"O fascínio pelo progresso nos faz cegos para o apocalipse",
eis a afirmação feita em 1957 pelo filósofo alemão Gunther Anders
(1902-1992) usada como título na postagem que reproduz um excelente artigo do jornalista Pablo G. Bejerano. Um artigo dedicado ao escritor britânico
Herbert George Wells - H. G. Wells – no qual Bejerano chama
atenção para o fascínio exercido pelo progresso no período em que Wells esteve
nesta dimensão (1866 – 1946), e para a visão de Wells sobre esse
fascinante progresso. Os três próximos parágrafos foram copiados do artigo.
"Considerado um dos pais da ficção científica e famoso por títulos como A máquina do tempo e O homem invisível, Wells cresceu em um mundo fascinado pelo progresso. Um mundo em que parecia que tudo era possível com ciência, com engenharia e com tecnologia. H. G. Wells tirava suas ideias do exagero e da extrapolação de seu tempo.""Pioneiro em dar um tom pessimista a suas histórias sobre progresso, ciência e tecnologia, contra o entusiasmo que então imperava sobre o futuro, os romances de H. G. Wells têm um foco diferente. Neles, o progresso oferecia um lado sombrio que o autor mostra de forma ostensiva, tanto que muitas vezes se torna o tema principal da obra. E sua visão da humanidade não é tão animadora como a dos cartões-postais da Exposição Universal de Paris. O progresso tão amplamente enaltecido na época teria levado a civilização humana a um estado calamitoso"."Mas de Wells pode-se dizer que foi o primeiro escritor que fez de sua desconfiança do progresso, entendido como avanços técnicos, um sucesso editorial. E o fez em uma época em que havia a sensação de que todos os problemas da humanidade poderiam ser resolvidos com os avanços da tecnologia. Um sentimento que de alguma forma também impera hoje, quando grandes empresas de tecnologia falam de seus produtos como soluções para conectar pessoas, para capacitar, em última instância, para mudar o mundo. 'Mas, sério, em que direção? ', se perguntaria Wells."
Diante
da "fala das grandes empresas de tecnologia em mudar o mundo" em
uma velocidade alucinante e da hipotética indagação de Wells - 'em que direção?' -, minha
memória lembra-me a seguinte afirmação de Clarice Lispector: "Mude, mas
comece devagar, por que a direção é mais importante que a velocidade".
E voltando
a prática das recordações sucessivas, minha memória foi buscar em uma
entrevista com Jean Paul Jacob publicada na edição de 17 de junho de 1998 da
revista ISTO É, o trecho reproduzido
a seguir. Os grifos são meus.
Jacob – É verdade. "Há dez anos, acreditava-se que a informática iria tornar a nossa vida melhor, que iríamos trabalhar menos, ter mais tempo de lazer, semana de trabalho de 35 horas. Em vez disso, todas as invenções que fizemos nos mantêm mais ocupados. O celular nos segue em todo o lugar e interrompe qualquer coisa que estivermos fazendo. Levamos nosso trabalho para casa dentro de um computador portátil. O efeito tecnológico na sociedade é algo que não sabíamos prever. E a reação desta diante da afirmação de que os objetos vão começar a pensar pode ser negativa. Talvez não seja o mundo que queremos".
O efeito tecnológico
na sociedade é algo que não sabíamos prever, e que jamais
conseguiremos prever enquanto formos criaturas fascinadas pela tecnologia, pois
fascinados jamais enxergarão qualquer coisa corretamente. Sobre a afirmação de Jacob
de que "Talvez não seja o mundo que
queremos", digo que, mais do que isso, talvez seja o
mundo que não nos seja conveniente. Afinal, repetindo mais uma vez Gunther Anders, "o fascínio pelo progresso nos
faz cegos para o apocalipse".
Segundo a referida entrevista, "Após 36 anos na IBM, Jean Paul Jacob já poderia ter-se
aposentado". "Mas a gente se
aposenta para poder fazer o que gosta. E o
que eu gosto é o que eu faço aqui,
trabalhando com tecnologia para prever o futuro", diz esse paulista de 61 anos.
