quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Reflexões provocadas por - "O perdão nos tempos do ódio"

"Arrependido, Scovens nunca teve coragem de pedir perdão a Agnes. Mas ela o perdoou.", diz Lizandra Magalhães em sua reportagem-entrevista. "Tive meu próprio processo de perdão, porque Leonard disse que nunca teria coragem de me pedir para perdoá-lo.", diz Agnes Furey em reportagem de Lucas Altino publicada na edição de 16 de novembro de 2018 (12 dias antes da atribuída a Lizandra), também no jornal O Globo, sob o título Histórias de luto que levaram à transformação e ao perdão.
Lembram da afirmação de Mahatma Gandhi que epigrafa a postagem anterior - "O fraco jamais perdoa. Perdão é um atributo dos fortes."? Pois é. Além de jamais perdoar, o fraco jamais tem a coragem de pedir perdão.
"Após tudo o que aconteceu Agnes queria saber quem era aquele jovem e como ele poderia ter feito uma coisa dessas.", diz Lizandra Magalhães em sua reportagem-entrevista. "Agnes contou que precisava entender os motivos daquele crime, embora, por lei, os dois não possam se encontrar pessoalmente.", diz Lucas Altino em sua reportagem.
E ao "contar que precisava entender os motivos daquele crime", Agnes faz-me lembrar uma instigante frase que li em uma imagem usada em uma divulgação de uma série de Steven Spielberg lançada em outubro de 2019 na qual ele investiga as razões pelas quais o ser humano é capaz de agir movido pelo ódio. O título da série? Por que odiamos? A instigante frase? Para superar o ódio é preciso entendê-lo. Frase que levou-me a publicar em 03 de junho deste ano uma postagem intitulada Para superar o (a)... é preciso entendê-lo (a). Vocês concordam que para superar qualquer coisa que nos incomode é imprescindível entender tal coisa?
"Indagada - Por que acha que as pessoas ficam tão impressionadas com a sua atitude? -, Agnes Furey responde assim:"
"Porque é contrário ao que é frequentemente expresso na mídia. Na maioria das vezes a primeira reação é a raiva. Mesmo quando as pessoas boas querem ajudar, elas reagem com ódio."
E ao responder assim, Agnes faz-me trazer para estas reflexões mais um trecho da reportagem de Lucas Altino.
"A família Ota também fez o caminho do luto traumático para o trabalho de transformação social. Por muito tempo, Masataka Ota dizia que só pensava em vingar o assassinato do filho Ives Ota, de 8 anos, em 1997. Os três autores haviam sido seus funcionários. Certo dia, ele foi convidado, pela produção de um programa de TV, a se encontrar com um deles."
"- Sei que Ives queria que eu perdoasse. Pedi para ele continuar sorrindo para mim no plano espiritual. No fim, falei: 'Você tem uma filha pequena, desejo para ela todo o contrário que você fez com meu filho. Que ela cresça, se case e tenha uma vida feliz' – disse o pai, cuja mulher, Keiko, é deputada federal em São Paulo. Os dois criaram o Movimento Paz e Justiça Ives Ota."
"Por muito tempo, Masataka Ota dizia que só pensava em vingar o assassinato do filho Ives Ota.", demonstrando a veracidade da afirmação de Agnes Furey de que "Na maioria das vezes a primeira reação é a raiva. Mesmo quando as pessoas boas querem ajudar, elas reagem com ódio." Vocês conseguem estimar quantas vezes já foram expressas na mídia imagens de pessoas que, diante de crimes cometidos contra integrantes de familiares, dizendo desejar apenas justiça, realmente, desejam apenas vingança? Infelizmente, confundir justiça com vingança é algo extremamente comum nesta sociedade (sic) onde são raros os que conhecem o verdadeiro significado dessas duas coisas. E ao falar em desconhecimento de verdadeiros significados, passemos a mais um provocante trecho da reportagem de Lizandra Magalhães.
"Indagada – Você é religiosa? -, Agnes Furey responde assim:
"Eu me considero uma pessoa espiritualista, pois não sigo mais uma religião específica. Deixei de ser católica e hoje posso dizer que acredito em todas as religiões. Acho que todas elas têm um objetivo comum. A fé me ajudou a lidar com as perdas, mas o perdão é um sentimento interior e particular, e não deve ser imposto pelas religiões."
