segunda-feira, 14 de março de 2022

Como acabar com a guerra

"Todo mundo fala sobre a paz, mas ninguém educa para a paz. Pessoas são treinadas para a competição, e a competição é o começo de uma guerra."
  (Paul Lipnizky)   
Não, esta postagem não traz alguma receita para acabar com a guerra que está ocorrendo na Ucrânia ou qualquer outra guerra. O que ela traz é um elucidativo texto no qual o filósofo e educador indiano Jiddu Krishnamurti (1895 -1986) fala sobre como as guerras são causadas e o que deveríamos fazer se, realmente, quiséssemos viver em um mundo onde não existissem guerras. O texto foi obtido na edição número dois da revista SOPHIA, referente a ABR-JUN 2003.
Como acabar com a guerra
A guerra é uma manifestação exterior do nosso estado interior, uma ampliação das nossas ações. Ela é a mais espetacular, mais sanguinolenta, mais devastadora, mas é o resultado coletivo das nossas ações individuais.
Você e eu somos responsáveis pela guerra. É óbvio que ela não pode ser sustada por você nem por mim, porque já está acontecendo; há interesses consideráveis, e todos já estão empenhados em defendê-los.
Mas você e eu, vendo a casa arder, podemos entender a causa do incêndio, nos afastar e construir outra casa, com materiais diferentes, não-inflamáveis. Isso é tudo o que podemos fazer: ver o que determina a guerra e, se estivermos interessados em acabar com ela, começar a transformação em nós mesmos.
Há alguns anos fui procurado por uma senhora americana. Ela contou que perdeu um filho na Itália e desejava salvar o outro filho, de dezesseis anos. Sugeri que, para salvar o filho, ela deixasse de ser americana: deixasse de ser ambiciosa, de acumular riqueza, de desejar poder. Que se tornasse moralmente simples, não só em relação a roupas, a coisas exteriores, mas simples nos pensamentos e sentimentos, simples nas relações. Ela respondeu: "O senhor está pedindo o impossível. Isso eu não posso fazer. As circunstâncias são muito poderosas, eu não posso alterá-las."
As circunstâncias podem ser controladas, porque nós criamos as circunstâncias. A sociedade é produto das relações, suas e minhas, conjuntamente. Se mudarmos as relações, a sociedade mudará. Se contarmos só com a legislação para transformar a sociedade (enquanto no íntimo continuarmos corruptos, ambicionando poder, posição, autoridade), causaremos destruição no mundo exterior, por mais caprichosa e cientificamente que ele tenha sido construído. O interior sempre supera o exterior. 
"A sociedade é produto das relações. Se mudarmos as relações, a sociedade muda. Tudo depende de nós, mas não percebemos isso."
O que causa a guerra – seja religiosa, política ou econômica? Sem dúvida é a crença; a crença no nacionalismo, numa ideologia, num dogma. Se, em vez de crença, houvesse boa vontade, amor e consideração, não haveria guerra. Mas nós nos alimentamos de crenças e dogmas; nós fomentamos o descontentamento.
É claro que a causa da guerra é o desejo de poder, prestígio, dinheiro. É também a doença chamada nacionalismo (o culto de uma bandeira) e a doença da religião organizada (o culto de um dogma). Tudo isso produz uma sociedade fadada à destruição. Portanto, tudo depende de você, não dos estadistas. Tudo depende de você e de mim, mas parece que não percebemos isso.
Se chegássemos a nos sentir verdadeiramente responsáveis por nossas ações, com que rapidez acabaríamos com todas as guerras! Mas somos indiferentes. Tomamos três refeições por dia, temos nossos empregos, nossos depósitos no banco, e dizemos: "Pelo amor de Deus, não venha me perturbar, deixe-me em paz!". Quanto mais alto estamos, mais queremos segurança e tranquilidade, mais queremos que as coisas fiquem como estão.
Mas as coisas não podem ser mantidas como estão, porque não há nada para manter. Tudo está se desintegrando. E não queremos encarar isso.
Nós podemos falar sobre paz, fazer conferências, sentar para discutir; interiormente, porém, somos impulsionados pela ambição. Fazemos intrigas, somos nacionalistas, escravos de dogmas pelos quais estamos dispostos a nos destruir uns aos outros.
Como esses homens – você e eu – podem ter paz? Para termos paz, temos que ser pacíficos. Viver pacificamente significa não criar antagonismo. A paz não é um ideal. Um ideal é simplesmente uma fuga, uma maneira de evitar aquilo que é.
Para ter paz devemos amar, devemos começar a viver. Não uma vida ideal, mas viver as coisas como são, agindo sobre elas, transformando-as. Enquanto cada um procurar segurança psicológica, a segurança física de que necessitamos (alimento, roupa, moradia) será destruída.
Para pôr fim a todas as guerras é necessária uma revolução no indivíduo, em você e em mim. Sem essa revolução interior, a revolução econômica não terá significação, porque a fome é resultado de um desajuste de condições econômicas produzido por estados psicológicos: inveja, ambição, ganância.
Para acabar com o sofrimento, a fome e a guerra é necessária uma revolução psicológica, mas poucos têm disposição para isso. Estamos dispostos a conversar sobre paz, planejar leis, criar entidades, mas não estamos realmente dispostos a obter a paz, porque não queremos renunciar ao poder, às propriedades, às nossas vidas estúpidas.
Contar com os outros é inútil. Nenhum líder trará paz, nenhum governo, nenhum exército. O que trará a paz é uma transformação interior, que levará à ação exterior. E transformação interior não significa isolamento, retraimento da ação. Pelo contrário, só pode haver ação correta quando há um pensar correto, quando há autoconhecimento. Sem autoconhecimento não há paz.
"Contar com os outros é inútil. Nenhum líder trará paz, nenhum governo, nenhum exército. O que trará a paz é uma transformação interior, que levará à ação exterior."
Para acabar com a guerra exterior, temos que acabar com a guerra dentro de nós. Alguns de vocês vão balançar a cabeça e dizer: "É isso mesmo" – e depois vão sair para fazer exatamente a mesma coisa que vêm fazendo há dez ou vinte anos.

Seu assentimento é apenas verbal, sem sentido; as misérias do mundo não acabam por causa de um assentimento ocasional. Elas só vão acabar se você compreender a sua responsabilidade, se não deixar a tarefa para outra pessoa. Se você reconhecer a necessidade de uma ação imediata, então terá que se transformar. A paz só virá quando você for pacífico.

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"O senhor está pedindo o impossível. Isso eu não posso fazer.", disse uma senhora americana a Krishnamurti após ouvir dele a sugestão para que deixasse de ser como era. Dimensionar corretamente a quantidade de vezes que Krishnamurti deve ter escutado palavras semelhantes a essas, eis algo que não tenho capacidade para fazer. É impressionante a nossa insistência em afirmar ser impossível fazer o que precisa ser feito!

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