terça-feira, 6 de julho de 2021

Metanóia

"A vida humana consiste de três fases: vinte anos para aprender, vinte anos para lutar e vinte anos para atingir a sabedoria."

  (Provérbio chinês)
O provérbio chinês é antigo..., o tempo passou, a quantidade de anos da vida humana aumentou, um estonteante desenvolvimento científico chegou, e tonta a maioria dos integrantes da autodenominada espécie inteligente do universo se atrapalhou ao lidar com a segunda metade dos anos da vida humana. Extraído do livro Metanóia e Meia-Idade - Trevas e Luz, organizado por Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro, o texto apresentado a seguir é quase a íntegra da apresentação assinada por ela. Um texto que, no meu entender, poderá despertar a vontade de ler o referido livro. Um livro composto de textos de vários autores que enxergo como capazes de "ajudar a compreender as belezas e as luzes, tanto quanto as trevas e o sofrimento da travessia - vida após a meia-idade". (O trecho final entre aspas é copiado da apresentação feita por Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro)
Metanóia
Idade, plural-idade, meia-idade, envelhecimento, velhice... quantas significações, mistérios, mitos e preconceitos!
Numa sociedade cada vez mais impregnada pelos valores da eterna juventude, como envelhecer?
Como assumir as marcas do tempo, que fazem suas inscrições no corpo e na alma?
Como assumir a passagem do tempo que vai levando esta vida para uma finalização, quando a sociedade materialista e consumista quer negar tal realidade?
As marcas do tempo se revelam nas rugas, nos óculos, nos cabelos brancos, na menopausa, no colesterol, na aposentadoria, nos lutos cotidianos pelos que partem... Enfim, como disse Jung, as perdas são sinais que a vida nos dá de que somos seres de passagem. Mas atualmente parece que é normal negar isso, queremos parecer eternos e eternamente jovens, porém não tem como reverter tal situação; pelo menos por enquanto, todos nós envelhecemos – bem ou mal, esta é a única opção que nos cabe ter.
Quando acontece a meia-idade? Poderíamos situá-la entre os 40 e os 50 anos, período que traz muitos questionamentos e ressignificações – período de trevas e luz. Mas como envelhecer numa sociedade que privilegia de forma tão acentuada os valores da juventude? Um dia chegamos à meia-idade, normalmente com certa estranheza ou até constrangimento, mas sempre há algo de perturbador. Marta Medeiros, em artigo da revista Globo de 11/9/2005, diz que, ao envelhecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisa nenhuma; estamos todos no mesmo barco, com motivos para dançar e para se refugiar no escuro, alternadamente. Nesta linha de pensamento, Jung diz: "A vida é, ao mesmo tempo, significativa e louca. Se rirmos de um dos aspectos e não rirmos e especularmos do outro, a vida se torna banal; e sua escala se reduz ao mínimo. Há, então, igualmente pouco sentido e pouco absurdo".
Envelhecer é um processo vital inerente ao viver, vai do nascimento à morte, mas ganha maior visibilidade após os 40 anos. É uma grande experiência que põe à prova a nossa caminhada existencial, que pode ser uma aventura ou um desastre. Porém, diante de uma sociedade que privilegia os valores da eterna juventude, acontece uma ferrenha negação desse processo natural e irreversível. Estamos premidos pela necessidade de querer parecer sempre jovens. A partir do século XX, os valores cultivados foram: SENSAÇÕES, APARÊNCIA e IMAGEM. Busca-se a todo o preço ter um corpo de jovem, sentir prazer e ser feliz, manter a boa forma, tendo sempre como referência de desempenho o padrão jovem. Isto é o que mais importa. Vale a performance externa, e cada vez mais corremos o risco de nos tornar escravos desses valores sociais. Nossa sociedade atual tem sido denominada a Sociedade do Espetáculo (Debord, 1997), isto é, das aparências, da deificação do efêmero, do presente.
Um querido professor de Filosofia e colaborador neste livro, Tiago Lara, falando sobre temporalidade e travessia, afirma que nos cabe conciliar o sabor do tempo que flui com o sabor do eterno. Isto nos lembra Guimarães Rosa, que por meio de Riobaldo diz: "Ah! Tem uma repetição que sempre, outras vezes, em minha vida acontece. Eu atravesso as coisas – e no meio da travessia não vejo! – só estava era entretido com a ideia dos lugares de saída e de entrada". Portanto, cabe-nos a inserção na consciência da passagem do tempo, da travessia, e saborear cada etapa ou estação da vida, pois todas elas têm suas riquezas e suas privações. Talvez o maior perigo seja nos iludirmos com as máscaras de juventude e negarmos a beleza de sermos eternos aprendizes do viver, como canta Gonzaguinha: "viver e cantar e cantar a alegria de ser um eterno aprendiz...", aprendiz do desejo de viver o mais plenamente possível, independentemente da idade.
Numa sociedade em que, a cada ano, à medida que aniversariamos, começamos a esconder a idade, passamos a ter vergonha dela. Como é comum ouvirmos: "Parei nos 40, 50..." Enquanto continuarmos a fazer isso, estaremos perpetuando o preconceito contra a velhice e fazendo a apologia da juventude. Cada vez mais, se faz necessário assumir a realidade da passagem dos anos com seus prós e contras. Qual o glamour da segunda metade da vida? O que significa metanóia?
Nos tempos atuais, cada vez mais estamos nos distanciando das dinâmicas do SER para o TER, e indo além, estamos caminhando para o PARECER TER. Lembrando Platão, podemos dizer que estamos deixando de nos conectar com o Mundo das Ideias, com a subjetividade e a consciência de si mesmo, e nos articulando predominantemente com a realidade dos Simulacros. Nossa sociedade individualista, consumista e materialista, vive sob o domínio da mídia, que nos impõe modelos. Estamos, segundo a visão de Jung, massificados e alienados, nos distanciando de nossas raízes, de nossa alma. Quando em contato com ela – nossa alma -, somos levados a ter consciência do tempo, pois nele tecemos nossa história, nos construímos. Na consciência do fluir de nossa temporalidade, temos a possibilidade de questionar o viver, suas verdades e mentiras, e esta possibilidade se acerca de nós de modo mais evidente após a meia-idade. Passamos a buscar o sentido da vida. A idade em si é o que menos importa, pois, afinal, somos uma plural-idade. Porém, o que realmente importa é o questionamento do que fazemos de nossa vida. O que realmente vale a pena? Aos questionamentos dessa fase Jung denominou metanóia.
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"A idade em si é o que menos importa, pois, afinal, somos uma plural-idade. Porém, o que realmente importa é o questionamento do que fazemos de nossa vida. O que realmente vale a pena? Aos questionamentos dessa fase Jung denominou metanóia.", diz Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro.
Ao dizer que "O que realmente importa é o questionamento do que fazemos de nossa vida.", Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro faz-me lembrar da seguinte afirmação de Zygmunt Bauman: "Nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem."
Questionar o que fazemos de nossa vida para tornarmo-nos melhores; tornarmo-nos melhores para tornar melhor a sociedade, eis o que entendo como o que realmente deve importar para quem conseguir enxergar a qualidade de uma sociedade como resultado das ações de todos os seus componentes. E passar a questionar quanto antes, preferencialmente antes de chegar à meia-idade.

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