"O
fraco jamais perdoa. Perdão é um atributo dos fortes."
(Mahatma
Gandhi)
Após uma sequência de postagens focalizando os temas solidão, saudade
e amizade, nestes tempos em que uma coisa denominada redes sociais (sic), equivocadamente,
é usada para manifestações de ódio, a busca pela próxima ideia a ser espalhada fez-me lembrar de uma reportagem-entrevista que guardei por acreditar que algum dia a
espalharia por meio deste blog.
Publicada na edição de 28 de novembro de 2018 do jornal O Globo, com autoria atribuída a
Lizandra Magalhães, a reportagem-entrevista tem o seguinte subtítulo: "A mulher que perdoou o
assassino de sua filha e neto fala sobre como superar a dor e o ódio depois de
uma tragédia". O
título da reportagem? "O doloroso caminho da reparação." Quanto ao
título escolhido para a postagem, segue a seguinte explicação. Tendo o
dom de escrever romances, Gabriel García Márquez escreveu O Amor nos Tempos do Cólera. Desprovido desse dom, o máximo que
consigo é publicar uma postagem intitulada por uma paráfrase do título do
referido romance.
O doloroso caminho da
reparação
A mulher que
perdoou o assassino de sua filha e neto fala sobre como superar a dor e o ódio
depois de uma tragédia
É melhor estar
firme diante de Agnes Furey. A pequena octogenária de aparência frágil tem um
abraço forte e histórias de tirar o fôlego. Irlandesa radicada nos Estados
Unidos, moradora da cidade de Tallahassee, no estado da Flórida, Agnes inspira
gente por onde passa. A enfermeira aposentada assumiu a missão de ensinar que o
diálogo entre vítima e agressor pode ajudar a reparar os danos causados por uma
tragédia. No mês de novembro, participou do projeto Inspira BB, promovido pelo
Banco do Brasil. No Rio, o encontro foi realizado em parceria com o jornal O Globo e contou com a presença de
brasileiros que perderam os familiares tragicamente e conseguiram transformar o
sofrimento em amor.
Agnes conheceu a
dor da perda de um filho pela primeira vez ainda jovem, em 1960, quando a
pequena Margaret morreu aos três meses, provavelmente vítima da doença hoje
conhecida como Síndrome de Morte Súbita. O filho Frank, portador do vírus HIV,
não resistiu a um tumor no cérebro, em 1996.
Em 1998, Patricia,
a filha mais velha, e o neto Chris, de 6 anos, foram assassinados por um homem
chamado Leonard Scovens, viciado em crack. Patricia o conhecera em um programa
de reabilitação e tentava ajudá-lo.
Em março de 1999
Leonard foi condenado à prisão perpétua. Agnes Furey passou por um período de
depressão e grande dificuldade para suportar a dor.
- Nos dias após o
assassinato, eu disse a um amigo: um dia ainda falarei com aquele homem e ele
vai me ouvir – conta Agnes.
Scovens recebeu a
primeira carta de Agnes em 2005 e ambos seguiram trocando correspondências. Ele
contou sua trajetória de abuso na infância e como se viciou em drogas. O
conteúdo das cartas transformou-se no livro Wildflowers
in the Median, lançado em 2012 nos Estados Unidos e agora traduzido em
português pela Agência O Globo.
Os dois
construíram uma relação baseada no conceito da Justiça Restaurativa, segundo a
qual o diálogo e o perdão podem ajudar a aplacar a dor decorrente de uma
tragédia. Fundaram juntos o Achieve
Higher Ground, organização que defende investimentos em recuperação,
prevenção e reabilitação de traumas.
Agnes enfatiza que
nenhuma dor pode ser comparada a outra:
- Cada sofrimento
é único e exclusivo, impossível fazer qualquer comparação entre as pessoas.
