quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

PAZ

"Primeiramente a identificação com o outro e a busca da fraternidade. Depois o desenvolvimento e a busca da paz."

(Darcy Ribeiro [1922 - 1997], antropólogo, historiador, sociólogo, escritor e político brasileiro)

"Primeiramente a busca da fraternidade. Depois a busca da paz,", diz o extraordinário Darcy Ribeiro. Sendo assim, quatro dias depois da comemoração do Dia da Confraternização Universal (1º de janeiro), segue uma postagem em que é apresentada uma instigante explicação do que seja paz.
O texto reproduzido a seguir foi extraído de um livro intitulado Helena Vils .. Crônicas .. Contos .. Poemas. Um livro com características incomuns: não tem data de publicação e foi publicado por uma pequena editora denominada Revista da Cidade Gráfica e Editora Ltda que, na época da publicação, ficava situada na cidade de Teresópolis. Intitulado PAZ o texto é uma das doze crônicas nele apresentadas. Embora não possua data de publicação, pelo que é dito em sua primeira frase, pode-se perceber que o livro tem alguns não poucos anos. Porém, pela mensagem por ele trazida, pode-se perceber que o texto é bastante atual.
PAZ
O menino via televisão, ouvia rádio, ia ao cinema.
A televisão mostrava a construção de aviões de guerra, de tanques e encouraçados, de armamentos mais novos e mais devastadores.
No rádio ele ouvia notícias de conflitos pelo mundo. No cinema via filmes de guerra. Até as histórias em quadrinhos parece que não conheciam outro assunto.
O menino, portanto, sabia o que era a guerra.
Mas... o que era a PAZ?
A bela voz do Papa pedia a paz, os líderes de todos os países proclamavam que eram a favor da paz! Na igreja o padre pedia orações pela paz, na escola, também, se falava em paz.
O menino acabou acreditando que PAZ era uma palavra muito bonita e que todos gostavam de usar. Uma palavra apenas porque ninguém explicava o que era PAZ.
Um dia, já sabendo formular uma pergunta e sabendo que compreenderia a resposta, tomou coragem e perguntou à única pessoa que sabia tudo e em quem poderia acreditar.
- Mamãe, o que é a paz?
A mamãe que tinha sempre as respostas prontas desta vez demorou a responder.
O menino notou uma grande tristeza aparecer no belo rosto de sua mamãe. Ficou assustado! Será que PAZ era ruim?!
A mamãe respondeu:
- PAZ, meu filho, é o papai ter um emprego digno, e como ele, todos os pais do mundo. É a nossa mesa farta, e como a nossa, todas as mesas! É poder dispor de um cobertor nas noites frias do inverno, um abrigo para a chuva, um ventilador para espalhar o calor do verão. É água abundante e limpa em todas as casas; é a confiança no semelhante, é poder amar o próximo como Jesus nos ensinou!
- PAZ é contar com um governo honesto, um fiscal correto, uma professora alegre, um amigo sincero, um médico dedicado!
- PAZ é a juventude sadia, sem violência e sem tóxico!
- PAZ é poder viver com dignidade dentro das variadas classes sociais. PAZ é, também, ter um "pé de laranja-lima" para conversar...
- Se PAZ é assim, como você diz, tão boa e tão bonita, por que, então, está triste?
- Porque, meu filho, a paz é fácil, porém, a humanidade a tornou quase impossível de se conseguir!
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"- PAZ, meu filho, é o papai ter um emprego digno, e como ele, todos os pais do mundo. (...) É água abundante e limpa em todas as casas; é a confiança no semelhante, é poder amar o próximo como Jesus nos ensinou! (...) - PAZ é poder viver com dignidade dentro das variadas classes sociais.", eis alguns trechos da resposta dada pela mãe à pergunta "- Mamãe, o que é a paz?"
Ou seja, PAZ é poder viver em condições simplesmente opostas àquelas em que se vive neste planeta.
"O menino acabou acreditando que PAZ era uma palavra muito bonita e que todos gostavam de usar. Uma palavra apenas porque ninguém explicava o que era PAZ.", eis um trecho da crônica que me impressiona bastante. Sim, uma palavra muito bonita e que todos gostavam de usar. Uma palavra apenas porque ninguém sabia o que era a PAZ, como mostra um exemplo apresentado a seguir.
No dia 28 de dezembro, enquanto eu trabalhava na elaboração desta postagem e minha esposa assistia ao programa Encontro com Fátima Bernardes, sinistramente tive minha atenção despertada por algo dito pela apresentadora. Provocada pelos elogios ao vestido que trajava, ela disse o seguinte: "Essa semana eu vou estar toda de branco. Exatamente pra isso: pra gente ver se irradia paz, luz, pensamentos positivos. É por isso que eu estou de branco a semana inteira."
Infelizmente, é essa a parte que a imensa maioria da pretensa espécie inteligente do universo acha que lhe cabe na busca da paz: usar roupas brancas em determinadas ocasiões. "Pai, perdoai-os ... eles não sabem o que fazem". E haja perdão!
Será que acreditar que a busca da paz restringe-se a vestir-se toda (o) de branco tem alguma coisa a ver com a explicação dada pela mãe do menino sobre o que seja PAZ? Vocês conseguem imaginar que resposta a apresentadora daria ao menino se ele lhe perguntasse o que é PAZ? E vocês, o que responderiam?
A referência que Helena Vils faz a Jesus quando diz que "PAZ é poder amar o próximo como Jesus nos ensinou" associada à lembrança do vestido branco da apresentadora do programa televisivo, faz com que o velho método das recordações sucessivas leve-me a recordar aqui a passagem evangélica na qual Jesus compara os mestres da Lei e fariseus hipócritas com sepulcros caiados (revestidos de cal, cobertos com uma substância branca): por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão. Nesta sociedade hipócrita em que vivemos, no meu entender, vestir-se de branco com a intenção de irradiar paz é algo que, em relação à imensa maioria dos indivíduos, enquadra-se na comparação feita por Jesus.
"- Porque, meu filho, a paz é fácil, porém, a humanidade a tornou quase impossível de se conseguir!", eis a frase final da linda crônica de Helena Vils. Sim, considerando a explicação do que seja PAZ dada pela mãe do menino, concordo que a paz deveria ser algo fácil, pois entendê-la como "confiança no semelhante, poder amar o próximo como Jesus nos ensinou, poder viver com dignidade dentro das variadas classes sociais", é, no meu entender, algo simplesmente intuitivo. Algo intuitivo que uma insana civilização (sic) praticante de um estúpido individualismo tornou quase impossível de conseguir!
"Primeiramente a identificação com o outro e a busca da fraternidade. Depois o desenvolvimento e a busca da paz,", diz Darcy Ribeiro, na epígrafe. "- PAZ, meu filho, é a confiança no semelhante, é poder amar o próximo como Jesus nos ensinou! - PAZ é poder viver com dignidade dentro das variadas classes sociais.", diz Helena Vils, em palavras da mãe na crônica. 
Será que faz sentido comparar identificação com o outro e busca da fraternidade com confiança no semelhante e poder amar o próximo como Jesus nos ensinou? E desenvolvimento e busca da paz com viver com dignidade dentro das variadas classes sociais? No meu entender, o que dizem Darcy Ribeiro e Helena Vils tem tudo a ver, e deveriam nos dar muito que pensar.

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