"A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem."
Alexis Carrel (1873-1944), cirurgião, fisiologista, biólogo e
sociólogo francês que, em 1912, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e
Fisiologia)
O título desta postagem é uma afirmação feita em 1957
pelo filósofo alemão Gunther Anders (1902-1992). Comparando tal afirmação com a
de Alexis Carrel, que epigrafa a postagem, chamo atenção para a presença em
ambas da palavra progresso. Palavra para a qual selecionei em WWW.significados.com.br a
seguinte opção. Progresso: alteração para melhor; evolução: progresso científico.
Buscando um significado para a palavra evolução encontrei o seguinte. Evolução: indica a
ação ou efeito de evoluir. Uma evolução remete para o aperfeiçoamento, crescimento ou desenvolvimento de uma
ideia, sistema, costume ou indivíduo. Os grifos já vieram na busca.
Ou seja, embora o significado de progresso
seja aplicável a várias coisas, há muito tempo ele está associado apenas a
desenvolvimento tecnológico. É esse o progresso a que Gunther Anders refere-se
em sua afirmação. É esse o progresso que Alexis Carrel alerta que a civilização
não tem como finalidade. É esse o progresso que, segundo Anders, nos fascina,
nos deslumbra e nos faz cegos para o fim da vida terrestre como é atualmente
conhecida.
Era contra esse progresso que Herbert George Wells (21 de setembro
de 1866 – 13 de agosto de 1946), um escritor britânico e membro da
Sociedade Fabiana, conhecido como H. G.
Wells, manifestava-se como
um dos pioneiros contra o entusiasmo tecnológico, "contra a
visão idílica que se tinha da ciência e da tecnologia no final do século XIX" (usando palavras de Pablo G.
Bejerano, autor do artigo a ser espalhado por esta postagem) e que de lá para
cá aumentou estupidamente.
É ao escritor H. G.
Wells que Bejerano, um jornalista especializado em tecnologia interessado em
como o mundo digital muda a vida das pessoas, dedica seu artigo publicado no
jornal EL PAÍS em 13 de agosto de
2021, dia em que se completava o 75º ano após Wells deixar esta dimensão, e reproduzido no endereço https://brasil.elpais.com/cultura/2021-08-13/75-anos-sem-h-g-wells-pioneiro-contra-o-entusiasmo-tecnologico.html?ssm=TW_CC.
É a quem acredita que é por meio do progresso
tecnológico, e não do progresso do homem, que se conseguirá construir algo que faça
jus ao termo civilização, que dedico o espalhamento do imperdível artigo de
Pablo G. Bejerano.
75 anos sem H. G. Wells, pioneiro contra o entusiasmo tecnológico
O autor de 'A Guerra dos Mundos' e 'A Máquina do Tempo' foi um dos primeiros a se opor à visão idílica que se tinha da ciência
e da tecnologia no final do século XIX
Setenta e cinco anos após sua morte, restam de
Herbert George Wells as ideias de seus livros à frente de seu tempo. Tanto é
verdade que a realidade ainda não as alcançou. O escritor britânico,
considerado um dos pais da ficção científica e famoso por títulos como A máquina
do tempo e O homem invisível, morreu em 13 de agosto de 1946. Foi
pioneiro em dar um tom pessimista a suas histórias sobre progresso, ciência e
tecnologia, contra o entusiasmo que então imperava sobre o futuro.
Mesmo assim, o que
mais se conhece de sua carreira é apenas indiretamente relacionado a ele.
Enquanto H. G. Wells ainda era vivo, o jovem Orson Welles fez um programa de
rádio em que adaptou seu romance A guerra dos mundos. Era 1938 e
milhares de norte-americanos saíram às ruas para expressar sua ansiedade porque
acreditaram que a Terra estava sofrendo um ataque alienígena.
H. G. Wells tirava
suas ideias do exagero e da extrapolação de seu tempo. Nascido em 21 de
setembro de 1866, cresceu em um mundo fascinado pelo progresso. A Segunda
Revolução Industrial trouxe a magia da eletricidade, do carro motorizado — os
primeiros automóveis Benz e Daimler— e do telefone. Era também a época das
invenções e de seus inventores, com Thomas Alva Edison à frente na lista.
Parecia que tudo era possível com ciência, com engenharia e com tecnologia.
