terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Escolhas certas [2ª ocorrência] - A visão do monge

"Além da nobre arte de fazer coisas, existe a nobre arte de deixar coisas sem fazer. A sabedoria da vida consiste na eliminação do que não é essencial."

(Lin Yutang [1895 – 1976], escritor chinês)
A segunda ocorrência de escolhas certas a ser espalhada por este blog foi encontrada no livro Pontos e Contos, de Francisco Cândido Xavier.
"Conta-nos Longfellow a historia de um monge que passou muitos anos, rogando uma visão do Cristo. Certa manhã, quando orava, viu Jesus ao seu lado e caiu de joelhos, em jubilosa adoração. No mesmo instante o sino do convento derramou-se em significativas badaladas. Era a hora de socorrer os doentes e aflitos, à porta da casa e, naquele momento, o trabalho lhe pertencia. O clérigo relutou, mas, com imenso esforço, levantou-se e foi cumprir as obrigações que lhe competiam. Serviu pacientemente ao povo, no grande portão do mosteiro, não obstante amargurado por haver interrompido a indefinível contemplação. Voltando, porém, à cela, após o dever cumprido, oh maravilha! Chorando e rindo de alegria, observou que o Senhor o aguardava no cubículo e, ajoelhando-se, de novo, no êxtase que o possuía, ouviu o Mestre que lhe disse bondoso:
- 'Se houvesses permanecido aqui, eu teria fugido.'"
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Fazer o espalhamento da segunda ocorrência de escolhas certas logo após o da primeira tem a intenção de fazer uma comparação entre elas. Há um personagem que está presente em ambas (Jesus); personagem que é quem aprova as escolhas; escolhas em relação às quais percebo uma significativa diferença. Enquanto, na primeira, a aprovação de Jesus foi dada pela atenção que recebeu de Maria; na segunda, a aprovação de Jesus foi dada pelo afastamento (com imenso esforço) do monge.
Que conclusões podem ser tiradas a partir de tal percepção? Entre dar atenção a um mestre ou realizar tarefas que podem ser realizadas em qualquer outro momento, a escolha deve ser pela atenção ao mestre. Entre contemplar uma visão de um mestre ou afastar-se para praticar algo por ele ensinado, a escolha deve ser pela prática do ensinamento. "Socorrer doentes e aflitos", trabalho que pertencia ao monge naquele momento em que rogava uma visão do Cristo é um ensinamento de Jesus. Ou seja, na escala hierárquica de valores do mestre, tarefas que podem ser feitas a qualquer momento ficam abaixo de interações com o próprio mestre e estas, por sua vez, ficam abaixo da prática de ensinamentos por ele transmitidos. "A lição sabemos de cor só nos resta aprender", diz Beto Guedes em sua bela canção Sol de Primavera. Sim, só nos resta aprender, ou seja, só nos resta praticar. Dito isto, passemos a algumas reflexões provocadas pelo texto de Richard Simonetti apresentado na postagem anterior, começando por um trecho reproduzido no próximo parágrafo.
"Poucas coisas, realmente, são necessárias, se nos contentarmos com o essencial. Dentre elas, uma é fundamental, capaz de dar significado às nossas vidas, sustentando-nos o equilíbrio e a paz, com pleno aproveitamento das horas. Está representada pelos valores espirituais, adquiridos com o cultivo das virtudes cristãs, como a caridade, o amor, a compaixão, o perdão, a tolerância."
"Nos contentarmos com o essencial", eis algo muito difícil para a maioria dos integrantes deste planeta, pois fascinados por imagens acreditam apenas no que veem e, como diz Antoine de Saint-Exupéry, "o essencial é invisível aos olhos". Algo tão difícil que levou Robert Kennedy (1925 - 1968) a fazer a seguinte afirmação: "Os jovens têm tudo, só lhes falta o essencial". Afirmação que considero a cada dia mais atual e que, no meu entender, é aplicável também aos não jovens. 
Como contentar-se com o essencial em um mundo cada vez mais voltado para uma estonteante invenção de "necessidades"? Um mundo em que a cada dia é maior a quantidade de coisas supérfluas nele oferecidas como se fossem imprescindíveis. "O sistema capitalista tem um poder tão grande de cooptação que qualquer porcaria que anuncia vira imediatamente uma mania. Estamos, todos nós, viciados no novo: um carro novo, uma máquina nova, uma roupa nova, alguma coisa nova.", diz o sábio pensador Ailton Krenak em seu extraordinário livro A vida não é útil. Sim, é a cada dia mais difícil contentar-se com o essencial em uma civilização (sic) que privilegia o passageiro e negligencia o eterno, como diz Richard Simonetti no texto espalhado pela postagem anterior.
"Muitos perdem tempo em busca do que lhes será tirado, perdendo tempo em não buscar valores que lhes enriqueceriam para sempre a existência. Vivem em função do homem efêmero (passageiro), negligenciando (descuidando) do Espírito eterno. (...) É importante que tenhamos nossa profissão, nosso emprego, nosso sustento, nossa casa, nossos bens materiais, mas quando isso tudo começa a ocupar demasiado espaço em nossa vida, começamos a marcar passo na jornada evolutiva e perdemos preciosas oportunidades de aprendizados e renovação. (...) Há muitas Martas pela vida, preocupadas com seus negócios, com sua profissão, com sua casa, com seus bens materiais, sem tempo para cuidar do Espírito."
O parágrafo acima provoca-me reflexões. Porém, ao recomendar "cuidar do Espírito", ele talvez tenha provocado em um antigo amigo o desejo de enviar-me, por e-mail, o seguinte comentário sobre o texto de Simonetti.
"Esse texto necessitaria uma adaptação para fora da fé e da espiritualidade. Talvez focando mais no confronto entre coletividade e pretensa igualdade do pensar de Maria e a individualidade e pretensa liberdade da ação de Marta, a fim de equilibrar a balança social em busca da fraternidade entre todos."
Comentário que respondi assim:
"Somos seres espirituais vivendo uma experiência humana", diz Teilhard de Chardin em uma afirmação que considero a mais significativa que vi nesta vida. Sendo assim, tentar excluir de nossa vida a espiritualidade é algo que considero um lamentável equívoco. O problema que enxergo é que, na imensa maioria das vezes, a espiritualidade é confundida com as religiões, essas imperfeitas criações humanas usadas para lidar com a espiritualidade.
Considerando que, no aspecto humano, não somos todos irmãos, entendo que a própria "busca da fraternidade entre todos" é algo que só faz sentido à luz da espiritualidade. Sendo assim, creio que nossas ações não devam ser "a fim de equilibrar a balança social em busca da fraternidade entre todos", e sim, - a fim de desenvolver a fraternidade entre todos em busca do equilíbrio da balança social.
Comentário que meu antigo amigo respondeu assim: "Bem observado".
A intenção ao reproduzir nesta postagem o comentário recebido é aproveitá-lo para evidenciar um dos maiores equívocos cometidos pela imensa maioria da pretensa espécie inteligência do universo: imaginar ser possível solucionar os problemas humanos "fora da espiritualidade".
E de equívoco em equívoco a espécie citada no parágrafo anterior segue nesse percurso que a gente chama de vida. Após uma postagem que termina falando em equívocos e na qual é citada a afirmação de Antoine de Saint-Exupéry de que "o essencial é invisível aos olhos", a próxima postagem focalizará outro grande equívoco: a falta de interesse em buscar conhecimentos sobre o mundo invisível.

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