Após algumas referências antigas, ao reler a
afirmação de Jacob - "Trabalhar
com tecnologia para prever o futuro, é o que eu gosto e o que eu faço", vem-me à mente algo que ouvi recentemente em uma
reportagem televisiva apresentada há quatro dias. Sob o título Tecnologia na Nossa Vida, a reportagem
divulga que no dia seguinte seria aberta na Cidade das Artes uma
exposição que mostra o uso da inteligência artificial. Até o momento da
publicação desta postagem, tal reportagem poderia ser acessada no endereço https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/rj2/video/exposicao-mostra-como-a-inteligencia-artificial-mexe-na-nossa-vida-10015362.ghtml, e são dela os trechos reproduzidos nos próximos oito
parágrafos.
Manchetes de jornais bem utópicas"2023 – O Fim das Pandemias: Inteligência artificial consegue desenvolver qualquer imunizante em até no máximo 2 horas."2061 – Que tal uma redução na jornada de trabalho e aumento nos salários?- Mas será que tudo vai sair como o esperado? – indaga o repórter.- É uma questão muito simples. É colocar as pessoas para pensarem mais sobre a inteligência artificial; colocar as pessoas para terem mais visão crítica sobre a inteligência artificial, porque, de fato, inteligência artificial vai mudar as nossas vidas neste século, a questão é como é que isso vai mudar - responde um jovem que, no meu entender, atua na exposição.- Aqui nessa sala quem apertar esse botão vai ser estimulado a refletir sobre a inteligência artificial – diz o repórter.- Será que o mundo vai colher só benefícios ou estamos num campo minado? – indaga o repórter.- E a ideia de ter um botão é pra gente justamente acionar um sinal de alerta; pra gente poder mostrar - olha só a gente precisa ficar atento com o desenvolvimento de uma inteligência que não seja humana e que pode passar a se sobrepor em cima de nós -, diz o já citado jovem.
Ao dizer que "A gente precisa ficar atento com o desenvolvimento de uma
inteligência que não seja humana e que pode passar a se sobrepor em cima de nós" o referido jovem faz-me lembrar a seguinte afirmação de
Albert Einstein: "Temo o dia em que a tecnologia se sobreponha à
humanidade. Então o mundo terá uma geração de idiotas."
Uma geração de idiotas que, já em 2023,
poderá sair por aí usando sua inteligência (sic) natural para produzir, de
forma inteiramente irresponsável, "pandemias para as quais a inteligência artificial
conseguirá desenvolver qualquer imunizante em até no máximo duas horas". Será que isso valida o temor de Einstein?
"Cidade
limpa não é a que mais se varre; é a que menos se suja.",
diz uma frase que, há muitos anos, vi pela primeira vez na praça principal da
cidade de Nova Friburgo. Uma frase que, mutatis
mutandis, presta-se a muitas paráfrases. Planeta saudável não é o que mais
rápido desenvolve qualquer imunizante para pandemias; é o que menos produz
pandemias, eis uma delas.
E ao dizer que "(...) de fato, inteligência
artificial vai mudar as nossas vidas neste século, a questão é como é que isso
vai mudar", o jovem que aparece na reportagem sobre a exposição
leva-me de volta ao início destas reflexões para comparar suas palavras com as
do jornalista Pablo G. Bejerano quando diz que: "Um sentimento que de alguma
forma também impera hoje, quando grandes empresas de tecnologia falam de seus
produtos como soluções para conectar pessoas, para capacitar, em última
instância, para mudar o mundo. 'Mas, sério, em que direção? ', se perguntaria Wells."
Que a tecnologia sempre mudará as nossas
vidas considero algo inquestionável; o questionável será sempre a direção em
que as mudanças ocorrerão. Sendo assim, - Será que a questão a que se refere o
jovem da reportagem tem alguma coisa a ver com a hipotética indagação de Wells?
No meu entender, tem tudo a ver, e no de vocês?
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