Toda essa efervescência se cristaliza em um
sentimento de exaltação que salpica a literatura. Com Júlio Verne, outro dos
precursores da ficção científica, os avanços técnicos e as máquinas espantosas
assumiram um papel fundamental nos romances. Costumavam ter um componente de
deslumbramento, como em Da Terra à Lua ou A ilha misteriosa.
Aqui, a tecnologia e a ciência aparecem como vetores do progresso.
Os romances de H. G. Wells, porém, têm um foco
diferente. Neles, o progresso oferecia um lado sombrio que o autor mostra de
forma ostensiva, tanto que muitas vezes se torna o tema principal da obra.
Curiosamente, ele publicou seus textos de ficção científica mais conhecidos em
poucos anos, no final do século XIX. A máquina do tempo (1895), A
ilha do doutor Moreau (1896), O homem invisível (1897) e A guerra
dos mundos (1898) aparecem num período de apenas quatro anos. Seu sucesso
neste curto espaço de tempo lhe permitiria viver confortavelmente como escritor
pelo resto de seus dias.
Em A máquina do
tempo, publicado quando tinha 29 anos, Wells faz um exercício de
antecipação. Algo que era comum na época. Mas, no caso dele, tem um ponto de
originalidade. Um exemplo da visão futurista do momento são os cartões-postais
que Jean Marc Côté e outros artistas desenharam por ocasião da Exposição
Universal de Paris, em 1900. As ilustrações mostram máquinas voadoras
trafegando rotineiramente nas cidades, a mecanização do campo ou máquinas que
cortam cabelo ou varrem e esfregam a casa. As imagens, agora revestidas de
nostalgia, projetam o que seria o ano 2000.
Já o romance de
Wells não está apenas um século à frente. A máquina do tempo chega à
Inglaterra do ano 802701. E sua visão da humanidade não é tão animadora como a
dos cartões-postais da Exposição Universal de Paris. O progresso tão amplamente
enaltecido na época teria levado a civilização humana a um estado calamitoso.
Wells mostra esse
lado execrável da tecnologia e da ciência também em O homem invisível.
Uma história em que as consequências de um experimento científico levam o
protagonista a sofrer um delírio de poder que o aliena completamente. O autor
deixa sensação parecida em A ilha do doutor Moreau, onde antecipa a
questão da engenharia genética e os problemas que os avanços neste campo podem
trazer. A ilusão das viagens espaciais é fulminada por Wells com A guerra
dos mundos, sem a necessidade de viajar para lugar algum. Em vez de a
humanidade sair para o universo, este vai para o planeta Terra. O encontro
entre ambos os mundos é um desastre.
O entusiasmo pela
tecnologia e a ciência continuaria muito depois desses títulos. Hugo Gernsback,
criador em 1926 da revista Amazing Stories, onde Asimov, Ray Bradbury e
muitos outros publicariam, é um desses apóstolos. No início do século XX, ele
já publicava histórias que eram uma ode a trastes futuristas e aos tempos
vindouros. Sua influência nos primeiros passos da ficção científica foi tamanha
que o Prêmio Hugo, para romances deste gênero e do fantástico, levam seu nome
em sua homenagem.
Décadas se
passariam antes que surgissem as primeiras grandes distopias, como Admirável
mundo novo (1932) de Aldous Huxley, que temperou o entusiasmo pelo futuro.
O checo Karel Čapek, com sua peça R.U.R. (Rossumovi Univerzální Roboti,
que significa Robôs Universais de Rossum), de 1920, também mostrou suas
reservas com a tecnologia, no caso com os autômatos, que ele batizou de robota,
o que deu origem ao termo robô.
Mas de Wells
pode-se dizer que foi o primeiro escritor que fez de sua desconfiança do
progresso, entendido como avanços técnicos, um sucesso editorial. E o fez em
uma época em que havia a sensação de que todos os problemas da humanidade
poderiam ser resolvidos com os avanços da tecnologia. Um sentimento que de alguma
forma também impera hoje, quando grandes empresas de tecnologia falam de seus
produtos como soluções para conectar pessoas, para capacitar, em última
instância, para mudar o mundo. "Mas, sério, em que direção?", se perguntaria Wells.
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Pergunta que deveria
nos dar o que pensar, mas que jamais será feita por fascinados pelo progresso das
máquinas e, consequentemente, desinteressados pelo progresso do homem.
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