sexta-feira, 24 de julho de 2020

Reflexões provocadas por "A melhor definição de saudade"

"Saudade é o amor que fica."
(Paciente de 11 anos do doutor Rogério Brandão)
Após a "intromissão" da postagem alusiva ao Dia do Amigo na sequência de postagens, seguem algumas reflexões provocadas pelo tocante depoimento publicado sob o título A melhor definição de saudade. Reflexões que começam com a associação de uma frase muito conhecida por quem atua nos corredores da justiça (sic), e recentemente lembrada por um jornalista em seu comentário sobre um episódio em que um desembargador rasgou uma multa e humilhou um guarda municipal em Santos, com a afirmação do doutor Rogério Brandão quando diz que - "Nós médicos somos treinados para nos sentirmos 'deuses'". Qual é a frase lembrada pelo jornalista? "Juízes pensam que são deuses, desembargadores têm certeza."
Mas será que a pretensão de serem deuses está restrita a juízes, desembargadores e médicos ou faz sentido estendê-la a outros tipos de indivíduos como economistas e bilionários, por exemplo? Infelizmente, neste mundo em que sobrevivemos há muitos indivíduos que pensam que são deuses!
"Não acho o sentimento de onipotência de todo ruim, se bem dosado. É este sentimento que nos impulsiona, que nos ajuda a vencer desafios, a nos rebelar contra a morte e a tentar ir sempre mais além. Se mal dosado, porém, este sentimento será de arrogância e prepotência, o que não é bom."
Gosto muito do que diz o doutor Rogério Brandão no parágrafo reproduzido acima e, considerando o que ele diz, digo o seguinte. Se bem dosada é uma benção; se mal dosada é um desastre. Se bem dosada é remédio; se mal dosada é veneno. Ou seja, descobrir a dose certa a ser aplicada em qualquer coisa que fizermos é condição sine qua non para a construção de algo que faça jus ao termo civilização.
"Elas (as crianças) nos enternecem e nos surpreendem com suas maneiras simples e diretas de ver o mundo, sem meias verdades.", diz o doutor Rogério Brandão.
E ao dizê-lo faz-me lembrar algumas coisas ditas por Antoine de Saint-Exupéry em seu magnífico livro O Pequeno Príncipe.
"As pessoas crescidas têm sempre necessidade de explicações... Nunca compreendem nada sozinhas e é fatigante para as crianças estarem sempre a dar explicações."
"As crianças têm de ter muita tolerância com os adultos."
"Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. Pena que sejam poucas as que se lembram disso".
Será que faz sentido associar o que diz o doutor Rogério Brandão ao que diz Antoine de Saint-Exupéry?
Quando eu morrer, acho que ela (minha mãe) vai ficar com muita saudade de mim. Mas eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!
- E o que morte representa para você, minha querida?
- Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e no outro dia acordamos no nosso quarto, em nossa própria cama não é?
- Vou explicar o que acontece - continuou ela: - Quando nós dormimos, nosso pai vem e nos leva nos braços para o nosso quarto, para nossa cama, não é?
- Olha tio, eu não nasci para esta vida! Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
E ao dizer - "Eu não nasci para esta vida! (...) Vou acordar (...) na minha vida verdadeira!" –, o anjinho do doutor Rogério Brandão faz-me lembrar da afirmação que considero a mais significativa que encontrei nesta vida: "Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana", disse o teólogo, filósofo e paleontólogo francês Pierre Teilhard de Chardin (1881 – 1955).
"Chocado com o pensamento desse anjinho (...) com a visão e grande espiritualidade desta criança, fiquei parado, sem ação. Foi enviado para me dizer que existe muito mais entre o céu e a terra, do que nos permitimos enxergar. Que, geralmente, absolutizamos tudo que é relativo (carros novos, casas, roupas de grife, joias) enquanto relativizamos a única coisa absoluta que temos - nossa transcendência."
"Um anjinho enviado para dizer ao Doutor que existe muito mais entre o céu e a terra, do que nos permitimos enxergar". Para ensinar ao Doutor que "a única coisa absoluta que temos – é nossa transcendência.". Será que não "nos permitirmos enxergar tudo que existe entre o céu e a terra e que a única coisa absoluta que temos – é nossa transcendência" pode ser considerada a causa primária de todos os nossos males? O que vocês acham?
"Meu anjinho já se foi, há longos anos, mas deixou-me uma grande lição vinda de alguém que jamais pensei, por ser criança e portadora de grave doença, e a quem nunca mais esqueci. Deixou uma lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores."
"Uma grande lição vinda de alguém que jamais pensei, por ser criança e portadora de grave doença, e a quem nunca mais esqueci. Uma lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso (...), a repensar meus valores." Aproveitar uma grande lição vinda de alguém de quem jamais esperaria, e a partir dela repensar seus valores, eis a grande sacada do doutor Rogério Brandão.
Será que, nesta coisa denominada vida, todos têm uma oportunidade parecida com a que foi oferecida ao doutor? Será que tal oportunidade já foi oferecida a cada um de nós e, por ter vindo de quem veio, não foi aproveitada? Será que ela ainda está por vir? Pelo sim pelo não (embora não estejamos em um centro de depilação), fique atento (a) para não correr o risco de desperdiçá-la, caso ainda venha a lhe ser oferecida. Compreendido?

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