quarta-feira, 20 de abril de 2022

Reflexões provocadas por "Os ausentes"

 "A humanidade não é ruim, está apenas desinformada."

(Professor Charles Xavier , em X-Men)
O que a afirmação do Professor Xavier (usada, inclusive, para divulgação do primeiro filme da série X-Men) tem a ver com uma postagem intitulada Reflexões provocadas por "Os ausentes"? O fato de entre as provocações provocadas estar incluída uma comparação entre as práticas de informar e de desinformar. Enquanto os meios de comunicação a serviço dos que se consideram donos do mundo buscam nos desinformar defendendo a ideia da imprescindibilidade da presença dos ricos para que os pobres consigam sobreviver, o conto de Eduardo Cassús busca nos informar defendendo uma ideia oposta: a da imprescindibilidade do trabalho dos pobres para a sobrevivência não apenas dos ricos, mas também dos equivocados integrantes de uma classe denominada média. A passagem do documentário "Park Avenue: Dinheiro, Poder e o Sonho Americano – Por que Pobreza?" reproduzida no próximo parágrafo serve como um exemplo de desinformação.

"A Revolta de Atlas" (filme lançado no cinema americano em abril de 2011) é contada como uma história de terror, uma visão aterrorizante do que aconteceria aos EUA se americanos ricos como David Koch e Stephen Schwarzman nos deixassem abandonados à própria sorte. Os grifos são meus.
Em linhas gerais, o mito de Atlas significa o castigo de - para sempre - ter que sustentar o céu sobre seus ombros. No filme citado no parágrafo anterior, a figura de Atlas é usada para representar um reduzido grupo de sacrificados ricos que carregam em suas costas uma imensidão de pobres ingratos. Ou seja, um filme que, no meu entender, deve ter deixado Leon Tolstói perplexo, onde quer que esteja, pois, segundo ele, o que ocorre neste planeta é exatamente o oposto: são os pobres que carregam os ricos nas costas. Como é mostrado no final da postagem anterior, até moradores de uma favela no Ceará já foram informados sobre quem carrega quem.
Em seus inúmeros vídeos, Eduardo Marinho já informou várias vezes que os pobres é que fazem o mundo funcionar, e agora outro Eduardo, o Cassús, vem nos informar de tal fato por meio de seu excelente conto. Vocês perceberam quem foi considerado essencial durante a fase mais desesperadora desta pandemia? Quem teve que arriscar sua vida para preservar as vidas daqueles que puderam (e quiseram) ficar isolados socialmente com a intenção de diminuir a probabilidade de serem pegos pelo vírus da COVID 19? Pois é! Foram eles: os pobres.
É impressionante a desinformação que nos é impingida em termos de qual seja a classe social imprescindível à preservação da vida neste planeta. Até porque o critério para determinar tal imprescindibilidade é estabelecido por uma das classes, a dos endinheirados. Critério que, no meu entender, é contestado por Eduardo Cassús em seu conto. Conto no qual ele evidencia a incompetência dos mais ricos para lidar com a situação de não disporem da presença dos trabalhadores para servi-los e para atendê-los em suas necessidades mais elementares, como se pode constatar no trecho reproduzido no próximo parágrafo.