Religião, eis mais uma coisa de entendimento extremamente controverso nesta civilização (sic) onde é comum cada integrante customizar uma para si. Religião, eis algo que me desperta enorme interesse e sobre o qual gosto muito de ler. E de tudo o que li considero o melhor conceito de religião algo que encontrei no maravilhoso livro O Profeta, de Gibran Khalil Gibran. Intitulada "O que é religião?", a postagem de 08 de abril de 2011, apresenta o que disse O Profeta quando um velho sacerdote pediu-lhe para falar da religião.
O Profeta é um dos melhores livros que li, que inúmeras vezes reli e ao qual, frequentemente, recorro não só para refazer energias para lidar com essa coisa denominada vida neste insano planeta em que sobrevivemos, mas também como uma fonte onde busco ideias para espalhar por meio deste blog.
Neste ponto, preciso voltar a algo dito alguns parágrafos acima, pois creio que seria uma falha deixar de destacar nestas reflexões o comportamento de Masataka Ota durante o referido encontro com um dos assassinos de seu filho. "No fim, falei: 'Você tem uma filha pequena, desejo para ela todo o contrário que você fez com meu filho. Que ela cresça, se case e tenha uma vida feliz' – disse-lhe Masataka Ota." Ou seja, Masakata é alguém que merece ser incluído no seleto grupo de pessoas que conseguiu colocar em prática uma das recomendações mais difíceis feitas pelo maior mestre que passou por esta dimensão deste planeta.
Qual é a recomendação? "Tendes ouvido o que foi dito: olho por olho, dente por dente. Eu, porém vos digo: não resistais a quem vos fizer mal. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe a outra." Não, diferentemente do que interpreta a imensa maioria, oferecer a outra face não significa expor o lado contrário do rosto para que seja igualmente ferido, e sim oferecer ao agressor o contrário do que dele recebeu. Vocês percebem que foi isso que fez Masakata Ota quando disse a um dos assassinos - 'Você tem uma filha pequena, desejo para ela todo o contrário que você fez com meu filho?
E voltando as indagações feitas por Lizandra Magalhães à Agnes Furey, vamos a mais uma que considero importante trazer para estas reflexões.
"Você conhece mais pessoas que agiram como você? Acha que podem conseguir a cura?"
"Conheço várias pessoas e famílias que se engajaram em diálogo com o infrator. Descobri que o impulso de conversar e ouvir o ofensor não é incomum. Uma conversa voluntária pode ajudar a repara o dano. Isso não é cura. Algumas coisas não podem ser desfeitas e não podem ser curadas."
E ao responder que "Isso não é cura. Algumas coisas não podem ser desfeitas e não podem ser curadas.", Agnes faz-me lembrar uma frase citada no quarto parágrafo desta postagem. "Para superar o (a) ... é preciso entendê-lo(a)". Superar, eis a única coisa que pode ser feita em relação a "coisas que não podem ser desfeitas e não podem ser curadas"!
E após falar em superação, para encerrar estas reflexões, segue o seguinte trecho da reportagem de Lizandra Magalhães:
"Agnes enfatiza que nenhuma dor pode ser comparada a outra:
- Cada sofrimento é único e exclusivo, impossível fazer qualquer comparação entre as pessoas."
Um trecho que faz-me lembrar algo que ouvi de um ex-colega de trabalho, em maio de 1983, em um dos quatro ininterruptos dias que passei em um hospital enquanto um filho permaneceu em estado de coma até sua desencarnação aos quatro anos de idade, em consequência de um atropelamento. "Guedes ... eu não consigo imaginar o que você está sentindo neste momento." Sim, ninguém é capaz de imaginar o que outra pessoa esteja sentindo em uma situação de dor. Sim, como diz Agnes Furey, "Cada sofrimento é único e exclusivo, impossível fazer qualquer comparação entre as pessoas."
Será que cada reação a cada sofrimento também é único e exclusivo? Será que também é impossível fazer qualquer comparação entre as reações das pessoas? Minhas respostas a essas indagações são afirmativas; e as de vocês?

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