sexta-feira, 18 de março de 2022

Reflexões provocadas por "Como acabar com a guerra" (I)

"Quando me dizem 'você é um utópico', digo: 'a única utopia de fato é acreditar que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual'.

(Slavoj Zizek, [1949], filósofo esloveno, nascido na antiga Iugoslávia)
"O senhor está pedindo o impossível. Isso eu não posso fazer.", disse uma senhora americana a Krishnamurti após ouvir dele a sugestão para que deixasse de ser como era.
As palavras da senhora americana fazem-me lembrar da compra do meu primeiro livro de Krishnamurti, ocorrida há mais de três décadas. Intitulado Diálogos sobre a vida, comprei-o em uma edição da Grande Feira do Livro que anualmente era realizada na Cinelândia, nos tempos em que a leitura de livros ainda estava em alta. Iniciada a leitura, tive que interrompê-la, pois o que Krishnamurti diz incomodava-me demais. Sem poder dizer-lhe diretamente, como fez aquela senhora americana, apenas pensei em algo semelhante ao que ela disse. Aceitar o que diz Krishnamurti é muito difícil, principalmente para iniciantes, pois, geralmente, falta capacidade para compreender o que ele diz ou falta disposição para colocar em prática. Passado algum tempo, retomei a leitura e tornei-me leitor de Krishnamurti. Como diz uma intrigante frase que ouvi no filme A Praia, "É fácil dar as costas, mas não é tão fácil esquecer". Sem conseguir esquecer o que me incomodara naquela leitura, foi inevitável retomá-la. Feito este preâmbulo, passemos a algumas reflexões provocadas por Como acabar com a guerra.
"Você e eu somos responsáveis pela guerra. É óbvio que ela não pode ser sustada por você nem por mim, porque já está acontecendo; há interesses consideráveis, e todos já estão empenhados em defendê-los.", diz Krishnamurti.
Sim, há interesses consideráveis em prol da guerra. Interesses consideráveis encobertos por considerável hipocrisia, pois os que mais alardeiam serem a favor da paz são exatamente os que mais lucram com a indústria da guerra. Indústria da guerra, eis a expressão usada pelo escritor americano Nicholson Baker em uma reportagem-entrevista publicada na edição de 19-20 de setembro de 2004 do Jornal do Commercio, "Os EUA já foram uma nação de consertadores, de inventores, de soldadores de fundo de quintal. Todo mundo sonhava em construir uma bicicleta melhor. Agora nossa única grande indústria é a guerra.". Os grifos são meus.
Uma única grande indústria que lucra não só com a venda de armamentos, mas também com a reconstrução do que é destruído com as guerras, e sobre a qual em 24 de março de 2019 a BBC News publicou as informações reproduzidas nos dois próximos parágrafos.
"'Por décadas, os Estados Unidos têm sido o principal exportador de armas do mundo. É impressionante como a diferença em relação aos outros países tem ficado cada vez mais notável', disse à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC News, Aude Fleurant, que é diretora do programa de gastos militares e armas do Sipri."
"Os Estados Unidos respondem por 36% das exportações mundiais, enquanto a França vende 6,8%, a Alemanha contribuiu com 6,4% e a China com 5,2% neste lucrativo mercado. Americanos, franceses e alemães aumentaram suas vendas se comparados os períodos 2009-2013 e 2014-2018. A Rússia, por sua vez, viu suas exportações despencarem 17%."
Diante de tudo que é dito acima, será que faz sentido acreditar que o país que se considera (e por muitos é considerado) modelo para a humanidade; o país que a mídia brasileira alardeia ser a maior democracia do planeta (sic) tem algum interesse pela paz? O que vocês acham? O que acharia a criança de três anos citada por Luis Fernando Veríssimo em alguns de seus artigos?
"As circunstâncias podem ser controladas, porque nós criamos as circunstâncias. A sociedade é produto das relações, suas e minhas, conjuntamente. Se mudarmos as relações, a sociedade mudará. Tudo depende de nós, mas não percebemos isso. Se contarmos só com a legislação para transformar a sociedade (enquanto no íntimo continuarmos corruptos, ambicionando poder, posição, autoridade), causaremos destruição no mundo exterior, por mais caprichosa e cientificamente que ele tenha sido construído. O interior sempre supera o exterior.", diz Krishnamurti.
Provocado pelo que Krishnamurti diz sobre a sociedade, o método das recordações sucessivas foi buscar em um livro de Fernando Moraes intitulado A Arte de Pertencer – Os invisíveis do nosso século, publicado em 2015, o trecho reproduzido a seguir.
"Os próprios gregos chegaram à conclusão de que não poderiam depender dos deuses para tudo a fim de se organizar na Terra, logo criaram o conceito de sociedade, com parâmetros morais e uma determinada ordem social. Percebemos, então, que o conceito de viver em sociedade não é natural, mas artificial, criado pelos homens, o que nos faz concluir o óbvio: se a sociedade é criada por homens, também pode ser transformada por eles."
Segundo Fernando Moraes, "Por terem chegado à conclusão de que não poderiam depender dos deuses para tudo a fim de se organizar na Terra, os gregos criaram o conceito de sociedade". Percebendo que o conceito de viver em sociedade foi criado pelos homens, Fernando Moraes, chega a uma conclusão óbvia: "Se a sociedade é criada por homens, também pode ser transformada por eles.". "Se contarmos só com a legislação para transformar a sociedade (enquanto no íntimo continuarmos corruptos, ambicionando poder, posição, autoridade), causaremos destruição no mundo exterior, por mais caprichosa e cientificamente que ele tenha sido construído. (...) A sociedade é produto das relações, suas e minhas, conjuntamente. Se mudarmos as relações, a sociedade mudará. Tudo depende de nós, mas não percebemos isso.", diz Krishnamurti.
Ou seja, não depender dos deuses nem contarmos só com a legislação para transformar a sociedade, e sim depender de todos os que a compõem, eis a conclusão a que chega "Alguém que acredita que a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes". De onde tirei as palavras que aparecem entre aspas? Do Quem sou eu (espaço onde é apresentado o perfil do autor do blog). E ao falar em resultado das ações, cito aqui mais um trecho do texto de Krishnamurti: "Só pode haver ação correta quando há um pensar correto, quando há autoconhecimento. Sem autoconhecimento não há paz."
Termina na próxima quarta-feira

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