"Sem ter como preparar o próprio desjejum, restava apenas tentar conseguir algo na padaria. (...) Ao olhar para a padaria da esquina, outrora sempre movimentada, viu apenas a silhueta do dono desolado atrás do balcão, iluminado por uma lamparina."
Eis a situação em que ficou o rico e arrogante empresário Roberto Escaravelho, com a ausência da "trabalhadora doméstica Neide, aquela ingrata que ele sempre tratou tão bem".
"Tomarem conta de si mesmos, produzirem para si mesmos, alimentarem a si mesmos, limparem a própria sujeira, cuidarem da própria água, da própria eletricidade, da própria internet. Quanto tempo essas pessoas durariam, se não tivesse gente servindo-as, atendendo suas necessidades mais elementares.", indaga Eduardo Cassús no trecho final do vídeo intitulado Os ausentes - A história por trás do conto (https://www.youtube.com/watch?v=XeBp2RcPTKA), publicado em seu canal no You Tube.
Será que a classe dos endinheirados é realmente a imprescindível à preservação da vida neste planeta? E também a mais corajosa? Para ajudar a responder a segunda indagação, a postagem publicada em 05 de setembro de 2017 no blog lendoeopinando sob o título "Para onde estão indo os megarricos" pode ser bastante útil. Ela reproduz uma reportagem publicada em dois jornais que tem como título: "Megarricos buscam refúgio na Nova Zelândia contra colapso capitalista". E como subtítulo: "Temor de ricos é que ocorra revolta popular devido à desigualdade em alta; Trump é outro fator para interesse". Sugestivos, não?
Ou seja, para classes sociais diferentes, problemas diferentes, e consequentemente tentativas de solução diferentes. Enquanto para os trabalhadores, a tentativa de solução é o abandono da localidade em que sobrevivem para livrarem-se da exploração; para os exploradores é a fuga com medo da revolta. Não daquela propagada pelo filme "A Revolta de Atlas", e sim da revolta provocada pela absurda desigualdade.
Uma reflexão que considero interessante fazer é sobre que personagem do conto representa cada um de nós. Roberto, o empresário; Neide, a ingrata trabalhadora doméstica; o dono da padaria ou do posto de combustível; um dos manifestantes que foram tomar satisfações do governador; a vizinha que convocava os moradores do bairro para uma manifestação em prol dos cidadãos de bem do país, levando um abaixo-assinado endereçado ao comandante do quartel instalado no bairro; o filho do desembargador; um dos trabalhadores ausentes?
Entender o papel que cada um desempenha em uma sociedade, eis algo fundamental para perceber o bem e / ou o mal com que se contribui para torná-la melhor ou pior, pois como é dito no espaço reservado ao perfil do mantenedor do blog, "a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes". O problema é que, lamentavelmente, a imensa maioria não enxerga tal coisa, como demonstra um comentário sobre a postagem anterior enviado por e-mail, por um ex-colega de trabalho e eterno amigo, e reproduzido a seguir.
"Essa realidade depende de nós, seres mortais, mas aqueles que estão por cima ou em berço esplêndido nunca aceitarão mudar essa condição. Li num livro capitalismo, comunismo e o fim do mundo, um trecho em que o autor fala sobre essa condição e não acredita que um dia, ao menos nessa geração ou nesse mundo, os poderosos pensem de forma diferente e que essa geração consiga mudar esse destino."
Sim, como diz o Professor Xavier, "A humanidade não é ruim, está apenas mal informada", e o comentário reproduzido acima é uma validação de tal afirmação. Ele é uma mistura de ingenuidade e desinformação. Infelizmente, meu ex-colega de trabalho e eterno amigo, assim como a imensa maioria, está mais afetado pela desinformação propagada pelo filme "A Revolta de Atlas" do que pela informação dada por Leon Tolstói. E mal informada ela, ingenuamente, segue acreditando que cabe aos que se beneficiam da situação atual alterá-la para favorecer aqueles que por ela são prejudicados e considerando utópicas coisas que são simplesmente imprescindíveis à mudança da situação atual a seu favor.
"Quando me dizem 'você é um utópico', digo: 'a única utopia de fato é acreditar que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual'.", diz o filósofo Slavoj Zizek.
Sim, as coisas não podem ser mantidas como estão; as coisas não podem seguir indefinidamente seu curso atual, pois acreditar nisso é a única utopia de fato. Precisamos, urgentemente, deixar de classificar como utopia coisas que precisam ser feitas.
Sim, como diz Eduardo Cassús, em seu já citado vídeo no You Tube, outro mundo é possível. É, e sempre será, pois, usando conceitos da Física, entendo que o mundo pode ser visto como a resultante de um sistema de forças cujas componentes são as ações e as inações de todos os seus integrantes. Ou seja, a cada mudança em tais ações e nas inações, outra resultante automaticamente surgirá; outro mundo automaticamente surgirá. E mudar é algo ininterrupto, pois, segundo uma afirmação atribuída a um filósofo pré-socrático de nome Heráclito (entre os anos 535 a.C e 475 a.C). Afirmação oriunda da expressão "Panta Rei" a ele atribuída e que significa tudo flui; tudo segue um grande fluxo perene no qual nada permanece como está, pois a única coisa permanente é o estado de contínua mutação.
Entendendo que mudar seja algo inevitável, o próximo passo é fazer o que recomenda Eduardo Cassús, em seu já citado vídeo no You Tube.
"Refletir sobre a vida que nós estamos vivendo, a sociedade que nós estamos criando, o tipo de exploração no ambiente de trabalho e o que nós podemos fazer como trabalhadores para mudar nossa realidade. É preciso antes de tudo que nós nos organizemos, talvez como a plebe romana se organizou, lá na antiga república."
Por entender que a maioria dos que lerão esta postagem não se enquadra entre "os ausentes" (os trabalhadores mais prejudicados nesta sociedade extremamente desigual), creio que seja pertinente acrescentar que cabe a tal maioria apoiar qualquer movimento no sentido de melhorar a vida "dos ausentes". Até porque no ritmo em que segue a exploração dos trabalhadores é conveniente ter sempre em mente aquela afirmação de Bertolt Brecht em um texto intitulado "Aos que virão depois de nós:"
"É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver. Mas acreditem: é por acaso. (...) Por acaso eu estou sendo poupado (Se a minha sorte me deixa, estou perdido)."
A postagem publicada em 31 de agosto de 2011 reproduz o texto "Aos que virão depois de nós". "Desobediência: a virtude original do homem", publicada em 02 de dezembro de 2011, é mais uma postagem que na minha insuspeita (!) opinião vale a pena ler.
 


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