"Eu quero que o mundo conheça as três lições que acabo de aprender.", respondeu Alexandre a um dos seus generais quando perguntado sobre o porquê daqueles pedidos tão incomuns feitos diante da proximidade de sua morte.
As histórias de Alexandre "O Grande", de Renato Vlilar e de
um funcionário público japonês em um filme do cineasta
Akira Kurosawa, contadas na
postagem anterior podem sugerir que as lições que nos possibilitem levar uma
vida significativa só nos são oferecidas nos momentos finais da vida. Trazendo
trechos do extraordinário texto de Joan Chittister, esta postagem procura
demonstrar que as coisas não são bem assim.
"Viemos a este mundo, desde o momento do nascimento, incapazes de agir sem a ajuda de outros. Crescemos, então, nesse nosso propósito: cuidar daqueles que estão ao nosso redor, de forma que, cuidando uns dos outros, possamos todos viver seguros no conhecimento de que somos protegidos e queridos, necessários e amados.", diz Joan Chittister.
Ou seja, desde o
momento do nascimento, e não apenas nos momentos próximos da morte, nos é
ensinada a "dinâmica" da vida: "cuidar daqueles que estão ao
nosso redor, de forma que, cuidando uns dos outros, possamos viver seguros (...),
pois somos incapazes de viver sem a ajuda de outros.".
E ao falar em "desde o
momento do nascimento", vem-me à mente a seguinte afirmação de Vladimir Maiakovski:
"Cada um, ao nascer, traz sua dose de amor. Mas os
empregos, o dinheiro, tudo isso, nos resseca o solo do coração."
Ou seja, nasce-se trazendo uma dose de
amor e com o passar do tempo fica-se com o solo do coração ressecado. Que estranhos
seres ocupam este planeta, hein! Seres com o solo do coração ressecado por sua equivocada
relação com o dinheiro e pelos deploráveis meios usados para obtê-lo.
"Os hospitais estão quase quebrando porque eles perderam no seu movimento normal as cirurgias eletivas, aquelas que não são emergenciais, os acidentes de trânsito caíram muito, também eram um motivo de faturamento dos hospitais e a covid não está ocupando na maioria do país os leitos. Então, nós estamos ainda quebrando todo o nosso sistema hospitalar financeiramente porque eles não podem fazer o seu trabalho normal e também não tem clientes covid em todo o país pra ocupar os leitos."
Que mundo é esse em que há quem lamente a
queda na quantidade de acidentes de trânsito porque eles são um motivo de
faturamento dos hospitais!? Quem é o deplorável lamentador? Ricardo Barros, empresário
e político que foi ministro da saúde no governo Temer, está no sexto mandato
consecutivo como deputado federal e é líder do governo na Câmara.
"Uma executiva do ramo, Diane McClure, tranquilizou os acionistas, em outubro de 1997, com uma boa notícia: 'Nossas análises do mercado mostram que o crime juvenil continuará crescendo'. (...) 'Afinal, presídio quer dizer dinheiro', diz Nils Christie, um criminologista citado na mesma página em que é citada a executiva."
'Afinal, presídio quer dizer dinheiro'! Onde
encontrei essa "pérola"? No livro De
Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso, do extraordinário Eduardo
Galeano (1940 – 2015). Afinal, doença quer dizer dinheiro, drogas quer dizer
dinheiro, vício em redes sociais quer dizer dinheiro, guerra quer dizer
dinheiro, enfim, tudo o que há de pior neste mundo quer dizer dinheiro. Em
reportagem-entrevista com o escritor americano Nicholson Baker, publicada na
edição de 19-20 de setembro de 2004 do Jornal
do Commercio, encontrei a seguinte afirmação: "Os EUA já foram uma
nação de consertadores, de inventores, de soldadores de fundo de quintal. Todo
mundo sonhava em construir uma bicicleta melhor. Agora nossa única grande indústria é a guerra.".
Os grifos são meus.
'Nossas análises do mercado mostram que o crime juvenil continuará crescendo', disse uma
executiva do ramo, tranquilizando os acionistas.
