chefia para os quais não tinham aptidão necessária para exercer. E
tome enganação! Até porque, paga-se mais a quem mais engana, e neste planeta em
que o dinheiro é colocado à frente de qualquer outra coisa o que a grande
maioria de seus integrantes mais deseja é ganhar cada vez mais.
Vocês concordam que a vontade de redigir o parágrafo acima confirma a
veracidade de algo dito no primeiro: "A gente pode até sair do mundo
corporativo, mas o mundo corporativo nunca sai da gente."? E que todos os
parágrafos acima servem como uma comprovação de que, realmente, "há riscos
de pensar" à luz da expressão "foco no resultado", unanimemente aceita
no mundo corporativo? E que "o resultado do foco no resultado"
defendido, ou melhor, atacado por Clóvis de Barros Filho em seu vídeo no You Tube deve ser suficiente para
fazer-nos "pensar melhor" sobre "saber que é preciso mentir
desde as oito da manhã"? Será que "saber tal coisa" pode ser uma
das causas da estonteante insanidade que assola este planeta? Insanidade que
enxergo como uma das causas do estupendo (ou seria estúpido) sucesso alcançado
por coisas tão nocivas como a propagação de fake
news. Será que enxergo corretamente? Será que vale a pena refletir sobre as
indagações propostas neste parágrafo?
E ao usar a expressão "vale a pena" vem-me à
mente a postagem publicada em 29 de abril de 2011 do blog Lendo e opinando sob o título "A verdade sobre a mentira". Diante de tudo o que é dito por Clóvis de Barros
Filho, eu estaria mentindo se dissesse que não vale a pena lê-la.
Um comentário:
Fazia tempo que não visitava seu blog, e vejo, por esta publicação recentíssima, que aquele tempo foi um tempo perdido. Passar semanalmente em seu blog para ler textos como este decerto voltará a ser uma prática minha,
Fantástico desenvolvimento seu a partir de um vídeo de Clóvis, que ainda vu ver, mas senti necessidade antes de registrar minha admiração, e dizer que vou divulgar frequentemente seus textos.... começando por este. Um espetáculo!
E um soco no estômago. Acho que em qualquer profissão... como você bem descreveu dando exemplos do analista...
Obrigado
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