Arrependido,
Scovens nunca teve coragem de pedir perdão a Agnes. Mas ela o perdoou. E espera
que um dia possa encontrá-lo pessoalmente, pois atualmente a penitenciária onde
está preso não permite o encontro entre vítimas e agressores.
Agnes, 81 anos,
trabalhou como enfermeira no atendimento de viciados em drogas.
Entrevista: Agnes Furey
Que tipo de sentimentos ou
emoções a fizeram começar a se comunicar com Leonard?
Queria conversar com Leonard,
pois sabia que minha filha tinha motivos suficientes para tentar ajudá-lo. Ela
queria que ele voltasse a um programa de tratamento. Eu o encontrei brevemente
antes do crime e não tive uma boa impressão. Após tudo o que aconteceu queria
saber quem era aquele jovem e como ele poderia ter feito uma coisa dessas. Eu
também queria quer ele soubesse que seu ato prejudicou muitas pessoas.
Você se tornou uma defensora da
Justiça Restaurativa. Você já conhecia esse movimento? Quais são os seus
benefícios?
Eu tinha ouvido falar tanto da
Justiça Restaurativa quanto do diálogo vítima / ofensor, nem sempre a mesma
coisa. Costumo falar das ondas de dano e das ondas de cura. Quando o dano for
feito e a pessoa responsável estiver disposta a conversar com a pessoa
prejudicada, muitas vezes são tomadas providências para reparar o dano. Quando
a pessoa prejudicada toma a iniciativa, o causador do dano concorda e ambos
recebem a assistência de um facilitador, pode ocorrer uma conversa.
Por que acha que as pessoas
ficam tão impressionadas com a sua atitude?
Porque é contrário ao que é frequentemente expresso na mídia. Na
maioria das vezes a primeira reação é a raiva. Mesmo quando as pessoas boas
querem ajudar, elas reagem com ódio. Muitas vezes a pessoa afetada, vítima ou
sobrevivente, começa a perceber que não há nada que possa desfazer o terrível
acontecimento e pensa: "OK, e
agora?" Então começa a fazer um movimento de explorar possibilidades como,
por exemplo, realizar ações que possam impedir que outros eventos terríveis
como este ocorram novamente.
Foi assim que surgiu o Achieve
Higher Ground? Quantas pessoas já participam desta organização?
O Achieve Higher Ground foi a forma que eu e Leonard encontramos
para tentar alcançar outras pessoas feridas. Hoje são 947 membros on-line no facebook
e de 20 a 35 pessoas participando de grupos de apoio. Várias centenas
participaram de apresentações. O livro Wildflowers
in the Median atraiu a atenção internacional e inspirou documentários que
foram exibidos na TV na Europa e no Reino Unido e em grupos, igrejas e uma
universidade na Flórida.
Você é religiosa? A religião a
ajudou a lidar com suas perdas?
Eu me considero uma pessoa espiritualista, pois não sigo mais uma
religião específica. Deixei de ser católica e hoje posso dizer que acredito em
todas as religiões. Acho que todas elas têm um objetivo comum. A fé me ajudou a
lidar com as perdas, mas o perdão é um sentimento interior e particular, e não
deve ser imposto pelas religiões.
Você conhece mais pessoas que
agiram como você? Acha que podem conseguir a cura?
Conheço várias pessoas e famílias que se engajaram em diálogo com
o infrator. Descobri que o impulso de conversar e ouvir o ofensor não é incomum.
Uma conversa voluntária pode ajudar a repara o dano. Isso não é cura. Algumas
coisas não podem ser desfeitas e não podem ser curadas.
*************
"Por que acha que as pessoas ficam tão impressionadas com a sua atitude?" – pergunta a repórter. Pergunta
que a entrevistada começa a responder assim: "Porque é contrário ao
que é frequentemente expresso na mídia.".
Será que vale a pena refletir sobre o que é perguntado
e respondido na excelente reportagem-entrevista de Lizandra Magalhães? –, eis a
pergunta que lhes deixo ao terminar esta postagem.
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