Mercado, acionistas e investidores, eis a tríade que, em
função do dinheiro, rege a vida neste planeta em que uma ínfima minoria, que
dele julga-se dono, vive de forma nababesca enquanto uma imensa maioria luta
desesperadamente para apenas sobreviver em uma guerra entre os ricos e os
pobres. A guerra entre os ricos e os
pobres, eis o título de um artigo de Mauro Santayana publicado na edição de
22 de junho de 2008 do Jornal do Brasil
do qual copiei o parágrafo a seguir.
"Entre as assustadoras denúncias de projetos do neoliberalismo e da globalização, para a exclusão, há a de um encontro ocorrido na Califórnia, nos anos 80, em que alguns economistas e sociólogos americanos e europeus, sob o patrocínio dos banqueiros, concluíram que era necessário afastar do consumo 4/5 da população mundial, a fim de garantir o padrão de vida dos 20% de ricos restantes. Os demais deveriam ser marginalizados da comunidade planetária, até sua extinção, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Os fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a cada dia mais escassa) abomina."
Algo que me incomoda demais é a naturalidade
com que, todos os dias, o noticiário defende a ideia de que a "salvação"
deste país (e de qualquer outro) só é possível atraindo o interesse de
investidores estrangeiros. O que é um investidor? É alguém que aplica capital
com finalidade lucrativa. Será que faz sentido aceitar que um país pode falir?
Será que faz sentido aceitar que a vida é algo que esteja nas mãos de
investidores? Será que faz sentido colocar a economia acima da vida? Na opinião
da ínfima maioria que se considera dona do mundo, sim; na de vocês, não sei; na
minha, não.
Mais do que o título de um programa
televisivo apresentado por uma emissora brasileira de 05 de maio de 1991 até 16
de dezembro de 2001, Topa tudo por
dinheiro é o lema da imensa maioria dos integrantes deste mundo em que o
valor da vida é reduzido ao dinheiro. Então, como construir um mundo que preste,
se neste planeta tudo gira em torno do dinheiro e onde o que há de mais
lucrativo é exatamente o que há de mais nocivo (criminalidade, doenças, drogas,
vícios, guerras etc.)?
"Reduzir o
valor da vida ao dinheiro mata toda possibilidade de idealizar um mundo melhor,
diz Nuccio Ordine, professor de literatura italiana da Universidade da
Calábria, em artigo publicado no jornal O
Estado de S. Paulo, em 16.02.2014, intitulado Democracia líquida.
E para encerrar estas reflexões segue mais um parágrafo
copiado do livro Bem-vindo à
sabedoria do mundo – O
que as grandes religiões nos ensinam para viver melhor, de Joan Chittister. Os grifos são meus.
"As 'anotações nas margens das nossas escrituras sagradas' nos elevam acima do mundano e nos fazem olhar outra vez para aquilo que somos, ao que somos chamados para ser. Elas exigem que ponderemos sobre o que fazemos e por que o fazemos. Lembram-nos de que existe um propósito maior na vida do que simplesmente ganhar dinheiro. A reflexão – essa comparação consciente das metas e esperanças da minha vida com todos os possíveis propósitos da vida – nos dá um senso novo da nobreza da vida. Torna-nos mais abrangentes para sermos tudo que podemos ser, mesmo nas piores circunstâncias. Recusa-se a estar envolvida na busca por poder e segurança que nos isola do resto da humanidade."
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A postagem destas
reflexões deveria ter sido feita no dia 27 de agosto. O motivo do atraso? Dois
dias antes, meu teste PCR detectou o coronavírus. Após uma estada no Hospital
Bangu (onde recebi excelente tratamento) iniciada em 28 de agosto e encerrada
em 12 de setembro, encontro-me em período de recuperação.
Coincidentemente,
a experiência de estar em um leito de UTI, colocou-me, exatamente, na situação
citada na primeira frase do terceiro parágrafo desta postagem: "incapazes
de agir sem a ajuda de outros". A estada em um leito de UTI oferece excelentes
lições.
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