"O que se leva da vida á vida que se leva."
(Antigo ditado popular)
Cumprindo o que foi dito na última frase da
postagem anterior, segue o comentário sobre a interpretação equivocada do antigo
ditado popular em epígrafe. Qual é o equívoco? É interpretar "o que se leva da vida é a vida que se leva" como a liberação para cair na gandaia e fazer tudo o que nos der na telha, sem
importar-nos com as consequências de nossas ações e omissões, não apenas para
nós mesmos, mas também para a sociedade da qual somos integrantes.
Não, não creio que seja essa a interpretação
correta do referido ditado. A interpretação que faço de "a vida que se leva" é de que
seja levar para outra dimensão a consciência do bem e do mal que fizemos nesta
dimensão e também do bem que deixamos de fazer nesta dimensão em que agora estamos.
Ou seja, minha interpretação do referido ditado leva-me a concordar plenamente
com o que Joan Chittister considera ser realmente importante na vida: "Viver bem a vida, mergulhando-a na beleza, no amor e na reflexão."
E ao falar sobre o que se leva da vida, trago para estas reflexões uma interessante
história contando o que dizem terem sido os três últimos desejos de Alexandre "O Grande".
Depois de conquistar muitos reinos, Alexandre estava voltando para casa quando no caminho adoeceu e a doença o levou para seu leito de morte. Com a morte à espreita, Alexandre percebeu como suas conquistas, seu grande exército, sua espada afiada, e toda sua riqueza eram de pouca importância. Desse modo, o poderoso conquistador quedou-se, prostrado e pálido, impotente à espera de seu último suspiro. Ele chamou seus generais e disse: vou partir deste mundo em breve, tenho três desejos, por favor, realizem-nos sem falhas. E os generais concordaram em cumprir a última vontade de seu rei.Meu primeiro desejo é que meus médicos devem carregar sozinhos meu caixão, disse Alexandre. Depois de uma pausa ele continuou.Em segundo lugar desejo que quando meu caixão estiver sendo levado para a sepultura o caminho que o levar ao cemitério deverá ser coberto com ouro, prata e pedras preciosas que recolhi ao meu tesouro durante minhas conquistas. Novamente ele pausou por um minuto e continuou.Meu terceiro e último desejo é que minhas duas mãos sejam deixadas balançando ao vento, fora do caixão e à vista de todos.Um dos generais mais queridos de Alexandre beijou sua mão e perguntou-lhe: Ó rei, nós te asseguramos que seus desejos serão todos cumpridos, mas diga-nos, por favor, por que nos faz pedidos tão incomuns. Alexandre, então, respirou fundo e disse: eu quero que o mundo conheça as três lições que acabo de aprender. Quero que meus médicos carreguem meu caixão para que as pessoas percebam que nenhum médico pode realmente curar nosso corpo. Eles são impotentes e não podem salvar uma pessoa das garras da morte certa.Meu segundo desejo para que o caminho até o cemitério seja coberto de ouro, de prata e de outras riquezas é para que as pessoas saibam que nem mesmo uma fração de meu ouro irá me acompanhar. Passei toda a minha vida acumulando riquezas, porém tudo que aqui conquistei aqui ficará.Sobre o meu terceiro desejo de ter minhas mãos à mostra, fora do caixão, é para que as pessoas saibam que eu vim até este mundo de mãos vazias e de mãos vazias sairei.As últimas palavras de Alexandre antes de morrer foram: enterrem meu corpo, não construam nenhum monumento em minha honra e mantenham minhas mãos para fora de minha sepultura para que o mundo saiba que a pessoa que o conquistou não tinha nada nelas quando morreu.
"Eu quero que o mundo conheça as três lições
que acabo de aprender.", respondeu Alexandre a um dos seus generais
quando perguntado sobre o porquê daqueles pedidos tão incomuns. Pedidos tão
incomuns, porém feitos em um momento não tão incomum. O momento em que diante
da proximidade da morte o indivíduo percebe que a maneira como leva sua vida
resultou na "conquista de coisas de pouca importância". Percepção comum já retratada no cinema e na televisão, onde muitas vezes a arte retrata a
vida.
Ambientada no Rio de Janeiro, a novela de Lauro César Muniz intitulada Roda de Fogo narra a história de Renato Villar (Tarcísio Meira), um homem que se transforma quando se vê diante da morte. Renato Villar é um empresário bem-sucedido e inescrupuloso, capaz de qualquer coisa por poder.A novela dá uma reviravolta quando Renato descobre que tem um tumor no cérebro, que lhe causa fortes dores de cabeça. Ao saber que só tem, no máximo, mais seis meses de vida, Renato transforma-se inteiramente. No plano pessoal, termina o casamento com Carolina para viver seu amor por Lúcia. No profissional, decide destinar parte dos lucros de sua empresa a uma fundação, e afasta todos os executivos que o traíam no alto escalão de seu grupo financeiro.
"Ao
saber que só tem, no máximo, mais seis meses de vida, Renato transforma-se
inteiramente." e usa o tempo que lhe resta para levar um final de vida em
conformidade com a percepção de Joan Chittister: "O que é realmente importante na vida? É apenas a própria vida,
vivendo-a bem, mergulhando-a na beleza, no amor e na reflexão."
O cineasta japonês Akira Kurosawa realizou um filme chamado "Viver" contando a história de um funcionário público no Japão, após a Segunda Guerra Mundial, que recebe a notícia de que está com câncer no estômago e tem pouco tempo de vida pela frente. Este funcionário seguia o comportamento preguiçoso e conformado de seus colegas na repartição: engavetar todos os pedidos das pessoas que vinham solicitar medidas para melhorar suas condições de vida. Ao tomar conhecimento da doença, ele resolveu dar um sentido ao pouco tempo de vida que lhe restava e mudou seu comportamento, batalhando para que as solicitações fossem atendidas. Pouco a pouco, com muita luta e dificuldades, as coisas começaram a acontecer: a comunidade ganhou uma escola, um posto de saúde, um parque e outros benefícios. O funcionário ganhou respeito e admiração da população. No dia em que ele morreu todos foram ao velório enaltecendo o seu trabalho e dedicação. De repente, um dos presentes, invejoso das homenagens, comentou: "mas afinal de contas seu mérito não foi tão grande, pois ele sabia que ia morrer e, portanto tinha que tentar fazer as coisas". Um outro logo perguntou: "Entre todos que aqui estão, existe alguém que não vai morrer? "
"Ao tomar conhecimento da doença, o funcionário resolveu dar um
sentido ao pouco tempo de vida que lhe restava e mudou seu comportamento". Ou seja, resolveu levar um final de vida em conformidade com a percepção de Joan
Chittister: "O que é
realmente importante na vida? É apenas a própria vida, vivendo-a bem,
mergulhando-a na beleza, no amor e na reflexão."
Intitulada Viver a postagem de 05 de agosto de 2011
tem por base um artigo intitulado Viver, de Oded Grajew, presidente do
Conselho Deliberativo do Instituto Ethos
de Empresas e Responsabilidade Social, publicado em 16 de março de 2001, no jornal O Globo.
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